Sílvio olhou para trás e viu a cama de Lúcia sendo empurrada para dentro da sala de cirurgia. A porta se fechou abruptamente, e o letreiro acima indicava "Em cirurgia".Sílvio arregaçou as mangas e, ao tocar de leve a mão enfaixada, sentiu uma dor aguda e incômoda. Sem perder mais tempo, dirigiu-se ao setor de gastroenterologia, onde explicou sua situação ao médico responsável.O médico, ao saber que Sílvio estava disposto a fazer o teste de compatibilidade para doar parte de seu fígado à esposa, esboçou um sorriso de admiração:— O senhor é um marido exemplar. Ainda aceita fazer a compatibilidade. Tem muito homem que, ao ver a esposa doente, foge logo, com medo de ser compatível e ter que doar.Sílvio esboçou um sorriso amargo. Nos últimos dias, enfermeiros e médicos não paravam de lhe dizer o quanto ele era um bom marido para Lúcia.Ele também pensava assim, mas Lúcia não via as coisas da mesma forma. Para ela, todo o sofrimento que passou, a morte dos pais, tudo era culpa dele. E el
— Sr. Sílvio, o senhor realmente está pensando em doar seu fígado para a Sra. Lúcia? — Leopoldo estava atônito.Sílvio abaixou os olhos e sacudiu as cinzas do cigarro, dizendo:— Eu já decidi. Mas isso fica entre nós. Não conte nada a Lúcia.— Mas, Sr. Sílvio, se a Sra. Lúcia não souber de todo o sacrifício que o senhor está fazendo, não seria em vão? — Leopoldo não conseguia entender o porquê de tanto segredo.Sílvio soltou uma risada amarga, tragando o cigarro profundamente. Mesmo que Lúcia soubesse, ela não se importaria. Seu coração já pertencia a Basílio. O que adiantava ele se ressentir? Se não podiam viver juntos como marido e mulher, pelo menos, dessa forma, ele estaria ao lado dela até o fim. E isso, de certa forma, também era um tipo de felizes para sempre.O mais importante agora não era discutir se ele deveria doar ou não o fígado, mas sim garantir que Lúcia recebesse o tratamento necessário. Se ela pudesse se curar e continuar viva, ele estaria disposto até mesmo a deixar
Sílvio havia fumado meia carteira de cigarros antes de ligar para Basílio.Do outro lado, Basílio atendeu rapidamente. Sua voz era fria e sem emoção:— Sr. Sílvio, que surpresa receber sua ligação.— Basílio, você ama a Lúcia, não é?Sílvio segurava o celular, encostado no hidrante do corredor do hospital, olhando para a neve que caía lá fora.O vento gelado soprava com força, levando os flocos de neve que se chocavam contra o rosto de Sílvio. As gotas brancas se acumulavam nos ombros de seu paletó escuro. Sua garganta estava áspera, provavelmente de tanto fumar.Basílio não respondeu diretamente à pergunta, preferindo desviar:— E se eu disser que sim? E se eu disser que não?— Espero que você a ame de verdade, Basílio. Que o que você sente por ela não seja apenas uma forma de competir comigo. — Murmurou Sílvio.Houve uma pausa do outro lado da linha. Basílio finalmente perguntou:— Aonde você quer chegar?— Da última vez, você disse que poderia convencer o Dr. Daulo a operar a Lúcia,
Leopoldo se aproximou e colocou um casaco sobre os ombros de Sílvio:— Sr. Sílvio, não se preocupe. A Sra. Lúcia vai ficar bem. Vocês dois vão ficar bem.Será? Talvez. Mas a relação deles, o casamento, esses não tinham mais salvação.Sob a insistência de Leopoldo, Sílvio comeu algumas mordidas de comida, sem muito apetite. Em seguida, trouxe uma cadeira para perto da cama de Lúcia e se sentou ao lado dela.Lúcia estava conectada a um respirador, e os aparelhos ao seu redor emitiam bipes constantes. Sílvio cruzou os braços e apoiou a cabeça em uma das mãos. Pensou que talvez nunca mais tivesse a oportunidade de vê-la assim. Cada vez que a olhava, poderia ser a última.Mesmo que ela acordasse, o que os aguardava era mais confronto, mais dor.Era irônico. O casal que um dia se amou tanto estava agora à beira do fim. Ele se pegou desejando que ela continuasse inconsciente, em silêncio.Sílvio apertou os lábios. O rosto de Lúcia, pálido e magro, estava ainda mais desbotado do que no dia ant
A Lúcia de antes nunca o olharia daquele jeito. Um olhar tão cheio de desprezo e repulsa. Embora Sílvio já tivesse visto esse olhar outras vezes, doía como se fosse a primeira, uma dor aguda, como uma picada de abelha direto no coração.A mão de Lúcia, envolta pela de Sílvio, lutava para se soltar. Mas ele não a soltou, apertando-a com mais força. Era irônico: toda a energia que ela tinha naquele momento era usada para machucá-lo.Lúcia, com a máscara de oxigênio cobrindo o rosto, tentou falar. Seus lábios ressecados se moviam com dificuldade. A voz era fraca, quase inaudível, misturada com tosses leves. A máscara se embaçava com sua respiração. Seus olhos mostravam pressa, inquietação. Para Sílvio, ela parecia uma ave pronta para alçar voo, que não suportava mais ficar presa na gaiola do passado.Os olhos de Sílvio se estreitaram, cheios de tristeza e dor. Ele não conseguia entender o que ela estava dizendo, mas pela forma de seus lábios, sabia que não era nada bom. Talvez insultos, t
— Lúcia, você sabe como eu sou. Quando decido fazer algo, ninguém consegue me impedir. Eu não quero te forçar a fazer o tratamento porque quero respeitar sua vontade. Mas se você insistir em me desafiar, não vou te dar o divórcio, e você vai ter que fazer essa cirurgia de qualquer jeito. Pense bem se quer lutar contra mim ou fazer as coisas do meu jeito. — Disse Sílvio.Os olhos de Lúcia se arregalaram. Eles estavam secos, ardendo. Ela encarou o homem à sua frente, ainda tão imponente e elegante. Ele era o mesmo homem charmoso de sempre, maduro, com uma presença que agora parecia ainda mais imponente do que no dia em que se conheceram.Ela soltou uma risada amarga, e as lágrimas voltaram a escorrer. Mais uma vez, ele a estava ameaçando. Claro que sim. Ela agora não passava de uma doente, em estágio terminal. Se o irritasse, não teria como enfrentá-lo. Estava à mercê dele.Era irônico. Quando seus pais estavam vivos, Sílvio já tinha controle sobre ela. Agora, com eles mortos, sua vida a
Lúcia comia rápido. A ideia do divórcio a consumia, e ela não via a hora de resolver tudo de uma vez. Queria terminar o café da manhã que Leopoldo tinha trazido antes que Sílvio chegasse.— Devagar, ninguém vai te tirar a comida. — Disse Sílvio com uma voz rouca, acompanhada pelo som de passos firmes.Lúcia, com metade de um ovo cozido nas mãos, levantou a cabeça e viu Sílvio. Ele vestia um casaco preto comprido, com uma camisa preta por baixo. Todo de preto, ele parecia ainda mais sombrio e distante. O frio do lado de fora ainda estava em sua roupa, com flocos de neve presos no cabelo e nos ombros.Ela havia comido tão depressa que começou a tossir, a ponto de quase sufocar.— Beba um pouco de água. — Disse Sílvio, estendendo um copo de água morna.Lúcia hesitou por um instante, mas acabou pegando o copo e bebendo um gole, o que aliviou a tosse.— Eu já terminei. Vamos logo ao cartório. — Disse Lúcia, com o rosto inexpressivo.— Não há pressa.Ela o olhou com impaciência, vendo-o sent
O amargor no coração de Sílvio crescia cada vez mais. Então ela realmente não se lembrava. Só ele ainda estava preso ao passado; só ele ainda se lembrava.O trajeto até o cartório durou pouco mais de dez minutos. Ninguém disse uma palavra sequer. O silêncio no carro era assustador.Lúcia, para evitar mais discussões que pudessem atrapalhar o processo de divórcio, fechou os olhos, fingindo estar dormindo.Sílvio sabia que era fingimento, e entendia perfeitamente que era uma maneira dela evitá-lo. Mas preferiu não dizer nada, revelando sua percepção silenciosa.Estava prestes a acabar; ele não queria quebrar o raro, embora frágil, momento de paz.Quando o carro parou em frente ao cartório, Leopoldo foi o primeiro a descer. Ele contornou o veículo e abriu a porta do banco traseiro com um gesto respeitoso.Lúcia fez menção de sair, mas Sílvio a puxou para seus braços.— O que você pensa que está fazendo? — Disse Lúcia, num tom impaciente.A reação dela era como uma série de agulhas cravand