Leopoldo se aproximou e colocou um casaco sobre os ombros de Sílvio:— Sr. Sílvio, não se preocupe. A Sra. Lúcia vai ficar bem. Vocês dois vão ficar bem.Será? Talvez. Mas a relação deles, o casamento, esses não tinham mais salvação.Sob a insistência de Leopoldo, Sílvio comeu algumas mordidas de comida, sem muito apetite. Em seguida, trouxe uma cadeira para perto da cama de Lúcia e se sentou ao lado dela.Lúcia estava conectada a um respirador, e os aparelhos ao seu redor emitiam bipes constantes. Sílvio cruzou os braços e apoiou a cabeça em uma das mãos. Pensou que talvez nunca mais tivesse a oportunidade de vê-la assim. Cada vez que a olhava, poderia ser a última.Mesmo que ela acordasse, o que os aguardava era mais confronto, mais dor.Era irônico. O casal que um dia se amou tanto estava agora à beira do fim. Ele se pegou desejando que ela continuasse inconsciente, em silêncio.Sílvio apertou os lábios. O rosto de Lúcia, pálido e magro, estava ainda mais desbotado do que no dia ant
A Lúcia de antes nunca o olharia daquele jeito. Um olhar tão cheio de desprezo e repulsa. Embora Sílvio já tivesse visto esse olhar outras vezes, doía como se fosse a primeira, uma dor aguda, como uma picada de abelha direto no coração.A mão de Lúcia, envolta pela de Sílvio, lutava para se soltar. Mas ele não a soltou, apertando-a com mais força. Era irônico: toda a energia que ela tinha naquele momento era usada para machucá-lo.Lúcia, com a máscara de oxigênio cobrindo o rosto, tentou falar. Seus lábios ressecados se moviam com dificuldade. A voz era fraca, quase inaudível, misturada com tosses leves. A máscara se embaçava com sua respiração. Seus olhos mostravam pressa, inquietação. Para Sílvio, ela parecia uma ave pronta para alçar voo, que não suportava mais ficar presa na gaiola do passado.Os olhos de Sílvio se estreitaram, cheios de tristeza e dor. Ele não conseguia entender o que ela estava dizendo, mas pela forma de seus lábios, sabia que não era nada bom. Talvez insultos, t
— Lúcia, você sabe como eu sou. Quando decido fazer algo, ninguém consegue me impedir. Eu não quero te forçar a fazer o tratamento porque quero respeitar sua vontade. Mas se você insistir em me desafiar, não vou te dar o divórcio, e você vai ter que fazer essa cirurgia de qualquer jeito. Pense bem se quer lutar contra mim ou fazer as coisas do meu jeito. — Disse Sílvio.Os olhos de Lúcia se arregalaram. Eles estavam secos, ardendo. Ela encarou o homem à sua frente, ainda tão imponente e elegante. Ele era o mesmo homem charmoso de sempre, maduro, com uma presença que agora parecia ainda mais imponente do que no dia em que se conheceram.Ela soltou uma risada amarga, e as lágrimas voltaram a escorrer. Mais uma vez, ele a estava ameaçando. Claro que sim. Ela agora não passava de uma doente, em estágio terminal. Se o irritasse, não teria como enfrentá-lo. Estava à mercê dele.Era irônico. Quando seus pais estavam vivos, Sílvio já tinha controle sobre ela. Agora, com eles mortos, sua vida a
Lúcia comia rápido. A ideia do divórcio a consumia, e ela não via a hora de resolver tudo de uma vez. Queria terminar o café da manhã que Leopoldo tinha trazido antes que Sílvio chegasse.— Devagar, ninguém vai te tirar a comida. — Disse Sílvio com uma voz rouca, acompanhada pelo som de passos firmes.Lúcia, com metade de um ovo cozido nas mãos, levantou a cabeça e viu Sílvio. Ele vestia um casaco preto comprido, com uma camisa preta por baixo. Todo de preto, ele parecia ainda mais sombrio e distante. O frio do lado de fora ainda estava em sua roupa, com flocos de neve presos no cabelo e nos ombros.Ela havia comido tão depressa que começou a tossir, a ponto de quase sufocar.— Beba um pouco de água. — Disse Sílvio, estendendo um copo de água morna.Lúcia hesitou por um instante, mas acabou pegando o copo e bebendo um gole, o que aliviou a tosse.— Eu já terminei. Vamos logo ao cartório. — Disse Lúcia, com o rosto inexpressivo.— Não há pressa.Ela o olhou com impaciência, vendo-o sent
O amargor no coração de Sílvio crescia cada vez mais. Então ela realmente não se lembrava. Só ele ainda estava preso ao passado; só ele ainda se lembrava.O trajeto até o cartório durou pouco mais de dez minutos. Ninguém disse uma palavra sequer. O silêncio no carro era assustador.Lúcia, para evitar mais discussões que pudessem atrapalhar o processo de divórcio, fechou os olhos, fingindo estar dormindo.Sílvio sabia que era fingimento, e entendia perfeitamente que era uma maneira dela evitá-lo. Mas preferiu não dizer nada, revelando sua percepção silenciosa.Estava prestes a acabar; ele não queria quebrar o raro, embora frágil, momento de paz.Quando o carro parou em frente ao cartório, Leopoldo foi o primeiro a descer. Ele contornou o veículo e abriu a porta do banco traseiro com um gesto respeitoso.Lúcia fez menção de sair, mas Sílvio a puxou para seus braços.— O que você pensa que está fazendo? — Disse Lúcia, num tom impaciente.A reação dela era como uma série de agulhas cravand
— Tudo bem. — Respondeu Sílvio.No estúdio fotográfico, o fotógrafo olhou para Sílvio e Lúcia com um sorriso curioso:— Vocês vieram tirar fotos para o casamento? Temos uma promoção especial para isso.— Não, não... estamos aqui para fotos de divórcio, individuais. — Apressou-se Lúcia a esclarecer, balançando as mãos.A expressão de Sílvio escureceu. Ela estava tão ansiosa para se desvincular dele?— Ah, entendi. Foto individual, duas por cinquenta reais. Serve pra vocês? — Respondeu o fotógrafo.— Sim, pode ser. — Disse Lúcia.— Quem vai primeiro? — Perguntou o fotógrafo, observando os dois de forma alternada.Lúcia olhou para Sílvio:— Você quer ir primeiro?— Vá você. Foi você quem quis o divórcio, não estou com pressa. — Disse Sílvio.Sem discutir, Lúcia sentou-se em uma banqueta diante de um fundo vermelho. O fotógrafo se agachou com a câmera, pronto para capturar o momento. Sílvio observava-a sem expressão. Ela estava levemente maquiada, algo discreto, mas que a deixava ainda mai
“Então é isso, né? Tão ansiosa assim pra se livrar de mim?” Sílvio pensou, o rosto escurecendo. Que urgente para encerrar tudo. Era que ela nem espera mais um segundo.Sílvio sentia-se ao mesmo tempo triste, furioso, desesperado e completamente impotente. Todas essas emoções se entrelaçavam num nó apertado dentro dele, sufocando-o. E ela, Lúcia, nem um sinal de arrependimento?Lúcia rebateu de imediato:— Pra assinar um papel você tá criando caso demais, hein? Sério, parece até que tem prazer em enrolar.— Ah, tá com pressa pra correr pro seu Basílio, né? — Perguntou Sílvio.— Pensa o que você quiser. Só quero que seja rápido, sem enrolação. — Lúcia respondeu, irritada, tentando conter o espanto com a acusação de Sílvio. Ela nem ao menos sabia o que ele estava insinuando. O que o Basílio tinha a ver com o divórcio deles? Aquela mania dele de sujar o nome dos outros... Antes, talvez, ela tivesse corrido pra esclarecer a situação, temendo que ele a interpretasse mal. Agora, já não via ne
Talvez, aos olhos de Sílvio, não chorar nem reclamar significasse que ela não estava triste. Lúcia era conservadora em sua essência. Se pudesse, teria se casado apenas uma vez na vida e amado um único homem para sempre. Ela jamais consideraria o divórcio, a menos que fosse absolutamente inevitável. No fundo, sabia que nessa união fracassara por completo. Talvez isso fosse o preço por insistir em algo que não deveria. Seu coração estava em pedaços, mas Lúcia sorriu com uma leveza que desafiava seus sentimentos internos:— Se é o que você pensa, então tá. Assina logo, Sílvio.Ao vê-la sorrindo, Sílvio sentiu-se ainda mais irritado. Ele sempre acreditou que, ao pedir o divórcio, Lúcia choraria, imploraria e faria de tudo para segurá-lo, se tornando ainda mais dócil. Mas, surpreendentemente, foi ela quem tomou a iniciativa. E agora, estava ali, com aquele olhar de quem já havia desistido de tudo. Sílvio sentiu uma pontada de dor no peito, uma angústia que parecia incontrolável. Em um la