“Então é isso, né? Tão ansiosa assim pra se livrar de mim?” Sílvio pensou, o rosto escurecendo. Que urgente para encerrar tudo. Era que ela nem espera mais um segundo.Sílvio sentia-se ao mesmo tempo triste, furioso, desesperado e completamente impotente. Todas essas emoções se entrelaçavam num nó apertado dentro dele, sufocando-o. E ela, Lúcia, nem um sinal de arrependimento?Lúcia rebateu de imediato:— Pra assinar um papel você tá criando caso demais, hein? Sério, parece até que tem prazer em enrolar.— Ah, tá com pressa pra correr pro seu Basílio, né? — Perguntou Sílvio.— Pensa o que você quiser. Só quero que seja rápido, sem enrolação. — Lúcia respondeu, irritada, tentando conter o espanto com a acusação de Sílvio. Ela nem ao menos sabia o que ele estava insinuando. O que o Basílio tinha a ver com o divórcio deles? Aquela mania dele de sujar o nome dos outros... Antes, talvez, ela tivesse corrido pra esclarecer a situação, temendo que ele a interpretasse mal. Agora, já não via ne
Talvez, aos olhos de Sílvio, não chorar nem reclamar significasse que ela não estava triste. Lúcia era conservadora em sua essência. Se pudesse, teria se casado apenas uma vez na vida e amado um único homem para sempre. Ela jamais consideraria o divórcio, a menos que fosse absolutamente inevitável. No fundo, sabia que nessa união fracassara por completo. Talvez isso fosse o preço por insistir em algo que não deveria. Seu coração estava em pedaços, mas Lúcia sorriu com uma leveza que desafiava seus sentimentos internos:— Se é o que você pensa, então tá. Assina logo, Sílvio.Ao vê-la sorrindo, Sílvio sentiu-se ainda mais irritado. Ele sempre acreditou que, ao pedir o divórcio, Lúcia choraria, imploraria e faria de tudo para segurá-lo, se tornando ainda mais dócil. Mas, surpreendentemente, foi ela quem tomou a iniciativa. E agora, estava ali, com aquele olhar de quem já havia desistido de tudo. Sílvio sentiu uma pontada de dor no peito, uma angústia que parecia incontrolável. Em um la
Sílvio ainda nem tinha tido chance de falar. Lúcia já se adiantou, quase ansiosa:— Já pensei, sim.— E o senhor? — Perguntou a atendente, lançando um olhar a Sílvio.Sílvio hesitou por um instante. Claro que ele não queria o divórcio. Mas agora, a situação era inescapável. Lúcia precisava se tratar; ele tinha que deixá-la ir.Ao ver que ele não respondia, Lúcia, achando que ele iria voltar atrás, apertou o tom e lhe deu um leve empurrão no braço:— Ela está te perguntando, você não vai responder? Sílvio, você não vai desistir de novo, né?— E se eu desistisse? O que você faria? — Sílvio bufou, desgostoso com a pressa dela em se divorciar.Para ele, o divórcio era algo doloroso, mas ela parecia estar aliviada, como se estivesse escapando de um sofrimento ou ganhado na loteria.A atendente, percebendo o desconforto, franziu o cenho:— Então vocês ainda não decidiram? Se for assim, melhor pensarem mais e voltarem outro dia.Lúcia se apressou, respondendo à atendente:— Não, não. Está tud
O vento soprava forte demais, fazendo Lúcia tossir algumas vezes. De repente, um casaco preto caiu sobre seus ombros. Ela levantou os olhos e viu Sílvio bem na sua frente, vestido apenas com uma camisa e uma gravata pretas.— Não vai pegar um resfriado. Vamos voltar para o hospital. — Disse Sílvio, preparando-se para erguê-la nos braços.Lúcia, no entanto, deu um passo atrás, mantendo uma distância entre eles:— Estamos divorciados. Não precisa fazer isso.— Só estou preocupado com você. A neve deixa o chão escorregadio, e uma queda pode te machucar ainda mais. — Explicou Sílvio, com um olhar de desapontamento.— Eu mesma posso tomar cuidado, não precisa ficar tentando se aproveitar. — Respondeu Lúcia.Acabaram de se divorciar, e ele tentando ajudá-la, parecia para ela apenas uma desculpa para uma aproximação desnecessária.Sílvio não argumentou mais, virou-se e começou a caminhar à frente dela. Leopoldo acompanhava Lúcia de perto.A neve estava grossa nos degraus e, de fato, bem escor
Sílvio carregou Lúcia até a porta do carro, onde Leopoldo já havia aberto a porta do banco traseiro.Antes que Lúcia pudesse reagir, Sílvio a colocou gentilmente no assento traseiro. O leve aroma de tabaco flutuou até seu nariz.Lúcia sentiu o rosto esquentar. A proximidade entre eles era incômoda, definitivamente não era a distância apropriada para um casal recém-divorciado.— Sílvio, você deveria estar se preocupando com a Giovana. — Disse Lúcia, apertando os lábios, em um tom frio.Sílvio fechou a porta e, com isso, Leopoldo deu partida no carro, dirigindo em direção ao hospital.Após um tempo em silêncio, Sílvio falou:— Divórcio não significa que não teremos mais contato.— Está querendo ter duas mulheres ao mesmo tempo? — Lúcia rebateu com sarcasmo.— Só não podia ficar parado enquanto você caía na neve. — Sílvio respondeu, sincero. Ele não queria se aproveitar dela. Só ele não suportava a ideia de vê-la machucada.Lúcia ficou surpresa, sem esperar essa resposta. Se ele tivesse m
[Você o persegue há tantos anos, e pelo visto não se cansa, né? Que pais são esses que criaram uma mulherzinha tão sem vergonha? Por causa de um homem que quer te matar, você ainda teve a coragem de prejudicar sua própria família, levar seu pai e sua mãe à ruína. E agora, ainda acha que merece ser chamada de Sra. Baptista?][O Sílvio sempre gostou de mim, não de você. E eu nem me importo em te contar que ele sempre te usou desde o início. Foi tudo planejado, eu mesma o apresentei a você para que ele te usasse. Ele só se aproximou porque você é filha do Abelardo. Se não fosse isso, você acha que ele perderia um segundo com você?][Aposto que você não sabe que, todos esses anos em que namoraram, a cada aniversário dele você fazia questão de preparar um bolo com as próprias mãos. E sabe o que ele fazia depois? Vinha me encontrar e celebrava o aniversário comigo. Todos os anos, Lúcia.][E tenho outra novidade para você. Nossas fotos de casamento já estão prontas. Quer ver como ele fica fel
— O que você está olhando? — Sílvio percebeu algo estranho em Lúcia e perguntou preocupado.Lúcia despertou de seus pensamentos, com os cílios tremendo levemente.Como ela não respondeu, ele inclinou a cabeça, tentando ver a tela do celular dela. Aproximou-se um pouco mais, curioso para saber o que estava prendendo tanto a atenção dela.Lúcia rapidamente bloqueou a tela e ergueu a cabeça, olhando para ele com uma expressão completamente estranha, como se estivesse vendo alguém que não conhecia mais.Sílvio ainda mantinha a mesma aparência de quando se conheceram: aquele charme intacto e o ar de intelectual que seus óculos de armação dourada lhe conferiam, sempre passando uma imagem de alguém bem-educado e refinado. Mas Lúcia sabia, como ninguém, o quão podre e hipócrita ele era por dentro.Ela sabia, muito bem, que no dia em que foi diagnosticada com câncer no fígado em estágio avançado, ele estava na praia, tirando fotos de casamento com Giovana. Giovana, que ainda fez questão de prov
Lúcia despertou de seus pensamentos, piscando os olhos ressecados. Deveria contar para Sílvio sobre tudo aquilo? Claro que não. Contar a ele seria como abrir a própria ferida e mostrar a ele o quanto ainda doía.Sílvio já havia deixado claro que sempre ficaria do lado de Giovana. Não adiantava insistir, mesmo que ela quisesse que ele ajudasse. Antes do divórcio Sílvio não estava ao seu lado, e agora, então, seria impossível.“Lúcia, acorde!” Lúcia se repreendeu em silêncio, tentando manter o foco.— Lúcia... — A mão grande de Sílvio balançou diante dela, chamando sua atenção.Lúcia soltou um riso sarcástico:— Não precisa.O carro parou em frente ao hospital, e Leopoldo abriu a porta. Sílvio tentou ajudar Lúcia a sair, mas ela afastou a mão dele, como se fosse algo desagradável, e desceu do carro sem olhar para trás, seguindo em direção ao hospital.Sem entender o motivo de sua raiva, Sílvio a seguiu. No elevador, Lúcia olhava fixamente para os números vermelhos mudando conforme subiam