Lúcia despertou de seus pensamentos, piscando os olhos ressecados. Deveria contar para Sílvio sobre tudo aquilo? Claro que não. Contar a ele seria como abrir a própria ferida e mostrar a ele o quanto ainda doía.Sílvio já havia deixado claro que sempre ficaria do lado de Giovana. Não adiantava insistir, mesmo que ela quisesse que ele ajudasse. Antes do divórcio Sílvio não estava ao seu lado, e agora, então, seria impossível.“Lúcia, acorde!” Lúcia se repreendeu em silêncio, tentando manter o foco.— Lúcia... — A mão grande de Sílvio balançou diante dela, chamando sua atenção.Lúcia soltou um riso sarcástico:— Não precisa.O carro parou em frente ao hospital, e Leopoldo abriu a porta. Sílvio tentou ajudar Lúcia a sair, mas ela afastou a mão dele, como se fosse algo desagradável, e desceu do carro sem olhar para trás, seguindo em direção ao hospital.Sem entender o motivo de sua raiva, Sílvio a seguiu. No elevador, Lúcia olhava fixamente para os números vermelhos mudando conforme subiam
Lúcia não teve coragem de olhar para as fotos. Sua primeira reação foi pensar que aquilo era apenas uma provocação de Giovana, uma tentativa de semear discórdia. Rapidamente, ela bloqueou a tela do celular e o deixou sobre a cama de hospital.Ela sabia que Sílvio escolheu o divórcio ao invés de acompanhá-la durante a doença, e, por mais que ela tentasse negar, isso ainda mexia com seu coração.Mas agora, parecia que o motivo pelo qual Sílvio queria que ela fizesse o tratamento não era por se preocupar com sua saúde. Ele só achava que ela ainda não tinha sofrido o suficiente.Seus pais já estavam mortos. Ela também estava à beira da morte. E, para Sílvio, tudo o que a família Baptista tinha passado ainda era pouco. Ele a enganou, queria que ela se recuperasse só para continuar a torturá-la.Era ridículo, e ao mesmo tempo trágico. No fim das contas, a verdadeira tola era ela. Lúcia sentia o coração apertado.— Sílvio... Fomos casados por tanto tempo. Como você pode ser tão cruel?Era nít
A raiva tomou conta de Lúcia, fazendo seu corpo todo tremer. Era como se um nó de fúria estivesse preso em sua garganta, sem conseguir sair. Aquilo a sufocava, a deixava extremamente desconfortável.Mesmo assim, ela se forçou a apagar uma por uma as fotos e mensagens que Giovana havia enviado. Não havia motivo para guardar aquilo. Cada mensagem era uma prova de seu fracasso, uma lembrança de que ela não conseguiu nem segurar seu próprio marido. Pelo menos, no que dizia respeito àquele casamento, ela era uma perdedora completa.Lúcia não queria sentir raiva, e nem queria se desgastar mais. Ela sabia que não tinha muito tempo de vida, e não valia a pena perder o pouco que restava se preocupando com pessoas tão mesquinhas.Era fácil entender essa lógica, mas difícil de aplicá-la. Afinal, quem consegue controlar o próprio destino? Ela certamente não conseguia.No passado, Lúcia sacrificou sua saúde para que seus pais tivessem uma velhice tranquila. Mesmo sabendo que a gravidez aceleraria s
Ao ouvir aquelas palavras, Lúcia apertou ainda mais o copo de vidro em suas mãos.— Você não estava sempre ocupado com o trabalho? Já terminou tudo?Sílvio não esperava que ela mudasse de assunto para algo tão irrelevante.— Vai embora. Não precisa se preocupar se eu vou viver ou morrer. — Lúcia abaixou os olhos e olhou para a água no copo. Antes, a água ainda estava morna, mas agora começava a esfriar.Seria isso um sinal de que seu corpo, assim como aquela água, também estaria ficando cada vez mais frio?— Lúcia, seja razoável. Nós combinamos. Eu me divorcio, e você aceita o tratamento.— Sílvio, nós já estamos divorciados. Minha vida ou morte realmente importa tanto para você?— O quê?— Ou será que você acha que a morte dos meus pais não foi suficiente? Que você ainda não me torturou o bastante e quer continuar me mantendo viva só para me fazer sofrer um pouco mais?— É assim que você me vê? — Sílvio estreitou os olhos. Ele a amava, queria que ela vivesse. Estava até disposto a arr
— Se você não me contar, como vai saber se eu acredito ou não? — Sílvio franziu a testa, percebendo que ela estava teimando em um círculo vicioso. — Diga-me o que aconteceu, e eu resolvo. Depois, você colabora com o tratamento, combinado?Lúcia olhou para ele com um sorriso amargo, um sorriso maior do que o habitual.Ela já havia contado tudo a ele antes. Falou sobre sua doença, sobre a gravação, sobre o pequeno mudo. E quando, em algum momento, ele acreditou nela?As promessas de Sílvio para Lúcia já não tinham mais valor algum.— Pare de perder seu tempo, Sílvio. Eu não vou fazer o tratamento.— Você está me provocando? Nós fizemos um acordo. Eu me divorciei, e você concordou em se tratar. Agora que o divórcio saiu, você está voltando atrás? — Sílvio deu um sorriso sombrio, cheio de frustração.Lúcia não se intimidou. Ela estava cansada, e não ia deixá-lo ganhar.— Isso mesmo, estou te provocando.— Lúcia, se você continuar com isso, vai passar dos limites. É melhor parar antes que v
Por mais que Sílvio tentasse falar com ela e buscasse acalmá-la, Lúcia simplesmente ficou em silêncio, com o olhar perdido, deixando as lágrimas caírem sem sequer lhe dirigir um único olhar.Toda a paciência de Sílvio se esgotou. Ele saiu do quarto, batendo a porta com força.Ao sair da ala de internação, foi recebido pelo vento gelado do lado de fora. As altas árvores de pinho estavam cobertas de neve, e o chão, húmido, refletia a claridade branca do ambiente. O vento cortante balançava as árvores, fazendo-as inclinar de um lado para o outro.Sílvio desceu os degraus da entrada do hospital, sentindo uma raiva surda crescer dentro de si. Os flocos de neve cristalinos caíam sobre seu rosto, sobre seu cabelo impecavelmente penteado, sobre os ombros do casaco preto e sobre os sapatos brilhantes que ele usava.Ele pensou em acender um cigarro. Tirou um do bolso e tentou várias vezes usar o isqueiro, mas o vento forte apagava a chama toda vez.A frustração aumentou. Sílvio quebrou o cigarro
Ao baixar os olhos, Sílvio viu a mão de Lúcia, abraçada às pernas. A pele estava vermelha e inchada. O coração dele se apertou de dor e raiva.Ela estava machucada. Embora fosse apenas uma queimadura leve, a dor parecia latejar nele.Mas o que o irritava mais era o fato de ela ter passado o dia inteiro fazendo drama. Ele não conseguia entender porque ela estava se comportando assim, cada vez mais intransigente.— Você não tem mais cuidado? Está doendo? — Sílvio suavizou o tom de voz, tentando iniciar uma conversa.Lúcia continuou sem se virar. Ele não se deixou abater. Abriu a caixa da pomada de queimadura e continuou:— Ainda está brava? Não fique assim. Ficar nervosa só te envelhece mais rápido.Lúcia, ainda olhando para as cortinas, piscou lentamente seus olhos secos.Ela sabia que Sílvio estava tentando acalmá-la, tentando ser gentil.O Sílvio de antes jamais teria tanta paciência. Era sempre ela quem cedia, quem o perdoava.Ela deveria sentir-se satisfeita agora. Mas, ao lembrar d
Lúcia fechou os olhos e disse:— Estou cansada, não quero brigar com você.— Eu não quero brigar, Lúcia! Quero que você se trate, estou tentando te ajudar! Não entendo por que você só pensa em morrer! A morte vem para todos, não há como fugir dela! Mas por que você tem tanta pressa? Acha que se morrer agora vai garantir um lugar no céu? — Sílvio tentava controlar a raiva que subia em seu peito. Ele nunca havia se rebaixado tanto para alguém antes. — Lúcia, eu quero que você viva. Quero que viva comigo. Você sabe, eu sou órfão. Meus pais morreram quando eu era criança. Não tenho parentes, não tenho amigos. Só tenho você.Ele fez uma pausa, a voz ficando mais fraca, quase suplicante:— Se você morrer, o que vai ser de mim? Os mortos não sentem dor, mas quem fica, Lúcia, quem fica carrega o fardo mais pesado. Por favor, estou te pedindo, não faça isso.Ao ouvir a palavra “pedir”, os cílios de Lúcia tremeram levemente. Ela se virou, olhando diretamente para ele pela primeira vez em muito t