Aquela palavra foi como um balde de água fria, jogado de repente sobre sua cabeça, deixando-a paralisada e gelada por dentro. Sim, seus pais estavam mortos. Ela era uma órfã agora. Como poderia se permitir estar nos braços de Sílvio? Como podia se deixar levar por beijos e abraços, quando tinha perdido tudo?“Lúcia, você não tem mesmo vergonha? Ele diz algumas palavras doces e você se perde? É isso?”Toda a timidez que havia em seus olhos desapareceu em um instante, substituída por uma frieza cortante e uma expressão de zombaria.Sílvio, absorto em sua própria ilusão, não percebeu a mudança imediata nela. Ele se inclinou novamente, os olhos fechados, querendo mais daquele beijo que tanto o fazia recordar os velhos tempos.Mas Lúcia o empurrou com força, e antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, sentiu o impacto da mão dela estalando em seu rosto. A dor ardente o pegou de surpresa, a pele queimando de quente.Sílvio abriu os olhos, confuso. O que encontrou foi um olhar
Antes, se fosse mal compreendida por Sílvio, Lúcia teria corrido para se explicar. Tudo podia ser mal interpretado, menos o que ela sentia por ele. Aquilo, ela não permitia que ele entendesse errado. Mas agora, Lúcia já não via importância em ser mal-entendida. Não havia mais volta. Mesmo que tudo fosse esclarecido, o caminho de volta já estava perdido. E se era assim, por que se dar ao trabalho de explicar?— Pois bem, se você já entendeu, podemos nos divorciar? — Disse Lúcia.Ela havia tomado o analgésico, e a dor física havia cessado. Um sorriso enfeitou seus lábios. Quando Lúcia sorria, era linda. Mesmo pálida e frágil, sua beleza não era ofuscada. Seus traços delicados e sua postura elegante a tornavam encantadora, mesmo que estivesse magra como um fio de osso.Sílvio sempre esperou por esse sorriso. Mas agora que finalmente o via, não conseguia sentir nenhuma alegria. Pelo contrário, parecia que quanto mais ele ficava irritado, mais satisfeita ela ficava. E, aí sim, sorria com pr
— Sr. Sílvio, o senhor deveria descansar por alguns dias. Faz dias que o senhor não dorme direito. Suas olheiras estão cada vez mais escuras. — Comentou Leopoldo, preocupado com a saúde de Sílvio.Sílvio não respondeu. Apenas entrou no elevador, pensativo. De volta ao hotel, ele ainda estava inquieto. Pegou o telefone e ligou para Ilídio, o filho do Dr. Daulo.Quando Ilídio atendeu e ouviu o motivo da ligação, sua voz se encheu de desculpas:— Sr. Sílvio, não é que eu não queira ajudar. O problema é que meu pai é muito teimoso. Ele não escuta ninguém, nem mesmo a mim.— E não há outra maneira de convencê-lo?Sílvio apertou o celular com mais força, a tensão claramente visível em suas mãos.Ilídio deu uma risada curta antes de responder:— Na verdade, há uma pessoa que pode convencê-lo.— Quem?— Basílio. Meu pai tem um carinho especial por ele. Trata o rapaz como se fosse seu neto. Se Basílio pedir, meu pai com certeza vai ouvir.Basílio.Sílvio riu com desprezo. Claro que sabia que Ba
Sílvio havia passado várias noites sem dormir. Ao ouvir a notícia que Leopoldo trouxe pelo telefone, nem sequer pensou em descansar um pouco. Desligou o telefone rapidamente, pegou o paletó e jogou sobre os ombros, saindo apressado da suíte do hotel.Do hotel ao hospital, normalmente levaria cerca de dez minutos. Porém, Sílvio chegou lá em apenas três. Ao chegar na porta da sala de cirurgia, viu uma multidão de pessoas ao redor de uma cama.Sílvio avançou rapidamente. Lúcia estava com os cabelos desgrenhados, vestindo o avental do hospital, o rosto pálido, sem nenhum vestígio de vida. Seus longos cabelos negros estavam desordenadamente grudados ao rosto. Ela mal conseguia respirar, os olhos estavam vidrados e suas pálpebras travavam uma batalha constante, ora fechando, ora forçando-se a abrir.— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio chegou. O Sr. Sílvio chegou. — Anunciou o vice-diretor do hospital, tentando chamar sua atenção.Ao ouvir isso, Lúcia abriu os olhos com esforço. Olhou ao redor da sala
Leopoldo não conseguiu se conter e interveio em defesa do Sílvio:— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio te ama. Forçá-lo assim não leva a nada.— Sim. Veja bem, ou você me deixa morrer, ou me liberta. Sílvio, escolha. — Lúcia disse, enquanto suas lágrimas escorriam até os lábios, deixando um gosto amargo e salgado. Sua garganta estava tão apertada que mal conseguia falar.Sílvio estava prestes a explodir. Pensar na Lúcia que o estava pressionando agora, compará-la com a jovem alegre de antes... Não havia mais volta.Lúcia tinha certeza de que Sílvio a amava, que não suportava vê-la sofrendo, muito menos morrendo. Por isso, junto com Basílio, havia montado aquela armadilha.Mas a mulher que Sílvio amava o traiu, fugindo com Basílio, e agora usava sua doença para forçá-lo a se divorciar.Por quê? Como ela podia fazer isso com ele? Ele também era uma vítima. Seus pais foram assassinados por Abelardo. Lúcia não era a única inocente; ele também era. Ninguém o compreendia, ninguém o apoiava. Tudo o que
Sílvio olhou para trás e viu a cama de Lúcia sendo empurrada para dentro da sala de cirurgia. A porta se fechou abruptamente, e o letreiro acima indicava "Em cirurgia".Sílvio arregaçou as mangas e, ao tocar de leve a mão enfaixada, sentiu uma dor aguda e incômoda. Sem perder mais tempo, dirigiu-se ao setor de gastroenterologia, onde explicou sua situação ao médico responsável.O médico, ao saber que Sílvio estava disposto a fazer o teste de compatibilidade para doar parte de seu fígado à esposa, esboçou um sorriso de admiração:— O senhor é um marido exemplar. Ainda aceita fazer a compatibilidade. Tem muito homem que, ao ver a esposa doente, foge logo, com medo de ser compatível e ter que doar.Sílvio esboçou um sorriso amargo. Nos últimos dias, enfermeiros e médicos não paravam de lhe dizer o quanto ele era um bom marido para Lúcia.Ele também pensava assim, mas Lúcia não via as coisas da mesma forma. Para ela, todo o sofrimento que passou, a morte dos pais, tudo era culpa dele. E el
— Sr. Sílvio, o senhor realmente está pensando em doar seu fígado para a Sra. Lúcia? — Leopoldo estava atônito.Sílvio abaixou os olhos e sacudiu as cinzas do cigarro, dizendo:— Eu já decidi. Mas isso fica entre nós. Não conte nada a Lúcia.— Mas, Sr. Sílvio, se a Sra. Lúcia não souber de todo o sacrifício que o senhor está fazendo, não seria em vão? — Leopoldo não conseguia entender o porquê de tanto segredo.Sílvio soltou uma risada amarga, tragando o cigarro profundamente. Mesmo que Lúcia soubesse, ela não se importaria. Seu coração já pertencia a Basílio. O que adiantava ele se ressentir? Se não podiam viver juntos como marido e mulher, pelo menos, dessa forma, ele estaria ao lado dela até o fim. E isso, de certa forma, também era um tipo de felizes para sempre.O mais importante agora não era discutir se ele deveria doar ou não o fígado, mas sim garantir que Lúcia recebesse o tratamento necessário. Se ela pudesse se curar e continuar viva, ele estaria disposto até mesmo a deixar
Sílvio havia fumado meia carteira de cigarros antes de ligar para Basílio.Do outro lado, Basílio atendeu rapidamente. Sua voz era fria e sem emoção:— Sr. Sílvio, que surpresa receber sua ligação.— Basílio, você ama a Lúcia, não é?Sílvio segurava o celular, encostado no hidrante do corredor do hospital, olhando para a neve que caía lá fora.O vento gelado soprava com força, levando os flocos de neve que se chocavam contra o rosto de Sílvio. As gotas brancas se acumulavam nos ombros de seu paletó escuro. Sua garganta estava áspera, provavelmente de tanto fumar.Basílio não respondeu diretamente à pergunta, preferindo desviar:— E se eu disser que sim? E se eu disser que não?— Espero que você a ame de verdade, Basílio. Que o que você sente por ela não seja apenas uma forma de competir comigo. — Murmurou Sílvio.Houve uma pausa do outro lado da linha. Basílio finalmente perguntou:— Aonde você quer chegar?— Da última vez, você disse que poderia convencer o Dr. Daulo a operar a Lúcia,