O carro parou em frente à delegacia, e Sílvio estacionou cuidadosamente à beira da calçada. Ele abriu a porta e desceu. As elegantes botas de couro preto brilhante afundaram na camada espessa de neve que cobria o chão. As luzes amareladas dos postes de iluminação projetavam uma aura suave sobre as árvores ao redor, criando um contraste melancólico com a escuridão da noite.Sílvio vestia um sobretudo preto impecável, sobre uma camisa branca perfeitamente passada, adornada por uma gravata preta. A calça social no mesmo tom completava o conjunto. Todas aquelas roupas haviam sido escolhidas por Lúcia, em outra época, quando ainda estavam juntos. Mesmo durante as brigas, o pedido de divórcio e o distanciamento, ele nunca teve coragem de se desfazer delas.Desde que Lúcia partiu, ele quase não comprava roupas novas. Era como se a ausência dela tivesse levado com ela parte de sua própria essência. Agora, enquanto o vento gelado carregado de neve cortava seu rosto tenso, ele tirou um cigarro d
— É mesmo? — Basílio sorriu amargamente, sua voz carregando uma melancolia evidente. Ele conhecia bem aquele carro. Era de Sílvio. Lúcia também o reconheceu de imediato.Envolta no casaco verde militar de Basílio, Lúcia percorria as ruas movimentadas com o olhar inquieto, procurando algo ou alguém. De repente, avistou uma silhueta alta, vestindo um sobretudo preto.Com o coração acelerado e uma mistura de esperança e ansiedade, Lúcia correu em direção à figura.— Sílvio! — Gritou Sílvio, estendendo a mão para segurar o braço do homem.Ele virou o rosto, mas o que Lúcia viu foi um estranho com uma aparência robusta e impaciente. O homem, incomodado, afastou sua mão com um gesto brusco.— Quem é você? — Resmungou o homem, irritado.Não era Sílvio. Apenas um engano. A expressão de alegria que iluminava o rosto de Lúcia congelou no mesmo instante. Desconcertada, ela pediu desculpas:— Desculpe, confundi você com outra pessoa.O homem não disse mais nada e foi embora, deixando Lúcia parada
Até o momento em que chegaram ao carro de Basílio, ele foi rápido em abrir a porta traseira para Lúcia. — Quero sentar no banco da frente. — Disse Lúcia.Basílio ficou surpreso por um instante, mas logo entendeu. Ela estava tentando provocar uma reação de Sílvio. Com elegância, ele fechou a porta traseira e abriu a do passageiro para ela. A neve continuava a cair silenciosamente.Lúcia respirou fundo e ficou ali por alguns minutos, esperando. Mas ninguém apareceu. Sílvio não saiu correndo para detê-la. Ao seu redor, tudo o que ouvia era o som suave do vento brincando com os flocos de neve.Ela havia perdido a aposta. Seus olhos começaram a arder, e ela sentiu uma tristeza profunda. Virou-se para trás, olhando novamente ao redor. Ela sentia, com toda a certeza, que Sílvio estava por perto. Só não conseguia identificar exatamente onde.Lúcia teve a impressão de estar sendo observada, como se um olhar quente e intenso estivesse fixo nela. Virou-se mais uma vez. A rua deserta se estendia
Sílvio viu Lúcia e Basílio encostados um no outro. Eles estavam tão próximos. Flocos de neve caíam ao redor deles, compondo um quadro tão perfeito quanto uma pintura.Sílvio percebeu que, de certa forma, Lúcia e Basílio realmente combinavam. De pé, lado a lado, pareciam um casal perfeito.Ele franziu a testa involuntariamente. Seus lábios se comprimiram em uma linha fina. Suas mãos seguravam o frio das grades do portão com tanta força que pareciam querer esmagá-las.Embora ele não pudesse se revelar para Lúcia naquele momento, o seu único desejo naquela noite era vê-la, mesmo que de longe. Ele queria que Lúcia fosse a razão para continuar lutando. Mas, ao vê-la tão próxima de outro homem, não conseguiu evitar o ciúme. O desconforto o consumia. A raiva subia dentro dele, mesmo que ele tentasse reprimi-la.Sílvio sabia que não tinha o direito de culpá-la, mesmo que visse algo ainda mais doloroso.Com o coração apertado, ele se virou e foi embora.No pátio.Basílio permanecia parado, imóv
A temperatura na mansão era agradável, aquecida como uma tarde de primavera.Enzo, seguindo as instruções de Basílio, trouxe a caixa de primeiros socorros.Basílio pediu que uma das empregadas ajudasse Lúcia a tratar os ferimentos, mas Enzo explicou: as empregadas estavam todas de folga naquele dia. Olhando para Lúcia, ele acrescentou que o próprio Basílio sabia cuidar de ferimentos e fazia isso muito bem.Basílio, claro, entendeu imediatamente o que Enzo estava tentando fazer: criar uma oportunidade para ele estar a sós com Lúcia.Assim que Enzo foi dispensado, um silêncio desconfortável pairou no ar. Basílio olhou para Lúcia. Ela, em algum momento, havia tirado o casaco grosso de inverno. Agora, vestia apenas uma blusa preta de gola alta, justa ao corpo, com a barra enfiada na calça de alfaiataria de corte largo. Sua cintura fina e sua postura elegante realçavam o porte de uma verdadeira dama. Seu cabelo longo caía de forma descuidada sobre os ombros.Mesmo com um hematoma inchado e
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L
- Eu vou soltar fogos de artifício por dias e noites no seu funeral para comemorar sua morte! - Disse Sílvio.Ao ouvir isso, o coração de Lúcia, que já estava pendurado por um fio, se despedaçou completamente. Cada pedaço, ensanguentado, parecia impossível de juntar novamente.Era difícil imaginar o quão frio Sílvio poderia ser. Ele desejava sua morte com tanta indiferença, falando com um sorriso sarcástico.- Sílvio, se quer casar com a Giovana, vai ter que esperar eu morrer.O homem que ela havia moldado com suas próprias mãos havia sido seduzido por uma mulher sem escrúpulos. Ela não podia suportar essa humilhação.Se estavam destinados ao inferno, que fossem os três juntos.- Lúcia, ainda vai chegar o dia em que você vai chorar e implorar de joelhos para se divorciar de mim!O olhar penetrante de Sílvio estava frio como gelo. Sem qualquer hesitação, ele bateu a porta ao sair.Aquela noite, ela não conseguiu dormir. Não era por falta de vontade, mas porque simplesmente não conseguia