Quem seria o verdadeiro mentor por trás de tudo isso? Essa era a pergunta que martelava a mente de Sílvio. Para descobrir, ele sabia que precisava jogar o mesmo jogo e virar a mesa. A impostora, disfarçada e infiltrada em sua vida, tinha um objetivo, mas qual? Até agora, ele não fazia ideia.— Faça exatamente como eu pedi. Qualquer novidade, me informe imediatamente. — Disse Sílvio de forma indiferente, como se a questão não tivesse grande importância. Porém, sabia que quanto menos pessoas soubessem, menores seriam os riscos. Mais um segredo revelado, mais um perigo à espreita.Leopoldo saiu do carro em silêncio e chamou um táxi. Levava consigo tanto o relógio quanto o frasco de comprimidos que Sílvio havia entregue.Dentro do carro parado à beira da estrada, Sílvio não deu partida imediatamente. Ele baixou o vidro e tirou um cigarro do bolso, mordendo-o entre os lábios. Com o rosto impassível, acendeu o isqueiro. O brilho da chama iluminou por um momento sua feição cansada, antes que
O carro parou em frente à delegacia, e Sílvio estacionou cuidadosamente à beira da calçada. Ele abriu a porta e desceu. As elegantes botas de couro preto brilhante afundaram na camada espessa de neve que cobria o chão. As luzes amareladas dos postes de iluminação projetavam uma aura suave sobre as árvores ao redor, criando um contraste melancólico com a escuridão da noite.Sílvio vestia um sobretudo preto impecável, sobre uma camisa branca perfeitamente passada, adornada por uma gravata preta. A calça social no mesmo tom completava o conjunto. Todas aquelas roupas haviam sido escolhidas por Lúcia, em outra época, quando ainda estavam juntos. Mesmo durante as brigas, o pedido de divórcio e o distanciamento, ele nunca teve coragem de se desfazer delas.Desde que Lúcia partiu, ele quase não comprava roupas novas. Era como se a ausência dela tivesse levado com ela parte de sua própria essência. Agora, enquanto o vento gelado carregado de neve cortava seu rosto tenso, ele tirou um cigarro d
— É mesmo? — Basílio sorriu amargamente, sua voz carregando uma melancolia evidente. Ele conhecia bem aquele carro. Era de Sílvio. Lúcia também o reconheceu de imediato.Envolta no casaco verde militar de Basílio, Lúcia percorria as ruas movimentadas com o olhar inquieto, procurando algo ou alguém. De repente, avistou uma silhueta alta, vestindo um sobretudo preto.Com o coração acelerado e uma mistura de esperança e ansiedade, Lúcia correu em direção à figura.— Sílvio! — Gritou Sílvio, estendendo a mão para segurar o braço do homem.Ele virou o rosto, mas o que Lúcia viu foi um estranho com uma aparência robusta e impaciente. O homem, incomodado, afastou sua mão com um gesto brusco.— Quem é você? — Resmungou o homem, irritado.Não era Sílvio. Apenas um engano. A expressão de alegria que iluminava o rosto de Lúcia congelou no mesmo instante. Desconcertada, ela pediu desculpas:— Desculpe, confundi você com outra pessoa.O homem não disse mais nada e foi embora, deixando Lúcia parada
Até o momento em que chegaram ao carro de Basílio, ele foi rápido em abrir a porta traseira para Lúcia. — Quero sentar no banco da frente. — Disse Lúcia.Basílio ficou surpreso por um instante, mas logo entendeu. Ela estava tentando provocar uma reação de Sílvio. Com elegância, ele fechou a porta traseira e abriu a do passageiro para ela. A neve continuava a cair silenciosamente.Lúcia respirou fundo e ficou ali por alguns minutos, esperando. Mas ninguém apareceu. Sílvio não saiu correndo para detê-la. Ao seu redor, tudo o que ouvia era o som suave do vento brincando com os flocos de neve.Ela havia perdido a aposta. Seus olhos começaram a arder, e ela sentiu uma tristeza profunda. Virou-se para trás, olhando novamente ao redor. Ela sentia, com toda a certeza, que Sílvio estava por perto. Só não conseguia identificar exatamente onde.Lúcia teve a impressão de estar sendo observada, como se um olhar quente e intenso estivesse fixo nela. Virou-se mais uma vez. A rua deserta se estendia
Sílvio viu Lúcia e Basílio encostados um no outro. Eles estavam tão próximos. Flocos de neve caíam ao redor deles, compondo um quadro tão perfeito quanto uma pintura.Sílvio percebeu que, de certa forma, Lúcia e Basílio realmente combinavam. De pé, lado a lado, pareciam um casal perfeito.Ele franziu a testa involuntariamente. Seus lábios se comprimiram em uma linha fina. Suas mãos seguravam o frio das grades do portão com tanta força que pareciam querer esmagá-las.Embora ele não pudesse se revelar para Lúcia naquele momento, o seu único desejo naquela noite era vê-la, mesmo que de longe. Ele queria que Lúcia fosse a razão para continuar lutando. Mas, ao vê-la tão próxima de outro homem, não conseguiu evitar o ciúme. O desconforto o consumia. A raiva subia dentro dele, mesmo que ele tentasse reprimi-la.Sílvio sabia que não tinha o direito de culpá-la, mesmo que visse algo ainda mais doloroso.Com o coração apertado, ele se virou e foi embora.No pátio.Basílio permanecia parado, imóv
A temperatura na mansão era agradável, aquecida como uma tarde de primavera.Enzo, seguindo as instruções de Basílio, trouxe a caixa de primeiros socorros.Basílio pediu que uma das empregadas ajudasse Lúcia a tratar os ferimentos, mas Enzo explicou: as empregadas estavam todas de folga naquele dia. Olhando para Lúcia, ele acrescentou que o próprio Basílio sabia cuidar de ferimentos e fazia isso muito bem.Basílio, claro, entendeu imediatamente o que Enzo estava tentando fazer: criar uma oportunidade para ele estar a sós com Lúcia.Assim que Enzo foi dispensado, um silêncio desconfortável pairou no ar. Basílio olhou para Lúcia. Ela, em algum momento, havia tirado o casaco grosso de inverno. Agora, vestia apenas uma blusa preta de gola alta, justa ao corpo, com a barra enfiada na calça de alfaiataria de corte largo. Sua cintura fina e sua postura elegante realçavam o porte de uma verdadeira dama. Seu cabelo longo caía de forma descuidada sobre os ombros.Mesmo com um hematoma inchado e
Lúcia não esperava que seus ferimentos acabassem envolvendo a reputação de Basílio.Vendo que ela permanecia em silêncio, Basílio insistiu:— Você vai me contar agora ou eu mesmo vou investigar? Não seria nada difícil descobrir.Lúcia hesitou por um momento antes de responder:— Eu conto, mas você promete que não vai fazer nada contra o Sílvio?Basílio riu, incrédulo:— Foi o Sílvio quem te machucou assim?— Não foi ele, mas tem a ver com ele. Sr. Basílio, eu só te peço que, por mim, não vá atrás dele.Depois de alguns segundos de silêncio, Basílio, contrariado, acabou concordando com o pedido.Foi só então que Lúcia começou a relatar os acontecimentos da manhã, detalhando tudo.Quanto mais Basílio ouvia, mais a raiva crescia dentro dele:— Ele está tão cego assim, e você ainda o defende?— Foi você quem me disse que devemos ter fé nas pessoas que amamos. Esqueceu disso? — Lúcia rebateu, num tom inesperado.Basílio ficou surpreso. Ele realmente havia dito isso, mas sua intenção era mot
O som do vidro quebrando ecoou pela sala. O vinho tinto derramado no carpete formava manchas escuras, quase como flores murchas. Sílvio nem teve tempo de reagir quando Basílio agarrou a gola de sua camisa e, sem aviso, desferiu um soco direto em seu rosto impecável e marcante.— Sílvio, seu desgraçado! Você acha que merece a Lúcia? Tem ideia do que você fez com ela? E ainda tem a cara de pau de ficar aqui bebendo vinho como se nada tivesse acontecido? — Basílio, tomado pela fúria, balançava os punhos, que golpeavam o rosto e o corpo de Sílvio sem piedade.A dor na bochecha latejava. Sílvio passou o dedo pelo canto da boca, agora manchado de sangue vermelho e vivo. Lentamente, ergueu a cabeça e lançou um sorriso para Basílio. Era um sorriso estranho, talvez de deboche, talvez de resignação, mas, acima de tudo, vazio. Ele estava ali porque estava frustrado, amargurado, e um pouco... com ciúmes. Mas o que ele podia fazer? Nada. Absolutamente nada.Para Basílio, aquele sorriso parecia um i