Alejandro Albeniz
Eu levantei tonto, só pensava que o bombeiro tinha que estar ali ainda segurando, mas como, se daqui, eu não conseguia suportar o calor das chamas? E já ouvia os gritos das outras pessoas, dizendo que ele caiu. Vi uma moto parada e só podia ser dele, tinha uma caixa de jóia em cima, coloquei no bolso do que restou da minha calça, subi no veículo, desci o viaduto e fui até o incêndio da aeronave. Não havia nada que eu pudesse fazer, o copo sem vida do cara que salvou a minha vida estava ali ao lado da aeronave destruída e se incendiando. Peguei aquela caixinha do bolso e abri, um par de alianças, numa tinha escrito Ximena e, na outra, Carlos. — Não é possível, o cara ia se casar! — falei comigo mesmo, sentido pesar. Fui até a moto e olhei que o GPS integrado estava direcionado a uma igreja, era meu dever. Eu tinha ao menos que avisar o que aconteceu com aquele homem que salvou minha vida. Estava bem perto, em três minutos cheguei até a basílica, subi a rampa lateral com a moto e parei bem na entrada da igreja. Todos me olhavam, o meu estado era deplorável. Me arrastei até o altar, onde a noiva já se encontrava, e não podia acreditar no que via. — Você! — Era inacreditável — Não acredito. Adoraria reencontrá-la, mas não dessa forma, não desse jeito. Esperava tudo, menos isso. — Não entendo! Que brincadeira é essa? — tão confusa quanto eu, ela questionou. — Eu queria muito te encontrar, mas não dessa maneira. — me sentia triste e oprimido, aquela situação era horrível. — Fala logo o que você faz aqui! — Ela estava aflita. Ou ao menos era o que parecia. — Quem é esse rapaz, Ximena? — Um homem, que eu acreditava ser o pai dela, perguntou. — Vim trazer uma notícia, senhor. — me direcionei a ele. Pus a mão no bolso e peguei a caixa com as alianças, entregando a ela. — Porque você está com as alianças e a moto do meu noivo? Cadê o Carlos? — Já com a voz embargada, pensando no pior, ela me questionou. — Seu noivo é um herói de verdade. — me limitei a responder. — Você está sangrando, todo rasgado, sujo. Cadê o Carlos? — Ela tentou olhar através de mim, para a entrada da igreja, a fim de tentar ver o noivo. Engoli em seco e respirei fundo, aquilo era muito difícil de dizer. — Eu… Eu sofri um acidente e ele me salvou. — Ele se machucou, em qual hospital ele está? — segurando na barra do vestido, ela já começava a se preparar para sair da igreja. — Ele… ele… — FALA LOGO! PARA DE ENROLAR! — Ele morreu. — as palavras saem da minha boca de maneira dolorida. Ela ficou parada com os olhos fixados e um chororô se iniciou por toda igreja. Gritos de negação, muitos rodando em volta de mim, fazendo perguntas. Ximena era o nome dela, ela saiu da inércia e começou a esmurrar o meu peito com as duas mãos, me colocando para fora da igreja. — É mentira sua, o meu noivo não tá morto! — ela me empurrou mais uma vez. — Me rogou praga, não queria que eu casasse! — Ximena, se acalma! — um senhor pediu. — Gostaria que fosse mentira, gostaria mesmo. Eu juro. — respondi. — Sai daqui, seu mentiroso! — Ela estava muito abalada e, por um instante, me senti um grande filho da puta, pois desejei ser aquele que a consolaria. Meu celular começou a tocar, quando o peguei, a tela estava toda preta, não tinha como atender. Com certeza pifou na explosão. Me virei para ir embora, meu pai devia estar louco, achando que morri. Ainda tinha responsabilidades no local do acidente a cumprir, iria voltar com a moto de Carlos, depois eu devolveria. (...) Ximena Valverde Aquilo tinha que ser um pesadelo. Em algum momento, eu iria acordar para tomar banho e me preparar para o meu casamento. Era o que eu queria acreditar. Quando vi o agourento sair, corri atrás dele assim que o vi subir na moto. — Espera! — gritei. — Ximena, onde vai? — minha mãe perguntou, mas não tinha tempo, nem vontade de explicar. Sem pedir permissão, subi na garupa da moto e falei para ele me levar para o local do acidente. Aquilo tinha que ser um engano. Ele arrancou com o veículo e confesso que não senti o caminho até chegarmos ao local do acidente. Eu saltei da motocicleta e saí correndo na direção do cordão de isolamento. O tempo perdeu o significado. Horas passaram em um piscar de olhos, ou talvez tenha sido apenas minutos. Eu não sabia mais. A dor da perda era sufocante, um aperto constante no peito que me roubava o ar. — Espera! — ele gritou, mas não dei ouvidos. Quando cheguei na fita listrada em preto e amarelo, fui barrada por militares. — Ele é meu noivo, me deixa passar, por favor! — supliquei. Os homens fardados me barraram, até o rapaz que me trouxe se aproximar. — Ela está comigo, sou o dono e o piloto do helicóptero, Alejandro Albeniz. E assim, eles me deixaram passar. Albeniz? Uma das famílias mais ricas da Espanha, os mais ricos de Granada, donos da empresa onde meu pai trabalhava. O caminhão do corpo de bombeiros jogava água no que sobrou do helicóptero, mas não tinha mais fogo, eu corri de encontro ao local fatídico, pois ainda estava distante. Era como se eu estivesse me aproximando do abismo. Nada mais importava a partir daquele momento. Correndo ao meu lado, ele tentou me frear. — Ximena, espera! — ele segurou no meu braço. — Me solta! — estapeei a mão dele e continuei a correr. Até que parei quando vi o saco preto no chão. — É melhor você não ver. — ele me alertou. — Eu preciso. — e sem mais delongas, descobri o plástico preto. — Carlos…? Seu corpo também estava sob uma fuligem negra, mas era ele, não tinha como negar. Comecei a sufocar e um grito de desespero saiu da minha garganta, me ajoelhei ao lado do corpo. A ficha caiu com força brutal. A vida, antes tão cheia de propósito, agora era uma lembrança. Eu olhava ao redor, via apenas destruição, e me perguntava como seguir em frente quando a luz que guiava meus caminhos, havia se apagado. — É melhor tirar a moça daqui. — um policial falou com o homem que desgraçou minha vida. — Vem. — ele me estendeu a mão. — Não vou sair de perto do Carlos. — eu estava ajoelhada ao chão, me curvei para a frente, encostando a cabeça no asfalto. Senti seus braços envolverem meu corpo pela cintura, ele me colocar no colo como uma criança, me erguer e me tirar dali. A dor dentro de mim era muito grande, me agarrei ao seu pescoço e chorei em seu ombro. — A gente ia se casar, isso é uma puta de uma sacanagem! — Minha voz saiu em meio a soluços e choro. Ele não falou nada, apenas me levou em seus braços até a ambulância e me pôs sentada, em seguida, veio um paramédico aferir a pressão e depois me deram água. Repórteres tentavam furar o isolamento, chamando o nome dele a todo momento. Vi uma doida correndo de salto fino e um vestido de festa, chamando a atenção de todos por ali. Ela se agarrou no pescoço do agourento e o beijou como se o mundo fosse se acabar. Senti muita inveja, ela com certeza pensou que o namoradinho milionário tinha morrido, mas ele estava vivo. Eu não tive essa sorte. Desci da ambulância e iria para casa, passei ao lado dele, um tanto distante, mas ainda assim, ele me viu. — Espera, Ximena! Eu vou te levar. — ele gritou. Iria falar que não precisava, até ouvir a namoradinha dele dizer. — Quem é a doida fantasiada de noiva cadáver? — o sangue me subiu ao limite. — Catalina, ela iria se casar. O noivo dela morreu salvando a minha vida, droga! — ao menos o agourento falou em tom de repreensão. — Nada disso importa agora, meu amor! O importante é que você está vivo. — ela quase pulou nos braços dele novamente, o abraçando. Ouvi e não acreditei, as palavras daquela perua eram de uma frieza gritante. — O que você disse? — me aproximei. — Perdão, Ximena, a Catalina não soube se expressar bem. — Aos meus ouvidos, ela se expressou muito bem. É só a merda de uma riquinha egoísta, que não tem respeito pela dor alheia. — Desculpa, fiquei desnorteada. Você sabe o que é pensar que o homem com quem você vai passar a vida inteira com ele, morreu? — ela tentou se desculpar. — Não piora as coisas, Catalina, o noivo dela morreu. Apenas balancei a cabeça em negativo e balbuciei as palavras entaladas na minha garganta: — Vocês dois se merecem, são nojentos! — e me virei, para sair dali o mais depressa possível. Ele quis vir atrás de mim, mas além da namoradinha o ter segurado, meus pais apareceram e, finalmente, nos braços deles, consegui um pouco de consolo.Alejandro Albeniz Queria mesmo era estar apoiando os familiares de Carlo Alcaraz, o rapaz praticamente deu a vida por mim. O mínimo que eu poderia fazer em agradecimento era trazer um pouco de conforto para sua família. No entanto, meu pai, desesperado, me prendeu nesse maldito hospital. Tomografia, ressonância… todos os exames que a medicina pudesse proporcionar, ele me obrigaria a fazer, para ter certeza de que eu estava bem. Tentei me desvencilhar, dificilmente deixava o senhor Albeniz me pôr um cabresto, no entanto, a pressão dele foi nas alturas quando, por um momento, acreditou que eu era o homem que morreu no acidente. Meu velho ainda estava com a pressão alta e por isso acataria seus pedidos. Mesmo com os protetores de ouvidos, o barulho da ressonância ainda era irritante, dei graças a Deus quando finalmente me tiraram daquele tubo apertado. Do lado de fora da sala radioativa, Mercês me aguardava. Eu vestia um roupão desses que amarrava na parte de trás e deixava nosso tras
Alejandro Albeniz Catalina só falava desse noivado que aconteceria daqui a cinco dias, eu tinha me esquecido desse detalhe da minha vida. Tentei argumentar com ela que não era o momento, que até a minha posse na empresa eu adiei, mas ela não quis saber. Quando saí do hospital, só havia um pensamento dentro da minha cabeça e tinha nome e sobrenome.Ximena Valverde.Entrei em casa e quase saí no mesmo pé. Foi só um tempo para eu tomar um banho e tirar as roupas com cheiro de hospital. Passei pela sala de casa e estavam todos reunidos, menos o Beto e esse era o único Albeniz que gostaria de ver para saber como foi com a família do Carlos. E justamente ele era o único que não estava em casa. Passei apenas dando um até mais tarde, meu pai tentou me impedir, falando algo que nem dei atenção. Catalina andou comigo até a garagem e tentou entrar no carro, mas assim que entrei, travei as portas .Não queria Catalina e sua insensibilidade no meio da conversa que teria com Ximena. Precisava expl
Ximena Valverde Sete dias, já eram sete infinitos dias sem o amor da minha vida. A missa celebrada na basílica onde a gente iria se casar parecia que aumentou ainda mais a minha dor. Eu até entendia motivo pelo qual a minha sogra escolheu justamente essa igreja. O intuito era fazer uma homenagem, saudação, mas para mim foi ainda mais pungente, me lembrou de muitos fatos dolorosos. E trouxe à tona sentimentos que estavam até um pouco controlados, como a minha raiva por Alejandro Albeniz. A imagem dele entrando na igreja, dizendo que Carlos morreu, perdurava na minha mente.Agradeci quando a missa acabou e finalmente pude voltar para casa e me enterrar com a minha dor.Ouvia a todo momento meus pais cochichando pelos cantos, algumas das vezes nem me interessava no assunto. Não devia, não queria ficar o tempo todo me martirizando com essa história. A ausência de Carlos já acabava comigo, me fazia querer morrer e, de certa forma, me matava um pouco a cada dia. Em meio a muitas conversas,
Ximena Valverde Rico de beleza, rico de dinheiro, mas pobre, muito pobre de caráter. Noivando hoje e teve a cara de pau para dizer que eu não saía da mente dele. Hipócrita! — Aonde você foi? Onde estava uma hora dessas, Ximena? Sua mãe e eu estávamos preocupados. — coloquei os pés em casa e fui metralhada pelas perguntas do meu pai. Poderia mentir, mas não adiantaria, segunda-feira quando ele chegasse no trabalho, as notícias cairiam como uma bomba em sua cabeça, sobre a filha do funcionário que invadiu a festa de noivado do patrão, isso se não tivesse uma manchete no jornal de domingo. — Ouvi o senhor e a mãe cochichando na cozinha, fiquei desnorteada em saber que aquela gente estava dando uma festa. Era um absurdo. Eu não podia aceitar isso. — E o que fez? — meu pai me perguntou, já sabendo que a resposta não iria agradá-lo. — Fui até a propriedade da família Albeniz. — Ximena! Você o que? — Papai quase gritou. — O que o senhor ouviu. E já que comecei, vou terminar
Alejandro Albeniz Cinza, do meu ponto de vista, essa era a cor mais elegante para um terno. No dia da primeira tentativa de posse da presidência, eu estava com um terno black e foi desastroso, dessa vez, faria diferente. Ainda tinha muitas coisas desse maldito acidente para resolver, contudo, tinha que esperar a AESA liberar o relatório e os destroços. Esse acidente também impactou nos vôos fretados e esse seria o primeiro desafio da minha gestão, fazer com que a Granafly fosse sinônimo de conforto e segurança para o cliente externo. Também não estava de acordo com a maneira da gestão de pessoal; o estilo “faça o que eu te pago para fazer”. O mundo mudou e o senhor Antônio Albeniz não entendeu isso muito bem. Quando eu não consegui tomar posse, tínhamos preparado um grande coquetel a ser celebrado em uma pequena pista de pouso desativada, assim caberia todo o nosso pessoal. Dessa vez, pedi que chamassem apenas os supervisores, os gestores e os assessores, infelizmente, eu qu
Alejandro Albeniz Ximena me falou que daqui a dois meses seu pai faria sessenta e seis anos e quatro meses de idade. Eu tinha o mês, o ano de nascimento e o sobrenome Valverde, assim achei o funcionário no servidor bem nos arquivos do departamento humanos. Olhei a ficha e era impecável, o tipo de funcionário exemplar. Um mecânico de aeronaves com vasta experiência que jamais se permitiu ficar obsoleto. Não era certo, nem digno o que fizeram com ele, mas, primeiro, iria resolver essas três demissões, mais do que injustas, e depois iria resolver com aqueles que o demitiu.Adiei a reunião com o corpo executivo, não estaria focado totalmente. No final da tarde, saí da empresa e me dirigi novamente até a casa de Ximena, bati na porta sem reservas, mesmo assim, eu estava receoso. Meu medo era que a dor da filha do senhor Pedro impedisse que eu pudesse retratar o mal que fizeram ao seu pai. E mesmo esperando que outra pessoa me atendesse, foi justamente ela quem abriu a porta. — Não é poss
Ximena Valverde — Eu falei para a senhora ir lá cuidar do papai, não para paparicar esse presumido hipócrita. — Toda vez que o tal Alejandro Albeniz se aproximava de mim, me subia uma raiva descomunal.— Filha, precisa se acalmar, toda essa raiva não te faz bem. Não havia o que cuidar do Pedro, a conversa na sala estava tranquila e amistosa. Esse Albeniz parece diferente dos outros. — mamãe tentava me convencer enquanto me dava detalhes da conversa do papai com o Albeniz.— É, ele é diferente, e o pior deles. Vai se casar e não perde o tempo de me passar uma cantada. Fez isso até comigo vestida de noiva!— Os homens são assim, Ximena. Você é linda, o que mais recebe é cantada. Lembro que o Carlos teve que praticamente expulsar o Noberto do bairro, ele te perseguia. — Não entendi porque minha mãe tocou nessa parte horrorosa da minha vida. Noberto me dava medo. Ignorei o que dona Clara disse, pois esse perseguidor era caso encerrado na minha vida.— Carlos nunca foi assim, mesmo eu sa
Alejandro Albeniz Consegui o telefone de Raquel, ela morava em um prédio próximo a Plaza Nueva. Quando liguei e disse quem era, a ex-funcionária do meu pai estranhou, disse que aceitaria se encontrar comigo, mas não em sua casa, mas eu a convenci. Raquel, era o tipo de funcionária do rico elitista, alguém feito meu pai. Vinha por diversas vezes pegar a sombrinha e receber Mercês no carro, devido ao sol quente ou por estar chovendo. Alguns integrantes da “família aristocrata Albeniz” pensavam que ainda estavam no século XVIII. Não sabia se eu já tinha esse pensamento, ou se passar parte da minha vida na América, me fez achar tudo isso um exagero desnecessário. Os Estados Unidos defendiam autonomia desde os 18, achavam um absurdo um jovem adulto morar com os pais, como eu estava fazendo agora. Morando na TriBeCa, conseguia um bom loft com serviço de lavanderia, próximo a um bom restaurante e sempre tinha uma loja de conveniência aberta para comprar algum congelado. Assim, aprendi a