Carlos Alcaraz
Era o dia mais importante da minha vida. Iria me casar com a mulher que sempre amei. A mais linda, decidida, cheirosa, gostosa… Ximena e eu seríamos muito felizes. Terminava de me arrumar, quando ouvi batidas na porta. Permiti que minha mãe entrasse, sabia que era ela. — Nossa, como é lindo meu filho! — ela babou sua cria. — Tem vaga no carro para você. — Estava pensando em ir de moto, mãe. — E sujar essa farda branca? Nem pensar! — Ela bradou. — Está certo. — assenti. Vestir a farda de gala do bombeiro para me casar, foi ideia da minha noiva. Eu já usava tanto farda, que confesso que gostaria de colocar algo diferente, mas os desejos de Ximena para mim eram ordens. Quando saí do quarto, as mulheres da minha vida me abraçaram; minha mãe, avó, irmã e prima. — Chegou a hora que vamos nos livrar de você — minha irmã disse sorrindo, me fazendo rir. E todos pareciam muito felizes, menos Betina, minha prima. Ela criou algumas expectativas da épocas em que éramos pré-adolescentes, mas para mim, nossos namoricos não passaram de brincadeira de criança, infelizmente, para ela não. — Já vou avisando, eu dirijo. Não quero chegar atrasado no meu casamento. — falei, não dando a ninguém chance de retrucar. Passei o quepe e o celular para a mão da minha irmã e entramos todos dentro do carro, rumo à minha felicidade. No caminho, lembrei de algo importante e de como minha ansiedade me fez esquecer as alianças. Todas queriam voltar comigo, mas preferi passar a direção para minha irmã, assim, elas já iriam para a basílica e voltei para casa no primeiro táxi que apareceu na pista. Mas antes de regressar, minha mãe me fez prometer que voltaria no mesmo táxi. Eu até tentei, mas o motorista tinha outro compromisso. Não iria ficar esperando carros de aplicativo, por isso, peguei as alianças e a chave da moto, subi no veículo de duas rodas, coloquei no GPS da 1200 a rota até a Basílica de San Juan de Dios, onde a felicidade eterna me esperava, e parti. (...) Já estava muito perto do meu destino, era só cruzar o viaduto central e, em mais três minutos, estaria na igreja. Subi o viaduto e o trânsito começou a engarrafar, fui cortando os carros com a moto, até que os veículos nem andavam mais. Quando cortei o penúltimo veículo parado, pude ver o motivo pelo qual todos estavam estacionados e saindo dos seus carros, fazendo ligações. Um helicóptero fez um pouso forçado, quebrando a ponte e ficando em risco com metade do corpo da aeronave flutuando para fora do concreto. — Puta que pariu! — falei, em um misto de surpresa e medo pelas pessoas que estivessem naquela aeronave, se tivesse. Estacionei a moto a uma certa distância e vi o piloto saindo de dentro da aeronave, correndo em nossa direção, deveria estar somente ele, um comandante jamais abandonaria a tripulação. Com medo da morte, o homem saiu de forma imprudente, piorando a situação do acidente. Estava com medo que o helicóptero caísse lá embaixo, vitimando pessoas. Meti a mão no bolso da farda, ligaria direto para o comandante, pedido urgência. Foi quando lembrei que havia esquecido meu celular com minha irmã. O pior foi escutar que havia uma pessoa dentro do veículo, o que fez meu coração acelerar em pânico. Sem pensar duas vezes, subi na moto novamente, me aproximando mais do helicóptero. Tirei a caixinha de veludo do bolso, pus em cima do assento da moto e corri sentido à aeronave. Se tivesse alguém ali dentro, eu ajudaria. E tinha. Iria cair naquele instante, o único jeito ali era reequilibrar o peso, se mais bombeiros tivessem, era só sentar atrás e aguardar ajuda, como era apenas eu, tudo seria feito em fração de segundos. Eu entrei, fui para trás e saímos quase ao mesmo tempo. — Eu sou bombeiro. — entrei, avisando e indo para a parte de trás, mesmo assim, senti o veículo perpendicular para a frente. — É melhor o senhor sair, eu já aceitei o meu destino, isso vai cair, não quero que ninguém mais se machuque! — ele estava nitidamente assustado. — Escuta, apenas saia do banco abaixado e se arraste até a direção da porta. Ande, não temos tempo. — O rapaz, trajado como um executivo, fez o que pedi. — Agora é sua vez, por favor, sairemos os dois juntos. — meneei a cabeça em positivo. Já eram audíveis os sons das sirenes, mas, infelizmente, não daria para aguardar. Ao me arrastar para a frente, senti o veículo cedendo e voltei. — Vai, amigo, sai você, que eu irei sair daqui de uma só vez! — falei. — Não, nós dois saímos. — ele estava irredutível. — Amigo, eu sou um bombeiro, sei o que estou fazendo. Por favor, sai logo e nós dois sairemos dessa. Ou morreremos os dois. Não tem outra saída. — e de fato, não tinha. O rapaz fez o que pedi e, assim que ele saiu, o helicóptero começou a ir para a frente. Eu fui o mais rápido que pude, mas a porta já estava fora do viaduto, quando saltei, consegui me segurar na beirada do concreto com meu corpo flutuando a 50 metros de altura. Por sorte, não me espatifando na pista. — Peguei você! — o rapaz disse sorridente, segurando no meu braço e, com toda força, me impulsionando para cima do viaduto. Ele conseguiria, mas antes de conseguir me reerguer, a aeronave cedeu de vez, caindo no viaduto, explodindo e subindo a pressão, dando que ele me solte, empurrando o rapaz para longe, fazendo subir fogo e fumaça preta. Tudo foi muito rápido, mas, para mim, aqueles segundos foram eternos, pensei na dor que causaria às mulheres da minha vida e, principalmente, a Ximena. Não tinha nada que pudesse fazer, ali eu sumcubi.Alejandro Albeniz Eu levantei tonto, só pensava que o bombeiro tinha que estar ali ainda segurando, mas como, se daqui, eu não conseguia suportar o calor das chamas? E já ouvia os gritos das outras pessoas, dizendo que ele caiu. Vi uma moto parada e só podia ser dele, tinha uma caixa de jóia em cima, coloquei no bolso do que restou da minha calça, subi no veículo, desci o viaduto e fui até o incêndio da aeronave.Não havia nada que eu pudesse fazer, o copo sem vida do cara que salvou a minha vida estava ali ao lado da aeronave destruída e se incendiando. Peguei aquela caixinha do bolso e abri, um par de alianças, numa tinha escrito Ximena e, na outra, Carlos.— Não é possível, o cara ia se casar! — falei comigo mesmo, sentido pesar. Fui até a moto e olhei que o GPS integrado estava direcionado a uma igreja, era meu dever. Eu tinha ao menos que avisar o que aconteceu com aquele homem que salvou minha vida.Estava bem perto, em três minutos cheguei até a basílica, subi a rampa lateral
Alejandro Albeniz Queria mesmo era estar apoiando os familiares de Carlo Alcaraz, o rapaz praticamente deu a vida por mim. O mínimo que eu poderia fazer em agradecimento era trazer um pouco de conforto para sua família. No entanto, meu pai, desesperado, me prendeu nesse maldito hospital. Tomografia, ressonância… todos os exames que a medicina pudesse proporcionar, ele me obrigaria a fazer, para ter certeza de que eu estava bem. Tentei me desvencilhar, dificilmente deixava o senhor Albeniz me pôr um cabresto, no entanto, a pressão dele foi nas alturas quando, por um momento, acreditou que eu era o homem que morreu no acidente. Meu velho ainda estava com a pressão alta e por isso acataria seus pedidos. Mesmo com os protetores de ouvidos, o barulho da ressonância ainda era irritante, dei graças a Deus quando finalmente me tiraram daquele tubo apertado. Do lado de fora da sala radioativa, Mercês me aguardava. Eu vestia um roupão desses que amarrava na parte de trás e deixava nosso tras
Alejandro Albeniz Catalina só falava desse noivado que aconteceria daqui a cinco dias, eu tinha me esquecido desse detalhe da minha vida. Tentei argumentar com ela que não era o momento, que até a minha posse na empresa eu adiei, mas ela não quis saber. Quando saí do hospital, só havia um pensamento dentro da minha cabeça e tinha nome e sobrenome.Ximena Valverde.Entrei em casa e quase saí no mesmo pé. Foi só um tempo para eu tomar um banho e tirar as roupas com cheiro de hospital. Passei pela sala de casa e estavam todos reunidos, menos o Beto e esse era o único Albeniz que gostaria de ver para saber como foi com a família do Carlos. E justamente ele era o único que não estava em casa. Passei apenas dando um até mais tarde, meu pai tentou me impedir, falando algo que nem dei atenção. Catalina andou comigo até a garagem e tentou entrar no carro, mas assim que entrei, travei as portas .Não queria Catalina e sua insensibilidade no meio da conversa que teria com Ximena. Precisava expl
Ximena Valverde Sete dias, já eram sete infinitos dias sem o amor da minha vida. A missa celebrada na basílica onde a gente iria se casar parecia que aumentou ainda mais a minha dor. Eu até entendia motivo pelo qual a minha sogra escolheu justamente essa igreja. O intuito era fazer uma homenagem, saudação, mas para mim foi ainda mais pungente, me lembrou de muitos fatos dolorosos. E trouxe à tona sentimentos que estavam até um pouco controlados, como a minha raiva por Alejandro Albeniz. A imagem dele entrando na igreja, dizendo que Carlos morreu, perdurava na minha mente.Agradeci quando a missa acabou e finalmente pude voltar para casa e me enterrar com a minha dor.Ouvia a todo momento meus pais cochichando pelos cantos, algumas das vezes nem me interessava no assunto. Não devia, não queria ficar o tempo todo me martirizando com essa história. A ausência de Carlos já acabava comigo, me fazia querer morrer e, de certa forma, me matava um pouco a cada dia. Em meio a muitas conversas,
Ximena Valverde Rico de beleza, rico de dinheiro, mas pobre, muito pobre de caráter. Noivando hoje e teve a cara de pau para dizer que eu não saía da mente dele. Hipócrita! — Aonde você foi? Onde estava uma hora dessas, Ximena? Sua mãe e eu estávamos preocupados. — coloquei os pés em casa e fui metralhada pelas perguntas do meu pai. Poderia mentir, mas não adiantaria, segunda-feira quando ele chegasse no trabalho, as notícias cairiam como uma bomba em sua cabeça, sobre a filha do funcionário que invadiu a festa de noivado do patrão, isso se não tivesse uma manchete no jornal de domingo. — Ouvi o senhor e a mãe cochichando na cozinha, fiquei desnorteada em saber que aquela gente estava dando uma festa. Era um absurdo. Eu não podia aceitar isso. — E o que fez? — meu pai me perguntou, já sabendo que a resposta não iria agradá-lo. — Fui até a propriedade da família Albeniz. — Ximena! Você o que? — Papai quase gritou. — O que o senhor ouviu. E já que comecei, vou terminar
Alejandro Albeniz Cinza, do meu ponto de vista, essa era a cor mais elegante para um terno. No dia da primeira tentativa de posse da presidência, eu estava com um terno black e foi desastroso, dessa vez, faria diferente. Ainda tinha muitas coisas desse maldito acidente para resolver, contudo, tinha que esperar a AESA liberar o relatório e os destroços. Esse acidente também impactou nos vôos fretados e esse seria o primeiro desafio da minha gestão, fazer com que a Granafly fosse sinônimo de conforto e segurança para o cliente externo. Também não estava de acordo com a maneira da gestão de pessoal; o estilo “faça o que eu te pago para fazer”. O mundo mudou e o senhor Antônio Albeniz não entendeu isso muito bem. Quando eu não consegui tomar posse, tínhamos preparado um grande coquetel a ser celebrado em uma pequena pista de pouso desativada, assim caberia todo o nosso pessoal. Dessa vez, pedi que chamassem apenas os supervisores, os gestores e os assessores, infelizmente, eu qu
Alejandro Albeniz Ximena me falou que daqui a dois meses seu pai faria sessenta e seis anos e quatro meses de idade. Eu tinha o mês, o ano de nascimento e o sobrenome Valverde, assim achei o funcionário no servidor bem nos arquivos do departamento humanos. Olhei a ficha e era impecável, o tipo de funcionário exemplar. Um mecânico de aeronaves com vasta experiência que jamais se permitiu ficar obsoleto. Não era certo, nem digno o que fizeram com ele, mas, primeiro, iria resolver essas três demissões, mais do que injustas, e depois iria resolver com aqueles que o demitiu.Adiei a reunião com o corpo executivo, não estaria focado totalmente. No final da tarde, saí da empresa e me dirigi novamente até a casa de Ximena, bati na porta sem reservas, mesmo assim, eu estava receoso. Meu medo era que a dor da filha do senhor Pedro impedisse que eu pudesse retratar o mal que fizeram ao seu pai. E mesmo esperando que outra pessoa me atendesse, foi justamente ela quem abriu a porta. — Não é poss
Ximena Valverde — Eu falei para a senhora ir lá cuidar do papai, não para paparicar esse presumido hipócrita. — Toda vez que o tal Alejandro Albeniz se aproximava de mim, me subia uma raiva descomunal.— Filha, precisa se acalmar, toda essa raiva não te faz bem. Não havia o que cuidar do Pedro, a conversa na sala estava tranquila e amistosa. Esse Albeniz parece diferente dos outros. — mamãe tentava me convencer enquanto me dava detalhes da conversa do papai com o Albeniz.— É, ele é diferente, e o pior deles. Vai se casar e não perde o tempo de me passar uma cantada. Fez isso até comigo vestida de noiva!— Os homens são assim, Ximena. Você é linda, o que mais recebe é cantada. Lembro que o Carlos teve que praticamente expulsar o Noberto do bairro, ele te perseguia. — Não entendi porque minha mãe tocou nessa parte horrorosa da minha vida. Noberto me dava medo. Ignorei o que dona Clara disse, pois esse perseguidor era caso encerrado na minha vida.— Carlos nunca foi assim, mesmo eu sa