Capítulo 3

~AYLA~

As palavras de Miguel ecoavam na minha mente como um trovão interminável: "Eu quero o divórcio, Ayla." Era como se tudo ao meu redor estivesse desmoronando. Passei os últimos dias no hospital esperando por algum sinal de consolo, algo que me dissesse que ainda havia uma chance, que eu não estava completamente sozinha. Mas ele entrou, trouxe uma mala com minhas roupas e destruiu o que restava de qualquer esperança.

Helena veio me buscar no hospital no fim da tarde, e nunca me senti tão grata por tê-la ao meu lado, tê-la como amiga.

— Ayla? Está pronta? — Helena perguntou da porta, segurando a alça da bolsa com uma postura tensa.

Balancei a cabeça em silêncio, pegando minhas coisas. Não havia o que dizer. Caminhei até ela com o corpo pesado, como se cada passo fosse um esforço monumental. Queria acreditar que sua presença seria um conforto, mas até isso parecia distante demais.

— Não é fácil, eu sei — ela comentou enquanto me acompanhava pelo corredor do hospital. — Mas sair daqui vai ajudar.

Assenti, sem responder. As palavras de Helena soavam como tentativas automáticas de encorajamento. O tipo de coisa que se diz para preencher o silêncio. Mas eu entendia. O que se dizia para alguém em uma situação como a minha?

No carro, puxei o cinto de segurança e, no momento em que ouvi o clique metálico, uma onda de pânico tomou conta de mim. O som era como um gatilho, trazendo à tona as imagens do acidente. Meus filhos rindo no banco de trás, Heitor contando algo animado enquanto Manuela mexia nas tranças. O impacto. O silêncio. Meu corpo ficou tenso, minhas mãos começaram a tremer. Fechei os olhos por um instante, mas era impossível bloquear as vozes deles. A memória parecia viva, como se ainda estivesse no carro com eles.

— Está tudo bem? — Helena perguntou, observando-me de canto de olho.

— Sim... só preciso de um minuto.

Ela ligou o rádio, preenchendo o silêncio com uma música suave. A melodia abafava o som da minha respiração entrecortada, mas não conseguia aplacar o nó em minha garganta. Tentei me concentrar em algo além das memórias que me assombravam, mas parecia impossível.

A paisagem passava pelas janelas embaçadas pelas lágrimas que eu tentava segurar. As ruas pareciam distantes, quase irreais, como se eu estivesse presa em um filme que não podia controlar. Só percebi que o carro havia parado quando Helena desligou o motor. Olhei para fora e vi um prédio antigo, de quatro andares, com paredes desgastadas pelo tempo e pichações que cobriam quase toda a fachada.

— Chegamos — ela anunciou, soltando o cinto.

— Chegamos onde? Esse não é o seu prédio.

Helena suspirou, desviando o olhar.

— Ayla... eu sinto muito, mas não posso te receber na minha casa. Meu apartamento é pequeno, e... estou namorando alguém. Seria complicado ter você lá agora.

O choque me deixou sem palavras por um instante. Mais cedo, ela havia prometido que me acolheria, e eu me agarrei a essa promessa como a única tábua de salvação em um oceano de perdas.

— Namorando? — perguntei, confusa. — Você nunca mencionou isso antes.

— Não achei que fosse o momento. E, honestamente, isso não importa agora. O que importa é que consegui este lugar para você. Já paguei o primeiro mês. Assim, você tem tempo para se organizar, arrumar um emprego.

— Arrumar um emprego? E tenho um emprego! E a academia? Minhas aulas? — As palavras saíram mais desesperadas do que eu queria.

Helena hesitou, passando as mãos pelos cabelos como se buscasse as palavras certas.

— Ayla, os pais dos seus alunos não ficaram confortáveis com a ideia de você voltar. Eles acham que... você não tem condições de cuidar das crianças. Se não conseguiu proteger os seus filhos...

Ela não precisou terminar a frase. O peso dela caiu sobre mim como um golpe. Não bastasse perder Miguel e meus filhos, agora eu estava perdendo o que restava de mim. A academia era meu porto seguro, o lugar onde minha paixão pela dança se tornava algo maior. Saber que Helena concordava com aquela decisão tornava tudo ainda mais cruel. Mas ela era a dona da academia onde eu trabalhava, não havia o que ser discutido ali, aparentemente.

— Vamos entrar. Sua colega de apartamento está esperando — Helena disse, saindo do carro sem olhar para trás.

Saí também, sentindo a brisa fria bater em meu rosto. Seguimos pelas escadas estreitas e úmidas até o terceiro andar. O cheiro de infiltração misturava-se ao som de água pingando em algum lugar, cada gota ecoando como um lembrete de quão longe eu estava de casa. As paredes eram descascadas, e os degraus rangiam sob nossos pés. Parecia que o lugar inteiro estava prestes a desmoronar.

No terceiro andar, uma jovem esperava na porta do apartamento. Ela era bonita de uma forma quase desafiadora, com cabelos castanhos claros em ondas perfeitas e olhos que brilhavam com algo entre curiosidade e malícia. Seu vestido justo parecia mais adequado para uma balada do que para receber uma nova colega de apartamento.

— Oi! Você deve ser a Ayla. — Ela abriu um sorriso largo e estendeu a mão. — Sou Caterina, mas pode me chamar de Teri.

— Teri? Por que não Cat? — perguntei, tentando ser educada.

Ela riu, despreocupada.

— Porque "Cat" é meu nome de guerra.

Helena deu um sorriso tenso, claramente ansiosa para ir embora.

— Ayla, qualquer coisa, me avise. Espero que você consiga se adaptar bem aqui.

Observei enquanto ela se afastava rapidamente, deixando-me ali, parada na porta. Teri gesticulou para que eu entrasse, mostrando o apartamento simples e pequeno. Era funcional, mas os móveis antigos e as paredes desbotadas faziam tudo parecer mais deprimente.

— Sinto muito não poder ficar para ajudar com sua mudança — disse Teri, mexendo em algo na bancada. — Mas vocês chegaram mais tarde do que eu imaginava e preciso sair para o trabalho.

— Tudo bem — respondi. Não era como se eu tivesse muita coisa para organizar, embora a ideia de ficar sozinha fosse quase insuportável.

Ela olhou para mim de canto de olho e abriu um sorriso travesso. Era como se ela estivesse lendo através das minhas defesas.

— Quer vir comigo? Não é exatamente um lugar comum, mas é ótimo para bebida grátis de homens desesperados.

Pela primeira vez em semanas, um sorriso tímido surgiu nos meus lábios.

— Bebida grátis parece tentador.

Teri piscou, ajustando o vestido.

— Então vamos ver se você sobrevive a uma noite no inferno.

Inferno. A palavra ecoou na minha mente. Mal sabia eu que aquela noite seria apenas a primeira de muitas no Inferno.

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