O lugar onde Caterina trabalhava era o tipo de ambiente que eu nunca imaginara pisar em toda a minha vida. Uma boate de stripper. O som ensurdecedor da música vibrava nas paredes de luzes piscantes, e o cheiro de bebida misturado a perfume barato criava uma atmosfera pesada, mas, de alguma forma, atraente. Havia algo naquele caos organizado que mexia comigo, algo que anestesiava os sentidos de uma forma que nenhum remédio fora capaz de fazer.
— Bem-vinda ao Inferno! — Teri brincou, abrindo os braços como se fosse a anfitriã de um grande evento. — Literalmente. Esse é o nome da casa.
— Inferno? — perguntei, hesitante. — Não tinham algo mais... convidativo?
— Convidativo é para amadores, querida. — Ela piscou, rindo. — Aqui, a gente não esconde o que é. As pessoas gostam de saber exatamente no que estão se metendo. Além do mais... quer algo mais convidativo do que... nós?
Teri parecia não se levar a sério. Ela transitava pelo ambiente com a facilidade de quem já fazia parte dele há muito tempo, cumprimentando garotas, rindo de piadas que eu não entendia. Era impossível ignorar sua energia. Ela parecia uma estrela prestes a subir ao palco, e talvez fosse exatamente isso que a mantinha tão confiante.
— Aqui ninguém julga ninguém. Pelo menos não oficialmente. — Teri deu de ombros, como se estivesse me lendo como um livro aberto. — Mas, entre nós, eu prefiro não saber o que passa na cabeça desses caras. São só clientes, e clientes pagam.
Eu a segui pelos corredores estreitos, sentindo-me completamente deslocada. Passamos por mulheres que conversavam e riam enquanto se preparavam, trocando piadas e ajustando os figurinos. Algumas estavam de lingerie luxuosa, outras com vestidos justos que pareciam pertencer a outro mundo.
— Não parece tão ruim assim — comentei, em um tom baixo.
Teri parou no meio do corredor e olhou para mim com um sorriso travesso.
— Sério? Bem, espere até ouvir as histórias das meninas. Esse lugar é um prato cheio de caos, drama e, às vezes, uma boa dose de diversão.
— E você? Qual a sua história? — perguntei, curiosa.
— Minha história? — Ela riu. — Você não tem a vida inteira pra ouvir, querida. Mas, resumindo: eu estava entediada com um trabalho de escritório, decidi que precisava de algo mais... emocionante. Aqui estou.
Havia algo em sua resposta que parecia como uma mentira muitas vezes repetida, mas não insisti. Teri era uma força da natureza, e não seria fácil atravessar suas barreiras. Em vez disso, apenas a segui enquanto ela continuava pelo corredor.
— Vou subir para o número de abertura — Teri avisou, entregando-me um copo com uma bebida colorida que havia pegado no bar. — Relaxe e veja como funciona. Talvez você até goste.
Sentei-me em uma cadeira de plástico próxima a uma tela que exibia imagens do palco. As luzes giravam e refletiam nos corpos das garotas enquanto elas se moviam ao som de uma música vibrante e levavam os homens na plateia a loucura.
Meus olhos grudaram na tela enquanto as dançarinas realizavam movimentos precisos, cheios de sensualidade. Apesar de todo o barulho, havia algo naquilo que era quase... bonito. Não era apenas sobre corpos e roupas mínimas. Era sobre presença, controle, força. Era como se, naquele palco, aquelas mulheres fossem donas do mundo.
Sem perceber, meus pés começaram a bater no ritmo da música. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando bloquear os pensamentos que insistiam em me lembrar do que eu havia perdido. O som da música era como uma brisa em meio ao calor sufocante da dor. Meus movimentos começaram devagar, quase involuntários, mas logo meu corpo inteiro estava respondendo ao ritmo. Era algo natural para mim. A dança sempre fora minha válvula de escape, e, mesmo naquele ambiente, ela ainda tinha o poder de me transportar para longe.
— Isso que eu chamo de entretenimento extra. — Uma voz masculina cortou o som ao meu redor, e eu abri os olhos imediatamente.
Na porta do camarim, um homem estava parado, com um sorriso de canto nos lábios e os braços cruzados. Ele parecia ter cerca de trinta e poucos anos, bem-vestido, com uma postura confiante e um olhar penetrante.
— Se você puder fazer isso tirando a roupa, diria que tem um emprego garantido.
Minha respiração ficou presa na garganta, e senti o rosto esquentar. Endireitei-me rapidamente, tentando disfarçar o constrangimento.
— Obrigada, mas... não estou interessada.
Ele riu, mas seu olhar não desviou de mim. Havia algo naquele sorriso que era ao mesmo tempo desconfortável e intrigante.
— É amiga da Cat, certo? — ele perguntou, ignorando minha tentativa de encerrar a conversa. — Ela me disse que você precisava de um emprego.
— Eu... não exatamente — respondi, evitando encará-lo diretamente.
— Então qual é o problema? — ele continuou, inclinando-se levemente para frente. — A timidez? O preconceito? Ou a moral?
O tom casual e provocativo me deixou sem palavras por um instante. Não era a dança que me incomodava. Era o que aquilo representava. Era o medo do julgamento, o peso de como isso seria visto por outros. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que precisava de algo. De dinheiro, de movimento, de uma distração.
— Não é a dança — disse, finalmente, tentando manter a voz firme. — É... o que vem depois dela.
— Dormir com os clientes? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Não é obrigatório. Altamente recomendável, claro, mas aqui você faz o que quiser.
Algo sobre o tom casual que ele usava fazia aquilo parecer simples, mas para mim, era tudo menos isso.
Ele se aproximou um pouco mais, agora com as mãos nos bolsos.
— Vou ser sincero. Temos espaço para alguém como você. Não estou pedindo que decida agora, mas se ainda está aqui, é porque está considerando. Então, seja prática.
“Um ano aqui, e eu recomeço minha vida” pensei, tentando me convencer de que aquilo poderia ser apenas uma fase. Um ano seria suficiente para ganhar o dinheiro necessário e reconstruir o que restava de mim.
Por um instante, fechei os olhos e senti o peso esmagador do vazio que meus filhos deixaram. Não havia mais risadas no banco de trás do carro, nem histórias para contar antes de dormir. Tudo o que restava era uma ausência que gritava em silêncio. E, talvez, naquele caos, eu pudesse encontrar algum barulho que abafasse a dor. Era isso ou me perder para sempre.
— Eu aceito — disse, estendendo a mão. Minha voz saiu firme, mas meu coração batia forte.
O homem apertou minha mão, com um sorriso satisfeito.
— Boa escolha. Bem-vinda ao Inferno.
~AYLA – TRÊS ANOS DEPOIS ~Eu estava sentada em frente ao espelho, observando meu reflexo como fazia quase todas as noites. O que vi de volta era uma mulher bonita, não havia como negar. Meu rosto, delicadamente maquiado, destacava os olhos castanhos profundos, sempre carregando um traço de melancolia, algo que os anos não conseguiram apagar. O batom vermelho escuro contrastava com minha pele pálida, e o cabelo negros, que uma vez fora macio e natural, agora caía em ondas perfeitamente arrumadas, brilhantes sob as luzes do camarim. Meu corpo estava escultural, a rotina diária de dança e os exercícios intermináveis haviam me moldado de uma maneira que muitos consideravam desejável. Mas enquanto me olhava, eu só conseguia ver o vazio atrás da beleza.Hoje fazia exatamente três anos desde o acidente. Três anos desde que minha vida desabou e eu caí num poço de dor e desespero do qual nunca consegui sair. Era difícil acreditar que já havia passado tanto tempo, mas o peso da perda e da culp
— Ayla tá bom... — murmurei, quase como um sussurro, enquanto tentava cobrir meu corpo exposto com as mãos, sem saber onde me esconder. Sentia-me vulnerável, como se fosse uma adolescente acuada.O nome Nyx, que Teri escolheu para mim logo que comecei a trabalhar, agora parecia um lembrete amargo de como eu havia tentado ser alguém diferente. Nyx, a deusa da noite, envolta em escuridão, como a própria noite que me consumia. Eu era uma sombra da mulher que um dia fui, escondida atrás de um nome que sugeria poder, mas que, na verdade, refletia minha própria fragilidade.Miguel deu um passo à frente, e automaticamente meu corpo recuou, minhas costas pressionando-se contra a parede fria do camarim. Seus olhos percorriam meu corpo sem qualquer resquício de respeito, e o sorriso arrogante que ele exibia me fazia querer desaparecer.— Nunca imaginei que você chegaria a esse ponto — disse ele, a voz impregnada de desprezo. — Passar por essa humilhação... Eu sempre achei que você tivesse mais
Era tarde demais. Meu corpo já estava caindo no abismo. O vento frio chicoteava meu rosto, e tudo parecia acontecer em câmera lenta. As luzes da cidade, antes tão distantes, agora se aproximavam rapidamente, borradas por lágrimas e pela velocidade da queda. Por um breve segundo, pensei que o impacto não seria tão ruim. Pensei que seria rápido, indolor. Mas a realidade foi muito mais cruel.Tudo escureceu.Então, veio o silêncio. Um silêncio absoluto, ensurdecedor, que parecia me consumir por dentro. Não havia mais vento, nem frio, nem dor. Apenas um vazio imenso que se estendia ao meu redor. Eu estava flutuando, ou talvez apenas existindo em algum espaço que não tinha forma, nem cor, nem tempo.Abri os olhos – se é que estavam realmente abertos – e vi meu corpo lá embaixo. Estava caída no chão, imóvel, contorcida de uma forma antinatural. A cena parecia distante, como se eu a observasse através de um véu fino e trêmulo. Pessoas começavam a se reunir, gritos ecoavam ao longe, e luzes v
~AYLA~A escuridão ainda pairava sobre mim quando meus sentidos começaram a despertar, como se eu emergisse lentamente de um oceano profundo. Algo frio e metálico pressionava meus dedos, e uma leve dor pulsava em meu braço esquerdo. Meu corpo estava pesado, rígido, como se estivesse acorrentado a uma realidade que eu não reconhecia. O som de um monitor cardíaco preenchia o silêncio, cada bip uma âncora, forçando-me a enfrentar o que quer que estivesse além da névoa.Luz branca. Brilhante demais. Tentei abrir os olhos, mas a claridade me atingiu como uma lâmina, me obrigando a fechá-los novamente. As vozes ao meu redor eram abafadas, distantes, como se viessem debaixo d'água.Minhas mãos formigavam levemente, e o frio do lençol contra minha pele fazia tudo parecer ainda mais estranho, mais real. Passos apressados ecoavam ao redor, mesclando-se ao som baixo de vozes. Cada detalhe do ambiente parecia gritar para mim que algo terrível havia acontecido, mas minha mente ainda estava presa n
~AYLA~Os dias que se seguiram ao meu despertar no hospital foram envoltos em uma neblina pesada e dolorosa. A maior parte do tempo, eu estava sob efeito de sedativos, não pelas dores físicas – essas eu poderia suportar – mas pela dor insuportável que preenchia cada centímetro do meu ser. A dor da perda dos meus filhos era um buraco negro, devorando tudo o que eu era. A única maneira de silenciá-la, mesmo que por algumas horas, era através dos remédios. E assim, os dias passavam, mas a dor não diminuía. Cada vez que eu despertava do torpor dos medicamentos, o vazio em meu peito parecia ainda maior.Perguntava por Miguel o tempo todo. As enfermeiras desviavam os olhos, o desconforto evidente em suas expressões. Às vezes, trocavam olhares entre si antes de me responder, outras vezes apenas balançavam a cabeça, como se eu fosse frágil demais para ouvir qualquer verdade. Elas nunca diziam muito, mudando de assunto rapidamente, mas o silêncio delas dizia mais do que qualquer palavra.— Mig
~AYLA~As palavras de Miguel ecoavam na minha mente como um trovão interminável: "Eu quero o divórcio, Ayla." Era como se tudo ao meu redor estivesse desmoronando. Passei os últimos dias no hospital esperando por algum sinal de consolo, algo que me dissesse que ainda havia uma chance, que eu não estava completamente sozinha. Mas ele entrou, trouxe uma mala com minhas roupas e destruiu o que restava de qualquer esperança.Helena veio me buscar no hospital no fim da tarde, e nunca me senti tão grata por tê-la ao meu lado, tê-la como amiga.— Ayla? Está pronta? — Helena perguntou da porta, segurando a alça da bolsa com uma postura tensa.Balancei a cabeça em silêncio, pegando minhas coisas. Não havia o que dizer. Caminhei até ela com o corpo pesado, como se cada passo fosse um esforço monumental. Queria acreditar que sua presença seria um conforto, mas até isso parecia distante demais.— Não é fácil, eu sei — ela comentou enquanto me acompanhava pelo corredor do hospital. — Mas sair daqu