O caminho até o lago era silencioso, cortado apenas pelo som dos meus passos sobre a grama úmida. A noite estava absurdamente estrelada, o céu limpo como um manto de veludo cravejado de luz. Mas eu mal reparava nisso. Minha mente estava em um turbilhão desde o momento em que vi aquele tapa acontecer na tela.Ayla sabia.Não era um palpite, não era uma suposição. Ela sabia.E se ela sabia daquilo… o que mais ela sabia?Meus olhos se ajustaram à escuridão conforme me aproximava da clareira próxima ao lago. A fogueira já estava acesa, e a silhueta de Ayla se destacava contra as chamas. Ela estava sentada sobre um tronco caído, pernas cruzadas, braços apoiados nos joelhos, olhando para cima como se o céu guardasse todas as respostas que ela não podia dizer em voz alta.Ela não pareceu surpresa quando me viu.Na verdade, parecia já estar esperando por mim.— Aconteceu, não aconteceu? — perguntou sem nem olhar na minha direção. Sua voz era baixa, serena.Meus músculos enrijeceram. Como diab
O som dos pássaros ecoava pelo acampamento quando abri os olhos. O sol ainda estava baixo no horizonte, tingindo o céu de tons suaves de laranja e dourado. Mas minha mente já estava desperta, completamente lúcida.Letícia caiu na armadilha.Levantei-me da cama e caminhei até o notebook. Assim que a tela acendeu, a confirmação estava ali.Os arquivos que eu havia deixado como isca tinham sido copiados.Aquela altura, Letícia provavelmente já os teria enviado para as pessoas certas — ou erradas, dependendo do ponto de vista. Ela achava que tinha algo sólido nas mãos, algo que poderia manchar o nome da Sartori publicamente. Mas, no fim, tudo o que ela conseguiu foi cavar a própria ruína.Graças a Ayla.Meu peito apertou ao pensar nela.Eu sabia que ainda tinha muita coisa para resolver. Mas, naquele momento, só havia um lugar onde eu queria estar.Com Ayla.Peguei uma blusa qualquer e saí da cabana em passos firmes, caminhando em direção ao lago. A brisa fria da manhã trazia consigo o ch
~AYLA~— Então vocês não se falaram mais?O tom de Teri era curioso, mas eu sabia que havia uma pitada de indignação escondida ali.Suspirei, deixando meu corpo afundar no sofá da sala de descanso da academia de balé. Estávamos exaustas depois de um dia inteiro de ensaios e aulas. A última turma tinha acabado de sair, e aquele era o primeiro momento de silêncio que conseguíamos desde que chegamos.— Nem uma mensagem — minha voz saiu com uma nota de decepção que eu nem tentei disfarçar.Teri fez uma careta.— Sério? Nem um “foi ótimo, a gente se vê por aí”?Soltei um riso sem humor.— Nada.Ela cruzou os braços, parecendo irritada por mim.— Talvez ele só esteja ajeitando as coisas antes de te procurar.Dei de ombros. Talvez.Mas no fundo… no fundo, doía.Por um lado, eu queria acreditar que Nicolas estava apenas lidando com tudo. Que Letícia, a Sartori, a confusão que ele precisava resolver estavam ocupando seu tempo e que, quando tudo estivesse no lugar, ele voltaria para mim.Por ou
— Ayla, você percebe que essa é nossa primeira viagem internacional juntas?Teri pulou na cama do hotel, empolgada como uma criança no dia de Natal. Eu ri, ajustando minha mala no canto do quarto antes de me jogar ao lado dela.— Bom, nossa primeira viagem internacional, ponto — lembrei, olhando ao redor do quarto espaçoso com uma vista incrível da cidade.Era surreal pensar que estávamos ali. Londres. Um lugar que, até pouco tempo atrás, parecia uma realidade distante demais para nós duas.— O único problema é que não estamos sozinhas! — Teri piscou. — Temos um grupo de adolescentes talentosas sob nossa responsabilidade.Suspirei, já imaginando a correria que seria administrar tudo isso nos próximos dias.— Sabe o que isso significa? — ela continuou, animada.— Que teremos muitas dores de cabeça?— Errado. — Ela apontou para mim, como se fosse óbvio. — Significa que, já que as meninas vieram, cada uma, com um acompanhante responsável, você terá tempo livre para dar umas escapadas com
O couro frio da poltrona do teatro pressionava minhas costas, mas eu mal conseguia sentir. Minhas mãos estavam trêmulas sobre o colo, os dedos entrelaçados com força para tentar conter a ansiedade que subia como uma maré avassaladora.O Royal Opera House.Eu estava sentada no palco de um dos maiores teatros de Londres, sob a luz suave que banhava a plateia e realçava o brilho opulento das cortinas de veludo. O evento era grandioso, maior do que qualquer coisa que eu já tivesse participado, e minhas meninas eram as próximas a se apresentar.Meu coração martelava no peitoElas estavam prontas. Eu as treinei para isso.Não precisavam de nada além do próprio talento e dedicação. Não precisavam de medicações para suportar a dor, como Helena acreditava. Não precisavam de exaustão além do limite humano. Não precisavam ser tratadas como máquinas, descartáveis, como se apenas uma carreira impecável justificasse sua existência. Elas precisavam apenas de alguém que as levasse ao limite e as fize
O som suave da música preenchia o estúdio, misturando-se ao eco ritmado dos meus passos contra o piso de madeira. Eu me sentia leve, energizada, como há muito tempo não me sentia.Desde que voltamos de Londres, algo dentro de mim parecia ter despertado. O relacionamento com Nicolas florescia a cada dia, a possibilidade de um teste para uma grande produção da ARAP pulsava na minha mente, e pela primeira vez em anos, eu me permitia sonhar.Eu tinha enterrado esse sonho quando engravidei pela primeira vez.Miguel nunca me incentivou a voltar. Dizia que era melhor eu ter algo estável, que balé não me daria segurança, que eu devia pensar no futuro da nossa família. E quando a segunda gravidez veio, seus argumentos se tornaram ordens.Mas a verdade?Eu só tinha 23 anos.Pela segunda vez, sim, mas ainda eram apenas 23 anos.Eu ainda tinha um futuro pela frente.Fechei os olhos por um instante, deixando meu corpo seguir a música, entregando-me ao prazer do movimento. Era bom me sentir assim.
~NICOLAS – TRÊS ANOS DEPOIS (2025) ~A plateia estava em silêncio absoluto, como se o teatro inteiro prendesse a respiração.No palco, sob a luz suave e mágica, Ayla se movia como se fosse feita de ar. Cada passo, cada giro, cada salto era uma fusão perfeita de técnica e emoção. A delicadeza dos braços, a força oculta nos pés que pareciam flutuar sobre o palco… Era hipnotizante.Ela estava vivendo seu sonho.E eu nunca tinha sentido tanto orgulho de alguém como sentia dela naquele momento.O espetáculo chegou ao fim com um desfecho grandioso, e no instante em que a música cessou, a plateia explodiu em aplausos. Aplausos que pareciam não ter fim.Olhei ao redor e vi o brilho nos olhos de cada um que estava ali por ela.Teri e Ricardo batiam palmas empolgados, trocando olhares cheios de significado. Pedro tentava manter a pose de durão e esconder da namorada que estava emocionado. Camila enxugava discretamente uma lágrima, e a mãe de Ayla sorria com uma emoção genuína.E então, meus olh
~AYLA~A escuridão ainda pairava sobre mim quando meus sentidos começaram a despertar, como se eu emergisse lentamente de um oceano profundo. Algo frio e metálico pressionava meus dedos, e uma leve dor pulsava em meu braço esquerdo. Meu corpo estava pesado, rígido, como se estivesse acorrentado a uma realidade que eu não reconhecia. O som de um monitor cardíaco preenchia o silêncio, cada bip uma âncora, forçando-me a enfrentar o que quer que estivesse além da névoa.Luz branca. Brilhante demais. Tentei abrir os olhos, mas a claridade me atingiu como uma lâmina, me obrigando a fechá-los novamente. As vozes ao meu redor eram abafadas, distantes, como se viessem debaixo d'água.Minhas mãos formigavam levemente, e o frio do lençol contra minha pele fazia tudo parecer ainda mais estranho, mais real. Passos apressados ecoavam ao redor, mesclando-se ao som baixo de vozes. Cada detalhe do ambiente parecia gritar para mim que algo terrível havia acontecido, mas minha mente ainda estava presa n