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Capítulo 2: Nas Sombras da Floresta

A noite desceu sobre a floresta como um manto de veludo negro, ocultando os segredos e os medos que cresciam sob as copas altas das árvores. O vento murmurava canções antigas, que só aqueles de coração selvagem podiam compreender. Yara e Tupã caminhavam entre essas sombras, suas respirações sincronizadas com o pulsar da floresta viva, sentindo em cada passo o peso da perseguição que os rondava, como lobos famintos à espreita.

A escuridão era um refúgio e um perigo. Ali, onde os raios da lua mal atravessavam o denso dossel de folhas, o casal sabia que a floresta poderia ser sua aliada ou sua ruína. As árvores, testemunhas silenciosas de séculos de histórias, pareciam abrigar segredos, oferecendo-lhes proteção, mas também alertando sobre o que viria.

Tupã, com seus sentidos afiados, parou abruptamente e olhou para Yara. Um leve farfalhar de folhas ao longe indicava que seus perseguidores não estavam distantes. A tensão pairava no ar, espessa como o aroma úmido da terra.

— Precisamos achar um lugar seguro até que a noite engula completamente os rastros — sussurrou ele, seus olhos escuros brilhando como o de uma onça em alerta.

Yara assentiu, sem emitir um som. Seus pés, descalços e calejados, conheciam o caminho melhor do que qualquer mapa. Ela sabia ler a floresta, como quem lê o destino nas estrelas, e sentia que as árvores, por enquanto, lhes davam abrigo.

Caminharam em silêncio, cada passo cauteloso, até encontrarem uma clareira oculta por grandes samambaias. Ali, entre troncos caídos e a proteção de pedras antigas cobertas de musgo, o casal se aninhou, escondendo-se do mundo que os caçava. O som dos tambores da tribo havia cessado ao longe, mas ambos sabiam que não estavam a salvo. Não ainda.


A noite avançava, e o frio começava a morder suas peles. Yara, sentada ao lado de Tupã, observava as estrelas que mal se viam por entre as copas das árvores. O silêncio era preenchido apenas pelo canto ocasional de algum pássaro noturno ou pelo suspiro distante de um riacho. Aquela tranquilidade, no entanto, era frágil. O perigo estava perto, e o medo dançava como uma sombra invisível ao redor deles.

— Quando eu era pequena, meu avô sempre dizia que a floresta nos escuta — murmurou Yara, como se estivesse apenas conversando com as árvores ao seu redor. — Que as árvores têm ouvidos e que elas podem nos esconder se as tratarmos com respeito.

Tupã, que estava afiando uma pequena faca de pedra, ergueu os olhos para ela, interessado.

— E tu acreditas nisso?

Yara soltou um leve sorriso, que brilhou na penumbra da noite como uma delicada chama.

— Acredito. — Ela olhou em volta, tocando uma folha próxima com cuidado. — Cada planta, cada árvore, cada pedaço desta terra carrega a memória de nossos ancestrais. Estar aqui... é como estar entre a nossa gente. Só que eles não podem nos trair. Só o vento pode espalhar nossos segredos.

Tupã se aproximou um pouco mais, colocando a faca de lado, sua face refletindo a seriedade de alguém que também fora criado com crenças profundas, mas que o mundo cruel havia feito questionar.

— Meu povo costumava dizer que, à noite, as sombras revelam quem somos de verdade — disse ele, pensativo. — Quando pequeno, eu tinha medo da noite, temia o que ela poderia mostrar. Mas depois... aprendi que a escuridão é nossa aliada. Ela esconde nossos passos, assim como esconde nossos pecados.

Yara o observava com atenção. Ela sabia que Tupã não era um homem de palavras fáceis. Havia uma melancolia silenciosa nele, algo que carregava desde que se conheceram. Algo que o exilara de sua tribo e o tornara um fugitivo, assim como ela.

— E o que a noite já te mostrou? — perguntou Yara, sua voz baixa, mas firme.

Tupã olhou para o chão, as mãos fortes cerradas, os músculos tensos.

— Ela me mostrou que a justiça dos homens é cega. Que, às vezes, não importa o quanto tu lutes, a verdade será distorcida como um rio que muda seu curso. — Ele levantou os olhos, agora com um brilho intenso. — E tu, Yara? O que a noite já te ensinou?

Yara fechou os olhos por um instante, deixando as memórias desfilarem como um rio que carrega folhas caídas.

— A noite me ensinou a nunca aceitar as correntes que outros tentam colocar em mim. — Ela suspirou. — Quando fugi da minha tribo, sabia que jamais seria aceita de novo. Sabia que me tornaria uma foragida, uma renegada. Mas também sabia que, se ficasse, perderia algo muito mais precioso: minha liberdade.

Tupã a observou em silêncio, admirado pela força daquela mulher ao seu lado. Era como se a própria floresta tivesse moldado o espírito da jovem Yara, transformando-a em parte de sua essência indomável. A união deles era mais que física; era espiritual. Dois corações que pulsavam em harmonia com a batida ancestral das árvores.


A fogueira que não existia queimava entre eles — uma chama invisível que aquecia suas almas, mesmo que seus corpos estivessem gelados pelo frio da noite. O silêncio entre ambos agora era confortável, repleto de histórias não contadas e promessas não ditas. O perigo era real, mas ali, naquela clareira escondida, por um breve momento, pareciam inalcançáveis.

Yara encostou a cabeça no ombro de Tupã. Ele, em resposta, passou o braço ao redor dela, um gesto que, embora simples, trazia uma sensação de segurança. Sabiam que a perseguição recomeçaria ao amanhecer, que seus rastros seriam caçados com fúria pelos guerreiros e pelos homens brancos, sedentos por justiça. Ou pelo que chamavam de justiça.

Mas, por ora, estavam juntos. Eram uma ilha de resistência em meio ao oceano de perseguições. Foras da lei, sim, mas foras da lei por escolha, porque rejeitaram as correntes que a sociedade tentava impor.

Nas sombras da floresta, os dois não eram apenas fugitivos; eram espíritos livres. E, conforme a noite os abraçava, Yara e Tupã entendiam que, mesmo sob o tremendo peso da perseguição, suas almas voavam, como folhas carregadas pelo vento, livres para trilhar seu próprio destino.

A floresta, seu único lar verdadeiro, lhes dava a única certeza que precisavam: enquanto fossem um com a terra, ninguém os capturaria.

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