Amor entre Sombras e Brisas
Amor entre Sombras e Brisas
Por: Skylar K. Shawn
Capítulo 1: A Alvorada da Fuga

A floresta ainda dormia sob o manto da madrugada. A névoa rasteira dançava sobre o solo úmido, enquanto as folhas, orvalhadas pelo frescor da noite, sussurravam segredos ancestrais ao vento. Lá, no coração desse silêncio antigo, duas sombras se moviam com a suavidade de predadores. Yara, de olhos afiados como a lâmina da sua adaga, conduzia seus passos firmes sobre as raízes da terra que tanto conhecia. Ao seu lado, Tupã, o caçador cuja respiração compassada seguia o ritmo da floresta, mantinha os sentidos em alerta, pronto para proteger a mulher que amava. Juntos, formavam um só espírito, mas agora eram também um casal foragido.

A alvorada não tardaria a banhar os céus de laranja e ouro, mas aquela manhã não seria como as outras. Desta vez, a luz do sol traria consigo caçadores — não de presas, mas de almas humanas.

Yara olhou de relance para Tupã, os olhos expressando a certeza e a preocupação que tentava esconder. Ele não precisava de palavras para entender. Um simples olhar bastava. Era uma conexão que transcendera a carne e o sangue; algo forjado nas chamas da sobrevivência e no eco do amor.

— Eles estão perto — murmurou ela, a voz baixa como o farfalhar das folhas, porém firme como uma promessa. — Sentem o cheiro do medo... mas o nosso é o cheiro da liberdade.

Tupã, com a pele marcada pelo sol e cicatrizes de antigas batalhas, meneou a cabeça em concordância. Ele, filho da floresta, sabia que cada som ao redor poderia ser tanto um aliado quanto um traidor. Havia aprendido, desde cedo, que a floresta abraça quem respeita suas regras, mas também destrói os que se esquecem dela.

— O tempo corre contra nós, Yara — disse ele, com um tom grave que fazia ecoar a urgência em seu peito. — Os guerreiros de tua tribo e os homens brancos... Eles nos cercam como predadores cercam uma presa cansada.

O som de tambores distantes ecoava pela floresta, acompanhado pelos primeiros raios de sol que rasgavam a escuridão. Yara fechou os olhos por um momento, sentindo o peso daquela manhã sobre seus ombros. Ela não era apenas uma jovem guerreira, não mais. Era uma fugitiva, acusada de um crime que não cometera. O sangue derramado no solo de sua aldeia não fora obra de suas mãos, mas isso pouco importava agora. A verdade era uma lança cega nas mãos daqueles que a perseguiam.


Meses antes, Yara tinha sido prometida ao grande guerreiro de sua tribo, uma aliança destinada a unir clãs e trazer prosperidade. Mas o coração de Yara nunca bateu ao compasso das tradições impostas. O que seus anciãos chamavam de destino, ela chamava de prisão. Foi em uma noite como esta, sob a luz das estrelas, que ela deixou sua aldeia para trás, decidida a trilhar seu próprio caminho.

Foi então que cruzou o caminho de Tupã, um guerreiro errante, banido da própria tribo após um erro que jamais cometera. Ele também carregava o peso da injustiça nos ombros, e essa dor comum uniu seus espíritos. Naquele primeiro encontro, não houve desconfiança, apenas reconhecimento. Yara viu em Tupã a força que faltava para escapar de seu destino imposto, e Tupã encontrou em Yara a chama de liberdade que há tanto tempo procurava. Juntos, decidiram abandonar suas tribos e viver fora das regras, no coração da selva que os acolhia.

Agora, no entanto, estavam sendo caçados como animais.


Os tambores se aproximavam. Tupã encostou o ouvido no chão, escutando a vibração da terra. Sentiu o peso dos pés de guerreiros vindos do norte e o som inconfundível dos cavalos dos homens brancos ao leste. Estavam cercados. Haveria uma luta, e ela seria sangrenta.

— Precisamos cruzar o rio — disse ele, com a calma de quem já escapou da morte antes. — Se conseguirmos alcançar as pedras de Mboia, poderemos desaparecer nas cavernas. Eles jamais ousariam nos seguir até lá. Não sem perder a coragem.

Yara assentiu. Sabia que Tupã estava certo. As pedras de Mboia eram território sagrado, onde nenhum homem, branco ou indígena, ousava entrar sem uma boa razão. As histórias sobre serpentes antigas e espíritos guardiões eram o suficiente para afastar os mais corajosos. Era a única chance que tinham.

Sem hesitar, começaram a correr em direção ao rio. Seus pés descalços mal tocavam o chão enquanto deslizavam pela mata densa. Tupã estava à frente, abrindo caminho com agilidade, enquanto Yara mantinha a respiração controlada, sentindo o pulsar de cada músculo em sintonia com o ritmo da fuga. Eram um com a floresta, seus corações batendo no mesmo compasso das árvores, dos animais, do vento.

Mas não estavam sozinhos. O som de cascos e gritos de guerra cortava o ar, cada vez mais próximo.

— Ali! — gritou um dos guerreiros atrás deles. — Peguem-nos!

Yara sentiu uma fisgada no peito. Não era medo. Era raiva. Raiva de ter que fugir, de ser caçada por algo que não fez, de ver Tupã arriscar sua vida para protegê-la. Mas era o mundo que os havia forçado àquela situação, e ela lutaria até o fim por sua liberdade.

Chegaram à margem do rio, suas águas revoltas refletindo o brilho dourado do sol nascente. As pedras de Mboia estavam do outro lado, imponentes, como guardiãs de um destino ainda desconhecido. Tupã parou por um instante, estudando a correnteza perigosa que se movia rapidamente.

— Eu primeiro — disse ele, virando-se para Yara. — Se eu conseguir atravessar, tu me segues.

Yara abriu a boca para protestar, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Sabia que ele estava certo. Tupã mergulhou nas águas, nadando com a força de quem já havia desafiado as correntezas mais traiçoeiras. Por um instante, ele desapareceu sob a superfície, mas logo reapareceu, agarrando-se a uma pedra no meio do rio.

— Agora! — gritou ele, acenando para Yara.

Sem hesitar, Yara mergulhou, sentindo o frio cortante da água invadir seu corpo. A correnteza tentou arrastá-la, mas ela lutou com a mesma ferocidade com que lutava em batalhas. Suas mãos procuravam por um apoio, até que encontrou o braço de Tupã, que a puxou para junto dele. Juntos, conseguiram alcançar a outra margem, seus corpos exaustos, mas suas almas ainda cheias de fogo.

Do outro lado do rio, os guerreiros hesitaram. O som das águas rápidas e o brilho das pedras sagradas de Mboia fizeram com que recuassem. Até mesmo os homens brancos pareciam cautelosos.

Yara e Tupã estavam a salvo. Por enquanto.

Enquanto recuperavam o fôlego, seus olhares se cruzaram. Não precisavam de palavras. Eles sabiam o que aquela fuga significava — estavam unidos, não apenas pelo desejo de liberdade, mas por algo mais forte, algo que nem a morte ou a perseguição poderia quebrar. Naquele momento, no silêncio da floresta, entre o rugido do rio e os murmúrios das árvores, Yara e Tupã selaram um pacto inquebrantável.

A alvorada havia trazido mais do que a fuga. Ela trouxera a promessa de um destino maior.

E o destino os chamava.

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