A lua cheia pairou sobre a ravina, derramando uma luz prateada que banhou as pedras e a vegetação, tingindo o cenário de um brilho fantasmagórico. À beira do precipício, Lyra, a concubina de Donaldo, assentou-se com os pés balançando no vazio, ao que seus olhos mergulharam nas profundezas, onde as sombras se estendiam como dedos esqueléticos, conforme um arrepio gelado percorria sua espinha.Entre as muitas concubinas de Donaldo, Lyra era singular. Sua mente inquieta e seu coração ainda não haviam sido absolutamente subjugados pelo poder e pela riqueza de seu senhor. Ela nutria uma curiosidade insaciável sobre o passado de Donaldo, sobre os fios que teceram o homem que ele se tornara. Seria ele ainda aquele que conquistara corações femininos, ou apenas uma casca vazia, arrastada para as trevas?— Ele está bem? — sussurrou Lyra, sua voz quase engolida pelo vento que sibilava entre as rochas. — Ou está se perdendo nas sombras, afundando, como um navio à deriva?As histórias que ouvira s
A floresta ainda dormia sob o manto da madrugada. A névoa rasteira dançava sobre o solo úmido, conforme as folhas, orvalhadas pelo frescor da noite, sussurravam segredos ao vento. Lá, no coração desse antigo silêncio, duas sombras se moviam com a suavidade de felinos. Yara, de olhos afiados como a lâmina da sua adaga, conduzia seus passos compactos sobre as raízes da terra que tanto conhecia. Ao seu lado, Tupã, o caçador cuja respiração ritmada harmonizava-se com o pulsar da floresta, mantinha os sentidos aguçados, preparado para defender a mulher que amava. Unidos, eram como duas metades de uma mesma alma — um elo forjado pela necessidade de sobrevivência e temperado no fogo do amor.A alvorada não tardaria a banhar os céus de laranja e ouro, mas aquela manhã não seria como as outras. Desta vez, a luz do sol traria consigo caçadores — não de presas, mas de almas humanas.Yara olhou de relance para Tupã, os olhos expressando a certeza e a preocupação que tentava esconder. Ele não preci
A noite desceu sobre a floresta como um manto de veludo negro, ocultando os segredos e os medos que cresciam sob as copas altas das árvores. O vento murmurava canções antigas, que só aqueles de coração selvagem podiam compreender. Yara e Tupã caminhavam entre essas sombras, suas respirações sincronizadas com o pulsar da floresta viva, sentindo em cada passo o peso da perseguição que os rondava, como lobos famintos à espreita.A escuridão era um refúgio e um perigo. Ali, onde os raios da lua mal atravessavam o denso dossel de folhas, o casal sabia que a floresta poderia ser sua aliada ou sua ruína. As árvores, testemunhas silenciosas de séculos de histórias, pareciam abrigar segredos, oferecendo-lhes proteção, mas também alertando sobre o que viria.Tupã, com seus sentidos afiados, parou abruptamente e olhou para Yara. Um leve farfalhar de folhas ao longe indicava que seus perseguidores não estavam distantes. A tensão pairava no ar, espessa como o aroma úmido da terra.— Precisamos acha
O sol nascente despontava no horizonte, tingindo de dourado as copas das árvores, mas a luz que quebrava a escuridão não trazia consolo. Pelo contrário, o amanhecer revelava o início de um novo desafio, e Yara e Tupã sabiam que a perseguição havia apenas começado.As marcas no solo eram inconfundíveis. Tupã, agachado junto a uma trilha de folhas amassadas, examinava os rastros com olhos atentos. Havia pegadas largas, impressas profundamente na terra úmida, pesadas como as intenções daqueles que as deixaram. Ele passou os dedos pelos sulcos no chão e estreitou os olhos.— Não são guerreiros comuns — murmurou Tupã, a voz grave cortando o silêncio da floresta. — São homens brancos, caçadores de recompensas. A paga deles é o peso de nossas cabeças.Yara se a
Os Guerreiros da Lua Negra avançavam lentamente, suas pinturas de guerra brilhando sob os raios de sol que filtravam pelas copas das árvores. Seus olhos não mostravam piedade, apenas a frieza de quem cumpre uma missão sagrada. Do outro lado, os caçadores de recompensas, armados até os dentes, começavam a se reorganizar após a queda de um dos seus. O despenhadeiro era uma ameaça silenciosa, um abismo que poderia ser tanto uma armadilha quanto uma saída.Tupã olhou para Yara, e em seus olhos ela viu não apenas a obstinação de um guerreiro, mas a resolução de alguém que já havia perdido tudo e não tinha mais medo de perder. Ele sussurrou, quase inaudível:— A floresta nos protege, mas só se a respeitarmos. Vamos agir. Depressa.Yara acenou com a cabeça, sua mente trabalhando em sincronia com a dele. Ela sabia que encarar tantos inimigos de uma só vez era imprudente, mas também tinha plena consciência de que a floresta estava do seu lado. Com um olhar ligeiro, ela indicou uma árvore próxim
A floresta, até então cúmplice silenciosa de Yara e Tupã, parecia respirar com um peso diferente naquela manhã. O ar, carregado de umidade e segredos, não trazia o frescor habitual. O vento que costumava sussurrar suas canções ancestrais agora se calava, como se os espíritos da selva pressentissem o que estava por vir.Yara e Tupã haviam fugido por tempo suficiente para conhecer o gosto amargo da liberdade. Mas, naquele momento, sob o céu cinzento que mal deixava o sol atravessar as nuvens, eles sabiam que não poderiam correr para sempre. A escolha que se aproximava era inevitável, como a maré que lentamente engole a areia da praia.— Tupã — Yara começou, seus olhos fixos no horizonte incerto —, até quando poderemos escapar? Até onde podemos ir sem nos perder de nós mesmos?A voz dela era suave, mas as palavras traziam consigo uma carga pesada. A pergunta que ela fizera não era apenas sobre a fuga física. Yara sentia, como um peso em seu peito, que cada passo dado na direção contrária
Os dois acordaram envoltos num caloroso abraço, os corpos despidos sob uma manta de pele. Sempre que o momento permitia, os instantes compartilhados a sós eram intensamente preenchidos por um misto de paixão e ternura. Ele ainda podia sentir o corpo macio de sua amada delicadamente posicionado sobre si, os generosos e gelatinosos seios gentilmente roçando em seu peito, conforme o calor aconchegante emanava de dentro dela, pulsando e vibrando, irradiando uma calorosa energia que dançava em sincronia com suas respirações.A floresta, em sua misteriosa imensidão e no constante contraste entre sombras e luz, era ao mesmo tempo refúgio e ameaça, num delicado equilíbrio. Yara e Tupã haviam aprendido isso em suas fugas constantes, cada passo entre as árvores uma escolha entre vida e morte. No entanto, a selva também reservava surpresas — e nem todas podiam ser previstas.Agora, avançavam em silêncio, os corpos ligeiramente cansados, mas os ânimos ainda ardentes, impulsionados pela certeza de
O vento rugia com uma fúria desmedida, arrancando das árvores folhas que rodopiavam como espectros em frenesi. A própria floresta parecia ecoar a tensão que envolvia Yara, Tupã e Avelino, seu novo aliado. O silêncio, outrora um manto reconfortante, agora pesava como um presságio sombrio. Os caçadores se aproximavam, e a floresta, que antes os protegia, transformara-se no cenário de um iminente conflito. Não havia mais escapatória. O solo sagrado estava prestes a ser manchado pelo sangue.— Eles estão se aproximando — murmurou Tupã, seus olhos estreitos, focados no horizonte obscuro das árvores. Ele sentia a terra vibrar sob seus pés, como se a floresta quisesse avisá-lo da chegada dos inimigos.Yara mantinha a adaga firmemente empunhada, seus dedos cerrados ao redor do cabo, conforme seus sentidos aguçados varriam o ambiente. O tempo de correr havia se esgotado. Agora, era o momento de erguer-se, de encarar o que viesse, não apenas para defender suas vidas, mas para proteger aquela frá