Se você me perguntasse como eu imaginava que minha vida mudaria, eu diria algo clichê, como ganhar na loteria ou talvez encontrar o amor da minha vida em um café charmant enquanto eu derrubo café na camisa dele. Nunca, nem nos meus sonhos mais loucos, eu pensei que tudo mudaria porque eu fui burra o suficiente para cortar caminho por um beco escuro no fim do meu expediente.
Meu nome é Beatriz. Tenho 25 anos e, para ser honesta, até hoje minha maior conquista foi não queimar meu apartamento fazendo macarrão instantâneo. Eu sou o que minha mãe chama de "um espírito livre" – o que, traduzindo, significa que eu sou uma desastrada que ainda não encontrou um rumo na vida. Trabalho em um café pequeno, o tipo de lugar onde as pessoas vão para reclamar do mundo enquanto bebem um café aguado. Não é glamour, mas paga as contas – ou quase.
Naquela noite, tudo parecia normal. O expediente tinha sido cheio de clientes irritantes que insistem em pedir capuccino sem espuma ou reclamar da temperatura do café. Estava cansada, meus pés doíam, e tudo que eu queria era chegar em casa, colocar meu pijama de unicórnios e esquecer o mundo por algumas horas. Mas a vida tem um senso de humor cruel.
Decidi cortar caminho por um beco para economizar tempo. Eu sabia que não era a melhor ideia, mas estava cansada demais para me importar. O beco era estreito, iluminado apenas por um poste piscante, e o som dos meus passos ecoava nas paredes de tijolos. Eu me arrependi assim que entrei, mas já era tarde demais. No meio do caminho, vi algo que me fez congelar.
Três homens estavam no centro do beco. Dois deles seguravam outro homem, que parecia apavorado, enquanto o terceiro, um homem alto de terno impecável, falava com calma assustadora. Eu não conseguia ouvir o que ele dizia, mas o tom era cortante. A luz fraca iluminava apenas parte de seu rosto, mas dava para ver o olhar frio e determinado. Esse não era o tipo de pessoa com quem você quer cruzar.
Eu sabia que deveria ter virado e corrido na mesma hora, mas minhas pernas não me obedeciam. Meu corpo inteiro parecia paralisado pelo medo. Foi então que aconteceu: minha bolsa, é claro, decidiu trair minha tentativa de ser invisível. Um pacote de chicletes caiu no chão, fazendo um som alto o suficiente para atrair a atenção de todos.
Três pares de olhos se voltaram para mim ao mesmo tempo. Meus pulmões se esqueceram de funcionar. O homem de terno fez um sinal com a cabeça, e os outros dois me soltaram para se aproximarem. Então, algo surpreendente aconteceu: ele ergueu a mão, fazendo os dois pararem.
— Tragam ela para cá. Quero ouvir o que tem a dizer.
A voz dele era baixa, controlada, mas carregava uma autoridade inquestionável. Fui arrastada até o centro do beco antes que pudesse sequer pensar em resistir. Quando finalmente fiquei cara a cara com ele, senti um calafrio correr pela espinha. Ele era jovem – talvez no fim dos trinta anos –, mas carregava uma aura de poder que parecia pesar toneladas.
— Quem é você? — ele perguntou, inclinando a cabeça como se eu fosse um quebra-cabeça intrigante.
— E-eu… ninguém. Juro, eu não vi nada. Eu só estava passando. É um caminho mais rápido para minha casa. Eu… eu nem sei o que está acontecendo aqui.
As palavras saíam atropeladas, minha voz tremia, e eu tinha certeza de que ia desmaiar a qualquer segundo. Ele riu – não uma risada divertida, mas algo frio, como se estivesse zombando do meu desespero.
— Todo mundo diz isso. Mas você não parece estar mentindo. Isso é… interessante.
Os outros homens olhavam para ele, esperando ordens. Eu sabia que eles estavam prontos para se livrar de mim ali mesmo, mas algo na expressão dele mudou. Ele me observou por mais alguns segundos, como se estivesse tentando me ler.
— Qual é o seu nome?
— Beatriz.
— Beatriz. É um nome bonito.
Por um momento, pensei que ele estava tentando me acalmar, mas logo percebi que estava enganada. Ele não tinha interesse em me tranquilizar – ele estava se divertindo com o meu medo. Ele fez um gesto para os homens.
— Levem-na. Ela vem comigo.
Eu entrei em pânico.
— O quê? Espere, por favor! Eu… não sou uma testemunha! Não direi nada a ninguém, eu prometo!
Ele não respondeu. Em vez disso, virou as costas e começou a caminhar pelo beco, enquanto os outros dois me puxavam para segui-lo. Meu coração batia tão rápido que eu mal conseguia pensar. Eles me colocaram em um carro preto que estava estacionado na esquina.
No silêncio sufocante do carro, a presença dele era quase palpável. Eu olhava para ele de rabo de olho, tentando entender o que estava acontecendo. Afinal, por que ele não tinha me matado? Se o que eu tinha visto era tão perigoso assim, por que me manter viva?
Depois de alguns minutos, ele finalmente quebrou o silêncio.
— Você deve estar se perguntando por que ainda está viva, não é?
Assenti, incapaz de falar.
— A verdade é que você me intriga, Beatriz. É raro encontrar alguém tão… transparente.
Ele sorriu, mas era um sorriso que não alcançava os olhos.
— Por enquanto, você vai ficar comigo. Para sua própria segurança, é claro.
— Para minha segurança? — perguntei, minha voz finalmente voltando. — Você está me sequestrando!
— Sequestrando é uma palavra forte. Eu diria que estou protegendo você de fazer algo idiota, como ir até a polícia.
Minha boca abriu, mas nenhuma palavra saiu. O que eu poderia dizer? Eu tinha entrado em um mundo que não entendia, e agora estava presa. Uma coisa era certa: minha vida nunca mais seria a mesma.
Quando o carro parou em frente a uma casa que parecia ter saído diretamente de um filme de máfia, minha mente ainda estava a mil. A mansão era imensa, com colunas imponentes e luzes quentes iluminando a fachada, mas não havia como ignorar os seguranças estrategicamente posicionados. Eles estavam às claras, como se quisessem lembrar a todos que aquele lugar não era para ser invadido. Cada detalhe exalava poder, mas também perigo.Leonardo – sim, foi assim que descobri o nome dele – desceu do carro com uma calma que fazia meu estômago revirar. Ele não era apenas um homem de terno; ele era uma força da natureza, e parecia saber exatamente o impacto que causava em qualquer ambiente. Enquanto eu lutava para não tropeçar ao descer do carro, ele me lançou um olhar curioso, quase divertido, como se estivesse esperando algo de mim.— Bem-vinda à minha casa, Beatriz — ele disse, com um leve sorriso nos lábios. — Espero que você se sinta… segura aqui.Segura? Não havia nada naquele cenário que g
Não sei dizer exatamente em que momento as coisas começaram a mudar. Talvez tenha sido naquela noite em que Leonardo entrou no meu quarto e deixou suas intenções claras: ele não toleraria traições. Ou talvez tenha sido o simples fato de eu estar convivendo com ele diariamente, mesmo que a maioria das nossas interações fossem cercadas por um misto de mistério e intenções não ditas. O fato é que, aos poucos, eu percebia que minha vida nunca mais seria a mesma.Nos dias que se seguiram àquela conversa, minha "rotina" na mansão começou a se tornar, de certo modo, previsível. Acordava com o som suave de batidas na porta; um dos funcionários da casa trazia meu café da manhã, sempre impecável, em uma bandeja de prata. Passei a explorar o quarto em busca de algo que me fizesse sentir menos sufocada. Encontrei livros antigos em uma prateleira no canto, romances clássicos e alguns textos sobre filosofia. Era melhor do que ficar encarando as grades da janela.Leonardo, no entanto, continuava a s
Os dias passaram, e minha convivência com Leonardo tornou-se um jogo silencioso de provocações e mistérios. Eu sabia que ele estava tentando me estudar, me entender, como se eu fosse um quebra-cabeça que ele queria resolver. Mas a verdade era que eu também o observava. E quanto mais eu o fazia, mais percebia que, por trás da fachada de poder e controle, havia algo mais profundo, mais sombrio.Naquela noite, o silêncio da mansão foi quebrado por uma movimentação incomum. Eu estava deitada, olhando para o teto, quando ouvi passos apressados do lado de fora do quarto. Levantei-me imediatamente e fui até a porta, abrindo-a apenas o suficiente para ver o corredor. Três homens passaram por ali, armados, suas expressões tensas.Meu coração acelerou. Algo estava acontecendo.Antes que eu pudesse pensar no que fazer, Leonardo apareceu ao final do corredor. Diferente de sua postura habitual, ele parecia sério, determinado, como se estivesse prestes a entrar em uma batalha. Quando nossos olhares
A tensão da noite anterior ainda pairava sobre a mansão. Leonardo havia desaparecido pela madrugada, e eu passei as horas seguintes em claro, tentando processar tudo o que havia acontecido. O homem misterioso, a ameaça velada, a maneira como Leonardo se colocou entre nós... Nada daquilo fazia sentido, mas uma coisa era clara: eu estava mais envolvida do que deveria.Levantei-me sentindo o corpo pesado pelo cansaço. O sol já despontava no horizonte quando decidi sair do quarto. As coisas pareciam mais calmas agora, os corredores vazios, o som distante de empregados retomando suas rotinas. Mas a sensação de que algo estava errado continuava me perseguindo.Desci as escadas e fui até a cozinha, onde encontrei Carla, uma das funcionárias da casa, preparando o café da manhã.— Bom dia, senhorita Beatriz — disse ela com um sorriso simpático.— Bom dia, Carla. Leonardo está por aí?Ela hesitou por um instante antes de responder.— Ele saiu cedo, mas não disse para onde.Aquilo não era novida
A revelação de Leonardo ainda ecoava na minha mente. “Agora, você aprende a se proteger.” Aquilo parecia uma sentença de morte disfarçada de conselho. Eu nunca havia segurado uma arma na vida, nunca havia brigado com ninguém além de discussões bobas com minha irmã quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sendo informada de que minha sobrevivência dependia de aprender as regras de um jogo que eu nunca pedi para participar.Eu deveria estar assustada. E estava. Mas havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar: raiva.Raiva porque minha vida havia sido arrancada de mim. Raiva porque Leonardo parecia pensar que podia decidir meu destino. Raiva porque, no fundo, uma parte de mim queria ficar.— Quando começamos? — Minha própria voz me surpreendeu.Leonardo arqueou a sobrancelha, analisando-me como se eu fosse um experimento que ele não sabia se daria certo.— Agora.Ele se virou e saiu da sala, esperando que eu o seguisse. Minhas pernas estavam pesadas, como se quisessem me trair e
EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.— Ele
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.