Os dias passaram, e minha convivência com Leonardo tornou-se um jogo silencioso de provocações e mistérios. Eu sabia que ele estava tentando me estudar, me entender, como se eu fosse um quebra-cabeça que ele queria resolver. Mas a verdade era que eu também o observava. E quanto mais eu o fazia, mais percebia que, por trás da fachada de poder e controle, havia algo mais profundo, mais sombrio.
Naquela noite, o silêncio da mansão foi quebrado por uma movimentação incomum. Eu estava deitada, olhando para o teto, quando ouvi passos apressados do lado de fora do quarto. Levantei-me imediatamente e fui até a porta, abrindo-a apenas o suficiente para ver o corredor. Três homens passaram por ali, armados, suas expressões tensas.
Meu coração acelerou. Algo estava acontecendo.
Antes que eu pudesse pensar no que fazer, Leonardo apareceu ao final do corredor. Diferente de sua postura habitual, ele parecia sério, determinado, como se estivesse prestes a entrar em uma batalha. Quando nossos olhares se encontraram, ele hesitou por um breve momento antes de caminhar até mim.
— Fique no seu quarto, Beatriz — disse ele, sua voz firme, mas não rude.
— O que está acontecendo? — perguntei, sem me mover.
— Nada com o que você deva se preocupar. Apenas confie em mim e não saia daqui.
O problema era que confiar nele era exatamente o que eu não sabia se conseguia fazer. Mas, diante do tom autoritário e da maneira como os seguranças estavam se movendo, percebi que insistir não me levaria a lugar nenhum. Assenti lentamente, e ele desapareceu pelo corredor, seguido pelos homens.
Assim que fiquei sozinha, meu instinto me mandou fazer exatamente o oposto do que Leonardo havia ordenado. Peguei uma jaqueta que estava sobre a poltrona e caminhei até a janela. A mansão estava cercada por seguranças, e pude ver carros chegando. Algo estava muito errado.
Decidi agir.
Saí do quarto com cuidado, caminhando pelos corredores com passos leves. A adrenalina corria em minhas veias enquanto tentava ouvir qualquer fragmento de conversa que pudesse me dar pistas. Passei pela escadaria e, ao me aproximar do salão principal, ouvi vozes.
— Você está jogando um jogo perigoso, Leonardo — uma voz desconhecida disse. — Acha que pode continuar desafiando as regras sem consequências?
Encostei-me à parede, tentando enxergar sem ser vista. Leonardo estava diante de um homem mais velho, vestido elegantemente, mas com um olhar predador. Seus seguranças estavam tensos, prontos para agir a qualquer momento.
— Eu crio minhas próprias regras — respondeu Leonardo, com um sorriso frio.
O homem riu, mas não havia humor em sua expressão.
— Cedo ou tarde, alguém vai quebrá-las para você.
A tensão era palpável, e meu coração martelava no peito. Eu não sabia exatamente quem era aquele homem, mas sua presença exalava ameaça. Algo me dizia que ele era alguém importante, alguém que poderia mudar tudo.
Então, sem querer, dei um passo para trás e encostei o ombro contra um vaso decorativo que estava sobre uma pequena mesa no corredor. O som do objeto caindo ecoou pelo salão como um tiro.
O silêncio foi imediato.
Todos se viraram para mim.
Meu sangue gelou quando Leonardo me encarou. Seu olhar não era de raiva, mas de algo mais profundo: decepção. Ele suspirou e, com um movimento sutil de cabeça, ordenou que um de seus seguranças viesse até mim.
— Beatriz... — começou ele, sua voz carregada de exasperação.
— Desculpe, eu só... — tentei me explicar, mas o homem ao lado dele sorriu de maneira perturbadora.
— Então esta é a famosa Beatriz — disse ele, analisando-me com um interesse que me fez estremecer. — Agora entendo por que você tem estado tão distraído, Leonardo.
Leonardo cerrou a mandíbula, mas manteve a compostura.
— Ela não é um assunto seu.
— Ah, mas está claro que ela é — o homem retrucou, dando um passo na minha direção. — E, por isso, talvez seja um problema maior do que você imagina.
Fiquei completamente imóvel. Leonardo não desviou o olhar de mim, e por um instante, algo passou por sua expressão. Uma hesitação? Um medo?
Então, ele se colocou entre mim e o homem, sua postura protetora deixando claro que qualquer ameaça a mim era uma afronta direta a ele.
— Esta conversa acabou — declarou Leonardo. — Agora, vá embora.
O homem sorriu de forma ameaçadora, mas não discutiu. Ele se virou e saiu, seguido por seus capangas. Assim que a porta principal se fechou, Leonardo virou-se para mim, seu olhar intenso.
— Eu disse para você ficar no quarto, Beatriz.
— Eu precisava entender o que estava acontecendo — respondi, tentando manter a voz firme, mesmo sabendo que havia ultrapassado um limite.
Ele passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado.
— Você não faz ideia do perigo que corre. Esse homem, Beatriz... Ele é alguém que você jamais deveria chamar a atenção.
Engoli em seco.
— Quem é ele?
Leonardo hesitou por um instante antes de responder.
— Alguém que pode destruir tudo se decidir que quer.
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Pela primeira vez desde que entrei na mansão, compreendi que esse jogo era muito maior do que eu imaginava. E, pior ainda, percebi que já estava envolvida nele, quer quisesse ou não.
Leonardo me observou por um momento antes de suspirar.
— Agora que já viu demais, não há mais volta para você, Beatriz.
E, no fundo, eu sabia que ele estava certo.
A tensão da noite anterior ainda pairava sobre a mansão. Leonardo havia desaparecido pela madrugada, e eu passei as horas seguintes em claro, tentando processar tudo o que havia acontecido. O homem misterioso, a ameaça velada, a maneira como Leonardo se colocou entre nós... Nada daquilo fazia sentido, mas uma coisa era clara: eu estava mais envolvida do que deveria.Levantei-me sentindo o corpo pesado pelo cansaço. O sol já despontava no horizonte quando decidi sair do quarto. As coisas pareciam mais calmas agora, os corredores vazios, o som distante de empregados retomando suas rotinas. Mas a sensação de que algo estava errado continuava me perseguindo.Desci as escadas e fui até a cozinha, onde encontrei Carla, uma das funcionárias da casa, preparando o café da manhã.— Bom dia, senhorita Beatriz — disse ela com um sorriso simpático.— Bom dia, Carla. Leonardo está por aí?Ela hesitou por um instante antes de responder.— Ele saiu cedo, mas não disse para onde.Aquilo não era novida
A revelação de Leonardo ainda ecoava na minha mente. “Agora, você aprende a se proteger.” Aquilo parecia uma sentença de morte disfarçada de conselho. Eu nunca havia segurado uma arma na vida, nunca havia brigado com ninguém além de discussões bobas com minha irmã quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sendo informada de que minha sobrevivência dependia de aprender as regras de um jogo que eu nunca pedi para participar.Eu deveria estar assustada. E estava. Mas havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar: raiva.Raiva porque minha vida havia sido arrancada de mim. Raiva porque Leonardo parecia pensar que podia decidir meu destino. Raiva porque, no fundo, uma parte de mim queria ficar.— Quando começamos? — Minha própria voz me surpreendeu.Leonardo arqueou a sobrancelha, analisando-me como se eu fosse um experimento que ele não sabia se daria certo.— Agora.Ele se virou e saiu da sala, esperando que eu o seguisse. Minhas pernas estavam pesadas, como se quisessem me trair e
EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.— Ele
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.
Depois daquele primeiro dia de treinamento, minha rotina mudou completamente.Não havia mais manhãs preguiçosas ou momentos de silêncio para pensar na vida que deixei para trás. Meu mundo agora era feito de tiros disparados contra alvos, socos mal calculados que doíam mais em mim do que em Enzo, e lições intermináveis sobre como ler as pessoas antes que elas pudessem me enganar.Leonardo observava tudo à distância.Ele nunca interferia nos meus treinamentos, nunca me corrigia ou incentivava. Mas eu sentia sua presença. Sempre que eu errava um tiro ou hesitava antes de atacar, sabia que ele estava lá, avaliando cada movimento.E, por algum motivo, isso me fazia querer me esforçar ainda mais.★Naquela noite, o jantar foi diferente.Eu já estava acostumada a comer sozinha ou ao lado de Enzo e alguns dos capangas de Leonardo. Mas, desta vez, quando entrei na sala de jantar, vi que só havia dois lugares postos à mesa.Leonardo estava sentado à cabeceira, um copo de vinho na mão, me observ
A viagem de volta para a mansão foi silenciosa. Leonardo dirigia com uma expressão impassível, os olhos fixos na estrada à frente. Eu, ao seu lado, tentava absorver tudo o que havia acontecido naquela reunião.Pela primeira vez, eu tinha estado no meio do jogo real, cercada por homens que controlavam o destino de muitos com um simples aperto de mãos. E, para minha surpresa, eu não havia desmoronado.Muito pelo contrário.— Você fez bem lá dentro.A voz de Leonardo quebrou o silêncio. Olhei para ele, surpresa.— Fiz?Ele assentiu, mantendo os olhos na estrada.— Não deixou que te intimidassem. Respondeu na hora certa. Mostrou que não é só uma espectadora.Uma parte de mim se sentiu satisfeita ao ouvir aquilo. Desde que minha vida virara de cabeça para baixo, eu tentava encontrar meu lugar no meio de tudo. E, de algum modo, parecia que eu estava conseguindo.Mas antes que eu pudesse me deixar levar por esse pensamento, Leonardo completou:— Mas isso também te tornou um alvo.Meu corpo e
Os dias seguintes foram um teste silencioso de resistência. Desde a reunião, percebi que a tensão dentro da mansão havia aumentado. Guardas extras foram posicionados em pontos estratégicos, olhares desconfiados eram trocados entre os aliados de Leonardo, e conversas interrompiam-se abruptamente sempre que eu entrava em algum cômodo.Eu não era mais apenas a garota que estava no lugar errado na hora errada. Eu agora fazia parte daquele mundo, quer quisesse, quer não.E isso significava que eu precisava aprender rápido.★Naquela manhã, acordei com uma batida firme na porta.— Entre.A porta se abriu, e Enzo apareceu. Seu rosto carregava a mesma expressão séria de sempre, mas seus olhos analisaram-me com mais atenção do que o habitual.— Leonardo quer te ver no salão principal.— Agora? — perguntei, sentando-me na cama e tentando afastar o sono dos olhos.— Agora.Engoli em seco. Algo me dizia que aquilo não era apenas uma conversa casual.Levantei-me rapidamente, vesti uma calça jeans