EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.
— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.
O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.
— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.
Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.
— Ele vendeu informações para um dos nossos inimigos. Tentou ganhar dinheiro fácil. O problema é que, quando você j**a dos dois lados, uma hora alguém te pega.
O homem gemeu, tentando falar algo com a boca machucada.
— M-me perdoa, Don Leonardo... Eu... eu não queria...
Leonardo suspirou e se agachou na frente dele, segurando sua mandíbula com força.
— Não é sobre querer. É sobre escolhas. Você fez a sua.
A faca brilhou sob a luz fraca da sala.
Meu coração saltou para a garganta.
— Leonardo... — Minha voz saiu hesitante, mas ele não me olhou.
Eu sabia o que ele ia fazer. E, mais do que isso, sabia que não era a primeira vez.
Engoli em seco, lutando contra o instinto de correr para longe dali.
Eu não fazia parte daquele mundo.
Mas, ao mesmo tempo... fazia.
Porque, se fosse outra pessoa no lugar dele, alguém que pudesse me entregar para os inimigos de Leonardo, qual seria o meu destino?
O homem na cadeira poderia ser qualquer um. Eu poderia ser ele.
Uma onda de adrenalina percorreu meu corpo. Pela primeira vez, percebi a fragilidade da minha posição ali. Eu não era uma jogadora. Eu era uma peça no tabuleiro.
E peças não decidem o jogo.
Leonardo se levantou e virou para mim, como se estivesse esperando algo.
Eu o encarei de volta.
— Você quer que eu veja?
— Quero que entenda.
Meu peito subia e descia rapidamente. Meu instinto gritava para eu dar as costas e sair correndo. Mas minha mente sussurrava outra coisa.
Se eu fugisse agora, nunca mais teria controle sobre nada.
Leonardo ergueu a faca. O homem choramingou.
Fechei os olhos.
Mas não me mexi.
O som veio primeiro.
Um grito, abafado rapidamente.
O cheiro de sangue fresco, ferroso e quente, tomou conta da sala.
Quando abri os olhos, Leonardo já havia dado as costas ao corpo sem vida. Sua expressão era impassível, como se aquilo fosse apenas mais uma terça-feira normal.
Eu queria vomitar.
Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim havia mudado.
Eu não chorei.
Não gritei.
Não saí correndo.
E Leonardo percebeu.
Ele caminhou até mim, os olhos escuros fixos nos meus.
— Você ainda quer voltar para sua vida normal, Beatriz?
Minha respiração estava trêmula, mas minha resposta foi firme.
— Não tenho mais uma vida normal para onde voltar.
Leonardo assentiu, como se já soubesse a resposta antes mesmo de perguntar.
Ele se aproximou mais um passo.
— Então, a partir de agora, aprenda a sobreviver.
E eu soube que não havia mais volta.
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.
Depois daquele primeiro dia de treinamento, minha rotina mudou completamente.Não havia mais manhãs preguiçosas ou momentos de silêncio para pensar na vida que deixei para trás. Meu mundo agora era feito de tiros disparados contra alvos, socos mal calculados que doíam mais em mim do que em Enzo, e lições intermináveis sobre como ler as pessoas antes que elas pudessem me enganar.Leonardo observava tudo à distância.Ele nunca interferia nos meus treinamentos, nunca me corrigia ou incentivava. Mas eu sentia sua presença. Sempre que eu errava um tiro ou hesitava antes de atacar, sabia que ele estava lá, avaliando cada movimento.E, por algum motivo, isso me fazia querer me esforçar ainda mais.★Naquela noite, o jantar foi diferente.Eu já estava acostumada a comer sozinha ou ao lado de Enzo e alguns dos capangas de Leonardo. Mas, desta vez, quando entrei na sala de jantar, vi que só havia dois lugares postos à mesa.Leonardo estava sentado à cabeceira, um copo de vinho na mão, me observ
A viagem de volta para a mansão foi silenciosa. Leonardo dirigia com uma expressão impassível, os olhos fixos na estrada à frente. Eu, ao seu lado, tentava absorver tudo o que havia acontecido naquela reunião.Pela primeira vez, eu tinha estado no meio do jogo real, cercada por homens que controlavam o destino de muitos com um simples aperto de mãos. E, para minha surpresa, eu não havia desmoronado.Muito pelo contrário.— Você fez bem lá dentro.A voz de Leonardo quebrou o silêncio. Olhei para ele, surpresa.— Fiz?Ele assentiu, mantendo os olhos na estrada.— Não deixou que te intimidassem. Respondeu na hora certa. Mostrou que não é só uma espectadora.Uma parte de mim se sentiu satisfeita ao ouvir aquilo. Desde que minha vida virara de cabeça para baixo, eu tentava encontrar meu lugar no meio de tudo. E, de algum modo, parecia que eu estava conseguindo.Mas antes que eu pudesse me deixar levar por esse pensamento, Leonardo completou:— Mas isso também te tornou um alvo.Meu corpo e
Os dias seguintes foram um teste silencioso de resistência. Desde a reunião, percebi que a tensão dentro da mansão havia aumentado. Guardas extras foram posicionados em pontos estratégicos, olhares desconfiados eram trocados entre os aliados de Leonardo, e conversas interrompiam-se abruptamente sempre que eu entrava em algum cômodo.Eu não era mais apenas a garota que estava no lugar errado na hora errada. Eu agora fazia parte daquele mundo, quer quisesse, quer não.E isso significava que eu precisava aprender rápido.★Naquela manhã, acordei com uma batida firme na porta.— Entre.A porta se abriu, e Enzo apareceu. Seu rosto carregava a mesma expressão séria de sempre, mas seus olhos analisaram-me com mais atenção do que o habitual.— Leonardo quer te ver no salão principal.— Agora? — perguntei, sentando-me na cama e tentando afastar o sono dos olhos.— Agora.Engoli em seco. Algo me dizia que aquilo não era apenas uma conversa casual.Levantei-me rapidamente, vesti uma calça jeans
Os dias de treinamento estavam cobrando seu preço. Meu corpo doía em lugares que eu nem sabia que existiam, e cada movimento parecia um lembrete de que minha vida nunca mais voltaria a ser a mesma. Mas, apesar do cansaço, algo dentro de mim crescia. Uma resistência. Uma força que eu não imaginava ter.Era assustador admitir que eu estava começando a gostar disso.Naquela manhã, fui despertada antes do amanhecer por uma batida insistente na porta.— Beatriz, acorde. — A voz de Enzo ecoou do outro lado.Minha cabeça ainda estava pesada de sono, mas me levantei rapidamente e vesti a primeira roupa confortável que encontrei. Quando abri a porta, Enzo já estava de braços cruzados, seu semblante carregado de urgência.— O que foi? — perguntei, ainda tentando afastar o sono.— Leonardo quer você lá fora. Agora.Aquilo era incomum. Nos últimos dias, ele vinha mantendo certa distância, deixando que seus homens me treinassem sem interferir muito. Algo estava diferente.Acelerei meus passos, seg
O som do tiro ainda ressoava na minha cabeça, como um eco interminável que se recusava a desaparecer. Meus dedos ainda estavam trêmulos ao redor da arma, e meu coração martelava tão forte que eu sentia cada batida reverberando pelo meu corpo.O homem à minha frente estava morto.Eu o matei.Minha respiração ficou irregular. O mundo ao meu redor parecia embaçado, como se tudo estivesse acontecendo embaixo d’água. O olhar de Leonardo estava sobre mim, mas eu não conseguia encará-lo. Nem a ele, nem a mais ninguém.O que eu havia feito?Minha mente tentava justificar, tentava me convencer de que aquele homem era um traidor, um criminoso, alguém que teria me matado sem hesitar se as posições estivessem invertidas. Mas nada disso importava.Eu cruzei uma linha da qual não havia volta.— Respire, Beatriz. — A voz de Leonardo era baixa, firme.Mas como ele esperava que eu simplesmente respirasse? Como se fosse algo natural, como se eu não tivesse acabado de tirar uma vida?Meu estômago se rev
O silêncio da noite se espalhava pelos corredores da mansão, mas dentro de mim, tudo era um caos. As palavras de Enzo ainda ecoavam na minha cabeça, me forçando a encarar a verdade que eu estava tentando negar: eu tinha feito uma escolha. E agora, precisava lidar com as consequências dela.Mas será que eu realmente tinha escolha?Joguei as cobertas para o lado e me sentei na cama. O quarto parecia pequeno demais para conter todas as emoções que me sufocavam. Minhas mãos ainda tremiam levemente, como se meu corpo se recusasse a esquecer o que aconteceu naquela noite.A porta do quarto se abriu sem aviso, e minha respiração falhou por um instante antes de reconhecer Leonardo. Ele não pediu permissão para entrar, apenas cruzou a porta como se soubesse que eu não o mandaria embora.Seus olhos escuros se fixaram nos meus.— Você dormiu?— Parece que sim, né? — minha voz saiu carregada de ironia.Ele suspirou, mas não rebateu.— Preciso conversar com você.— Sobre o quê? Sobre como eu agora