A revelação de Leonardo ainda ecoava na minha mente. “Agora, você aprende a se proteger.” Aquilo parecia uma sentença de morte disfarçada de conselho. Eu nunca havia segurado uma arma na vida, nunca havia brigado com ninguém além de discussões bobas com minha irmã quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sendo informada de que minha sobrevivência dependia de aprender as regras de um jogo que eu nunca pedi para participar.
Eu deveria estar assustada. E estava. Mas havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar: raiva.
Raiva porque minha vida havia sido arrancada de mim. Raiva porque Leonardo parecia pensar que podia decidir meu destino. Raiva porque, no fundo, uma parte de mim queria ficar.
— Quando começamos? — Minha própria voz me surpreendeu.
Leonardo arqueou a sobrancelha, analisando-me como se eu fosse um experimento que ele não sabia se daria certo.
— Agora.
Ele se virou e saiu da sala, esperando que eu o seguisse. Minhas pernas estavam pesadas, como se quisessem me trair e me manter presa ali, mas eu as obriguei a se moverem. Segui Leonardo por um longo corredor até uma porta de madeira maciça. Ele a abriu e revelou o que parecia ser uma sala de treinamento. Tapetes grossos cobriam o chão, um saco de pancadas pendia de uma corrente no canto, e uma mesa repleta de armas de diferentes calibres dominava a parede principal.
Minha boca ficou seca.
— Você quer que eu aprenda a usar isso? — perguntei, apontando para as armas.
— Você precisa aprender. — Leonardo caminhou até a mesa e pegou uma pistola preta, segurando-a com familiaridade. — Mas primeiro, autodefesa.
Antes que eu pudesse protestar, Marco entrou na sala. Ele olhou para Leonardo como se estivessem compartilhando um segredo silencioso e depois se voltou para mim com um sorriso que não me agradou nem um pouco.
— Eu serei seu instrutor — disse ele, cruzando os braços.
Revirei os olhos.
— Ótimo.
Leonardo deu um passo para trás, encostando-se à mesa com os braços cruzados. Ele observava tudo com aquele olhar calculista, como se estivesse testando até onde eu poderia chegar.
Marco assumiu uma postura de luta e ergueu as mãos.
— Vem, tenta me acertar.
Bufei.
— Você realmente quer que eu tente te bater?
— Quero que tente sobreviver. Se alguém vier para cima de você, vai precisar saber reagir.
Ele não estava errado.
Respirei fundo e tentei dar um soco nele. Marco desviou facilmente, rindo.
— Isso foi patético. De novo.
Meu rosto esquentou. Odiava ser ridicularizada, e odiava ainda mais que Leonardo estivesse assistindo. Cerrei os punhos e tentei de novo, mas Marco era rápido, desviando cada vez com menos esforço.
— Você está colocando muita força, mas sem técnica. Assim nunca vai acertar ninguém.
Eu já estava prestes a desistir, mas então ele segurou meu braço e puxou, me girando e prendendo minhas costas contra seu peito.
— E agora, Beatriz? O que você faz?
Meu coração disparou. Marco estava testando se eu entraria em pânico.
Eu entrei.
Tentei me soltar, mas não sabia como. Meus instintos eram inúteis, e ele era forte demais.
— Você está morta — disse ele, me soltando.
Afastei-me dele, frustrada.
— Isso é ridículo!
Leonardo finalmente falou.
— É ridículo porque você nunca precisou se defender de verdade. Mas um dia vai precisar. E se não aprender agora, não haverá uma segunda chance.
Engoli em seco.
Ele se afastou da mesa e pegou uma faca. Meu estômago se revirou quando ele a girou entre os dedos antes de entregá-la para mim.
— Vamos tentar algo mais simples.
Segurei a lâmina, surpresa pelo peso.
— Simples? Você quer que eu esfaqueie alguém agora?
— Quero que você aprenda a se defender caso alguém tente te imobilizar novamente.
Olhei para Marco, que sorriu de um jeito irritante.
— Fique tranquila, vou pegar leve.
Revirei os olhos.
Dessa vez, quando Marco avançou, algo mudou. Talvez fosse a adrenalina, talvez fosse o fato de que eu não queria parecer uma idiota novamente. Mas quando ele agarrou meu braço, eu reagi. Não pensei, apenas agi. Segurei a faca com força e bati com o cabo contra seu pulso. Ele recuou, surpreso.
Um sorriso brotou no rosto de Leonardo.
— Melhor.
Marco massageou o pulso e assentiu.
— Isso foi um progresso.
Progresso.
Era pouco, mas era um começo.
Fiquei ali treinando por horas, errando mais do que acertando, mas sentindo algo crescer dentro de mim. Talvez fosse confiança, talvez fosse algo mais sombrio. Mas uma coisa era certa: eu não era mais a mesma Beatriz de antes.
Os dias seguintes foram exaustivos. Meus músculos doíam de maneiras que eu não sabia serem possíveis, mas a cada dia, eu melhorava.
Então, uma noite, Leonardo entrou no meu quarto sem aviso.
— Vista-se. Vamos sair.
Piscando, olhei para ele, confusa.
— O quê? Por quê?
— Porque você precisa ver a realidade lá fora.
Uma hora depois, eu estava sentada no banco do passageiro de um carro preto enquanto Leonardo dirigia pelas ruas da cidade. Não perguntei para onde íamos, mas algo no jeito tenso como ele segurava o volante me dizia que aquilo não era só uma simples saída.
Parou o carro em um beco escuro. Olhei para ele, apreensiva.
— O que estamos fazendo aqui?
Ele apenas gesticulou para que eu saísse. Fiz o que ele mandou, e ele me guiou até um prédio velho. Subimos por uma escada estreita, e quando chegamos ao último andar, Leonardo abriu uma porta e me empurrou para dentro.
O cheiro metálico no ar me atingiu antes mesmo de meus olhos se ajustarem à escuridão. Quando finalmente vi, engasguei.
Havia um homem amarrado a uma cadeira no meio da sala. Seu rosto estava coberto de sangue, e ele tremia.
Virei-me para Leonardo, horrorizada.
— O que é isso?!
— Realidade.
Meu estômago se revirou.
O homem gemeu de dor, e foi então que percebi: ele não era um inocente. No chão, havia uma arma e pacotes de dinheiro. Um traficante, talvez.
Leonardo caminhou até ele e pegou uma faca da mesa ao lado.
— Você queria saber no que está envolvida, Beatriz. Aqui está.
Meu coração martelava no peito.
Eu sabia que Leonardo era perigoso. Mas ver isso com meus próprios olhos? Era diferente.
Ele se virou para mim, os olhos escuros avaliando minha reação.
— Você quer sobreviver nesse mundo? Então pare de ver as coisas como preto no branco.
A verdade era cruel, mas não podia ser ignorada.
Eu nunca mais teria minha vida normal de volta.
E naquele momento, percebi que talvez eu nem quisesse.
EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.— Ele
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.
Depois daquele primeiro dia de treinamento, minha rotina mudou completamente.Não havia mais manhãs preguiçosas ou momentos de silêncio para pensar na vida que deixei para trás. Meu mundo agora era feito de tiros disparados contra alvos, socos mal calculados que doíam mais em mim do que em Enzo, e lições intermináveis sobre como ler as pessoas antes que elas pudessem me enganar.Leonardo observava tudo à distância.Ele nunca interferia nos meus treinamentos, nunca me corrigia ou incentivava. Mas eu sentia sua presença. Sempre que eu errava um tiro ou hesitava antes de atacar, sabia que ele estava lá, avaliando cada movimento.E, por algum motivo, isso me fazia querer me esforçar ainda mais.★Naquela noite, o jantar foi diferente.Eu já estava acostumada a comer sozinha ou ao lado de Enzo e alguns dos capangas de Leonardo. Mas, desta vez, quando entrei na sala de jantar, vi que só havia dois lugares postos à mesa.Leonardo estava sentado à cabeceira, um copo de vinho na mão, me observ
A viagem de volta para a mansão foi silenciosa. Leonardo dirigia com uma expressão impassível, os olhos fixos na estrada à frente. Eu, ao seu lado, tentava absorver tudo o que havia acontecido naquela reunião.Pela primeira vez, eu tinha estado no meio do jogo real, cercada por homens que controlavam o destino de muitos com um simples aperto de mãos. E, para minha surpresa, eu não havia desmoronado.Muito pelo contrário.— Você fez bem lá dentro.A voz de Leonardo quebrou o silêncio. Olhei para ele, surpresa.— Fiz?Ele assentiu, mantendo os olhos na estrada.— Não deixou que te intimidassem. Respondeu na hora certa. Mostrou que não é só uma espectadora.Uma parte de mim se sentiu satisfeita ao ouvir aquilo. Desde que minha vida virara de cabeça para baixo, eu tentava encontrar meu lugar no meio de tudo. E, de algum modo, parecia que eu estava conseguindo.Mas antes que eu pudesse me deixar levar por esse pensamento, Leonardo completou:— Mas isso também te tornou um alvo.Meu corpo e
Os dias seguintes foram um teste silencioso de resistência. Desde a reunião, percebi que a tensão dentro da mansão havia aumentado. Guardas extras foram posicionados em pontos estratégicos, olhares desconfiados eram trocados entre os aliados de Leonardo, e conversas interrompiam-se abruptamente sempre que eu entrava em algum cômodo.Eu não era mais apenas a garota que estava no lugar errado na hora errada. Eu agora fazia parte daquele mundo, quer quisesse, quer não.E isso significava que eu precisava aprender rápido.★Naquela manhã, acordei com uma batida firme na porta.— Entre.A porta se abriu, e Enzo apareceu. Seu rosto carregava a mesma expressão séria de sempre, mas seus olhos analisaram-me com mais atenção do que o habitual.— Leonardo quer te ver no salão principal.— Agora? — perguntei, sentando-me na cama e tentando afastar o sono dos olhos.— Agora.Engoli em seco. Algo me dizia que aquilo não era apenas uma conversa casual.Levantei-me rapidamente, vesti uma calça jeans
Os dias de treinamento estavam cobrando seu preço. Meu corpo doía em lugares que eu nem sabia que existiam, e cada movimento parecia um lembrete de que minha vida nunca mais voltaria a ser a mesma. Mas, apesar do cansaço, algo dentro de mim crescia. Uma resistência. Uma força que eu não imaginava ter.Era assustador admitir que eu estava começando a gostar disso.Naquela manhã, fui despertada antes do amanhecer por uma batida insistente na porta.— Beatriz, acorde. — A voz de Enzo ecoou do outro lado.Minha cabeça ainda estava pesada de sono, mas me levantei rapidamente e vesti a primeira roupa confortável que encontrei. Quando abri a porta, Enzo já estava de braços cruzados, seu semblante carregado de urgência.— O que foi? — perguntei, ainda tentando afastar o sono.— Leonardo quer você lá fora. Agora.Aquilo era incomum. Nos últimos dias, ele vinha mantendo certa distância, deixando que seus homens me treinassem sem interferir muito. Algo estava diferente.Acelerei meus passos, seg
O som do tiro ainda ressoava na minha cabeça, como um eco interminável que se recusava a desaparecer. Meus dedos ainda estavam trêmulos ao redor da arma, e meu coração martelava tão forte que eu sentia cada batida reverberando pelo meu corpo.O homem à minha frente estava morto.Eu o matei.Minha respiração ficou irregular. O mundo ao meu redor parecia embaçado, como se tudo estivesse acontecendo embaixo d’água. O olhar de Leonardo estava sobre mim, mas eu não conseguia encará-lo. Nem a ele, nem a mais ninguém.O que eu havia feito?Minha mente tentava justificar, tentava me convencer de que aquele homem era um traidor, um criminoso, alguém que teria me matado sem hesitar se as posições estivessem invertidas. Mas nada disso importava.Eu cruzei uma linha da qual não havia volta.— Respire, Beatriz. — A voz de Leonardo era baixa, firme.Mas como ele esperava que eu simplesmente respirasse? Como se fosse algo natural, como se eu não tivesse acabado de tirar uma vida?Meu estômago se rev