A tensão da noite anterior ainda pairava sobre a mansão. Leonardo havia desaparecido pela madrugada, e eu passei as horas seguintes em claro, tentando processar tudo o que havia acontecido. O homem misterioso, a ameaça velada, a maneira como Leonardo se colocou entre nós... Nada daquilo fazia sentido, mas uma coisa era clara: eu estava mais envolvida do que deveria.
Levantei-me sentindo o corpo pesado pelo cansaço. O sol já despontava no horizonte quando decidi sair do quarto. As coisas pareciam mais calmas agora, os corredores vazios, o som distante de empregados retomando suas rotinas. Mas a sensação de que algo estava errado continuava me perseguindo.
Desci as escadas e fui até a cozinha, onde encontrei Carla, uma das funcionárias da casa, preparando o café da manhã.
— Bom dia, senhorita Beatriz — disse ela com um sorriso simpático.
— Bom dia, Carla. Leonardo está por aí?
Ela hesitou por um instante antes de responder.
— Ele saiu cedo, mas não disse para onde.
Aquilo não era novidade. Leonardo era um mistério ambulante, e agora, mais do que nunca, parecia determinado a manter suas cartas escondidas. Suspirei e aceitei a xícara de café que Carla me ofereceu, sentando-me à mesa da cozinha.
— Você está bem? — ela perguntou, observando-me com preocupação.
— Não sei — respondi sinceramente. — Acho que não.
Ela pareceu prestes a dizer algo, mas parou ao ouvir passos se aproximando. Virei-me e vi Marco, um dos homens de confiança de Leonardo, entrar na cozinha.
— Beatriz, venha comigo — ele ordenou, sua expressão séria.
Meu estômago se revirou, mas assenti, levantando-me. Segui Marco pelos corredores da mansão até uma sala que eu ainda não conhecia. Ao entrar, encontrei Leonardo de pé, olhando pela janela com as mãos nos bolsos.
— Você queria me ver? — perguntei, tentando manter a calma.
Ele se virou lentamente, seu olhar avaliando cada detalhe meu antes de finalmente falar.
— O que você fez ontem à noite foi imprudente, Beatriz.
Cruzei os braços, sentindo-me desafiada.
— Eu só queria saber a verdade.
Ele riu, mas não havia humor em seu tom.
— A verdade? A verdade pode te matar, Beatriz. Você não entende que há coisas que são melhor desconhecidas?
— E você acha que eu posso simplesmente ficar aqui, presa nessa casa, sem saber o que está acontecendo? — rebati.
Leonardo suspirou, passando a mão pelo rosto, claramente frustrado.
— Eu estou tentando te proteger.
— Talvez eu não queira ser protegida. Talvez eu só queira minha vida de volta.
Ele ficou em silêncio por um instante, seus olhos escuros analisando-me como se buscasse uma resposta que nem eu mesma tinha. Então, deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós.
— Se fosse possível, eu te devolveria sua vida agora mesmo. Mas não é. Você cruzou uma linha ontem, e agora aquele homem sabe quem você é. Ele sabe que você é importante para mim.
Meu coração disparou.
— Importante para você?
Ele fechou os olhos por um breve momento antes de dar um meio sorriso, sem humor.
— Importante no sentido de que agora você é um alvo.
A frieza de suas palavras me atingiu em cheio. Eu queria acreditar que havia algo mais naquilo, que Leonardo se importava comigo de alguma forma além da necessidade de manter sua autoridade. Mas ele deixava claro que me ver como um fardo era mais fácil.
Engoli o nó na garganta e desviei o olhar.
— Então o que acontece agora? — perguntei.
Leonardo hesitou antes de responder.
— Agora, você aprende a se proteger. Porque eu não posso prometer que estarei por perto o tempo todo.
Meus olhos se arregalaram.
— O quê? O que isso significa?
— Significa que, goste ou não, você está dentro desse jogo. E se quiser sobreviver, vai precisar aprender as regras.
Um arrepio percorreu minha espinha. Eu não tinha escolha. Minha vida nunca mais seria a mesma.
A revelação de Leonardo ainda ecoava na minha mente. “Agora, você aprende a se proteger.” Aquilo parecia uma sentença de morte disfarçada de conselho. Eu nunca havia segurado uma arma na vida, nunca havia brigado com ninguém além de discussões bobas com minha irmã quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sendo informada de que minha sobrevivência dependia de aprender as regras de um jogo que eu nunca pedi para participar.Eu deveria estar assustada. E estava. Mas havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar: raiva.Raiva porque minha vida havia sido arrancada de mim. Raiva porque Leonardo parecia pensar que podia decidir meu destino. Raiva porque, no fundo, uma parte de mim queria ficar.— Quando começamos? — Minha própria voz me surpreendeu.Leonardo arqueou a sobrancelha, analisando-me como se eu fosse um experimento que ele não sabia se daria certo.— Agora.Ele se virou e saiu da sala, esperando que eu o seguisse. Minhas pernas estavam pesadas, como se quisessem me trair e
EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.— Ele
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.
Depois daquele primeiro dia de treinamento, minha rotina mudou completamente.Não havia mais manhãs preguiçosas ou momentos de silêncio para pensar na vida que deixei para trás. Meu mundo agora era feito de tiros disparados contra alvos, socos mal calculados que doíam mais em mim do que em Enzo, e lições intermináveis sobre como ler as pessoas antes que elas pudessem me enganar.Leonardo observava tudo à distância.Ele nunca interferia nos meus treinamentos, nunca me corrigia ou incentivava. Mas eu sentia sua presença. Sempre que eu errava um tiro ou hesitava antes de atacar, sabia que ele estava lá, avaliando cada movimento.E, por algum motivo, isso me fazia querer me esforçar ainda mais.★Naquela noite, o jantar foi diferente.Eu já estava acostumada a comer sozinha ou ao lado de Enzo e alguns dos capangas de Leonardo. Mas, desta vez, quando entrei na sala de jantar, vi que só havia dois lugares postos à mesa.Leonardo estava sentado à cabeceira, um copo de vinho na mão, me observ
A viagem de volta para a mansão foi silenciosa. Leonardo dirigia com uma expressão impassível, os olhos fixos na estrada à frente. Eu, ao seu lado, tentava absorver tudo o que havia acontecido naquela reunião.Pela primeira vez, eu tinha estado no meio do jogo real, cercada por homens que controlavam o destino de muitos com um simples aperto de mãos. E, para minha surpresa, eu não havia desmoronado.Muito pelo contrário.— Você fez bem lá dentro.A voz de Leonardo quebrou o silêncio. Olhei para ele, surpresa.— Fiz?Ele assentiu, mantendo os olhos na estrada.— Não deixou que te intimidassem. Respondeu na hora certa. Mostrou que não é só uma espectadora.Uma parte de mim se sentiu satisfeita ao ouvir aquilo. Desde que minha vida virara de cabeça para baixo, eu tentava encontrar meu lugar no meio de tudo. E, de algum modo, parecia que eu estava conseguindo.Mas antes que eu pudesse me deixar levar por esse pensamento, Leonardo completou:— Mas isso também te tornou um alvo.Meu corpo e
Os dias seguintes foram um teste silencioso de resistência. Desde a reunião, percebi que a tensão dentro da mansão havia aumentado. Guardas extras foram posicionados em pontos estratégicos, olhares desconfiados eram trocados entre os aliados de Leonardo, e conversas interrompiam-se abruptamente sempre que eu entrava em algum cômodo.Eu não era mais apenas a garota que estava no lugar errado na hora errada. Eu agora fazia parte daquele mundo, quer quisesse, quer não.E isso significava que eu precisava aprender rápido.★Naquela manhã, acordei com uma batida firme na porta.— Entre.A porta se abriu, e Enzo apareceu. Seu rosto carregava a mesma expressão séria de sempre, mas seus olhos analisaram-me com mais atenção do que o habitual.— Leonardo quer te ver no salão principal.— Agora? — perguntei, sentando-me na cama e tentando afastar o sono dos olhos.— Agora.Engoli em seco. Algo me dizia que aquilo não era apenas uma conversa casual.Levantei-me rapidamente, vesti uma calça jeans
Os dias de treinamento estavam cobrando seu preço. Meu corpo doía em lugares que eu nem sabia que existiam, e cada movimento parecia um lembrete de que minha vida nunca mais voltaria a ser a mesma. Mas, apesar do cansaço, algo dentro de mim crescia. Uma resistência. Uma força que eu não imaginava ter.Era assustador admitir que eu estava começando a gostar disso.Naquela manhã, fui despertada antes do amanhecer por uma batida insistente na porta.— Beatriz, acorde. — A voz de Enzo ecoou do outro lado.Minha cabeça ainda estava pesada de sono, mas me levantei rapidamente e vesti a primeira roupa confortável que encontrei. Quando abri a porta, Enzo já estava de braços cruzados, seu semblante carregado de urgência.— O que foi? — perguntei, ainda tentando afastar o sono.— Leonardo quer você lá fora. Agora.Aquilo era incomum. Nos últimos dias, ele vinha mantendo certa distância, deixando que seus homens me treinassem sem interferir muito. Algo estava diferente.Acelerei meus passos, seg