Não sei dizer exatamente em que momento as coisas começaram a mudar. Talvez tenha sido naquela noite em que Leonardo entrou no meu quarto e deixou suas intenções claras: ele não toleraria traições. Ou talvez tenha sido o simples fato de eu estar convivendo com ele diariamente, mesmo que a maioria das nossas interações fossem cercadas por um misto de mistério e intenções não ditas. O fato é que, aos poucos, eu percebia que minha vida nunca mais seria a mesma.
Nos dias que se seguiram àquela conversa, minha "rotina" na mansão começou a se tornar, de certo modo, previsível. Acordava com o som suave de batidas na porta; um dos funcionários da casa trazia meu café da manhã, sempre impecável, em uma bandeja de prata. Passei a explorar o quarto em busca de algo que me fizesse sentir menos sufocada. Encontrei livros antigos em uma prateleira no canto, romances clássicos e alguns textos sobre filosofia. Era melhor do que ficar encarando as grades da janela.
Leonardo, no entanto, continuava a ser uma presença constante e desconcertante. Ele aparecia em momentos inesperados, sempre com aquele ar de quem sabia mais do que dizia. Ele fazia perguntas aparentemente simples – sobre minha família, meus gostos, meus sonhos – mas suas palavras tinham um peso que me fazia sentir que cada resposta era importante. E, como uma idiota, eu me pegava respondendo com sinceridade.
Naquela noite, uma semana após minha chegada, algo diferente aconteceu. Eu estava sentada na poltrona perto da janela, folheando um dos livros, quando ouvi passos no corredor. Não era tão incomum ouvir pessoas andando pela mansão, mas esses passos eram diferentes: eram leves, deliberados. Antes que pudesse me preparar, a porta se abriu e, claro, lá estava ele.
— Espero não estar interrompendo — disse Leonardo, encostando-se no batente da porta com aquele sorriso que me fazia querer socá-lo e, ao mesmo tempo, saber mais sobre ele.
— Na verdade, estava lendo. Mas, pelo visto, você faz o que quer, então...
Ele riu, entrando no quarto sem pedir permissão e se sentando na outra poltrona, de frente para mim.
— É bom ver que você está se adaptando. E o livro? Alguma coisa interessante?
Ergui o livro para que ele visse a capa: "O Grande Gatsby". Ele arqueou uma sobrancelha, parecendo genuinamente intrigado.
— Um clássico. Uma história sobre ambição, amor e destruição. Acha que tem algo a ver com sua situação?
— Bom, você é o homem rico e misterioso, e eu sou a intrusa no mundo dele. Talvez tenha algo em comum, sim.
Dessa vez, ele não riu. Em vez disso, me observou com atenção, como se estivesse tentando decifrar algo que eu não sabia que estava mostrando.
— Interessante. Mas, diferentemente de Gatsby, eu não corro atrás de sonhos impossíveis. Eu os torno realidade.
— Você realmente acredita nisso, não é? Que pode controlar tudo e todos ao seu redor.
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, e o tom de sua voz ficou mais sério.
— Beatriz, no meu mundo, controle é a única coisa que separa os vivos dos mortos. Você ainda não entende, mas vai entender.
Senti um arrepio percorrer minha espinha. Havia algo assustadoramente verdadeiro nas palavras dele. Mesmo assim, não consegui evitar provocá-lo.
— Então, o que você vai fazer? Me ensinar sobre controle? Me transformar em uma de vocês?
Ele sorriu novamente, mas dessa vez havia algo diferente em sua expressão – um misto de divertimento e algo mais sombrio.
— Talvez você tenha mais potencial do que imagina. Mas isso depende de você.
Antes que eu pudesse responder, ele se levantou e caminhou até a porta. Parou por um instante, como se fosse dizer algo, mas acabou saindo sem olhar para trás. Eu fiquei lá, com o coração disparado e a mente girando.
No dia seguinte, minha rotina sofreu mais uma quebra. Depois do café da manhã, um dos seguranças veio até o quarto para me levar até a sala principal. Quando cheguei lá, encontrei Leonardo sentado em um sofá, conversando com um homem mais velho, de olhar severo e cabelo grisalho. Assim que entrei, os dois pararam de falar, e Leonardo fez sinal para que eu me aproximasse.
— Beatriz, este é Carlo, meu conselheiro. Carlo, esta é Beatriz.
Carlo me analisou de cima a baixo, como se eu fosse algum tipo de anomalia.
— É um prazer... eu acho — disse ele, com a voz carregada de ceticismo.
— Carlo estava preocupado com sua presença aqui — explicou Leonardo, ignorando completamente o desconforto que a conversa causava em mim. — Mas eu disse a ele que você é diferente.
— Diferente como? — perguntei, cruzando os braços.
Leonardo inclinou a cabeça, sorrindo.
— Isso ainda estou tentando descobrir. Mas não se preocupe, Beatriz. Eu sempre encontro as respostas que procuro.
Eu queria gritar, exigir explicações, mas algo no olhar de Carlo me deteve. Ele não confiava em mim, isso era óbvio. E, de alguma forma, essa desconfiança me fez perceber que minha posição ali era muito mais precária do que eu imaginava.
Depois que Carlo saiu, Leonardo se virou para mim, com um sorriso mais leve.
— Não se preocupe com Carlo. Ele apenas gosta de jogar pelo seguro.
— E você? Não j**a pelo seguro?
Ele deu de ombros.
— Jogo para vencer.
Aquela resposta deveria ter me assustado, mas, estranhamente, ela apenas aumentou minha curiosidade. Quem era Leonardo, de verdade? E por que eu sentia que, quanto mais tentava me afastar dele, mais me aproximava desse jogo perigoso que ele parecia dominar?
Naquela noite, enquanto eu encarava o teto do quarto, uma coisa ficou clara: eu precisava encontrar uma maneira de recuperar algum controle sobre minha vida. Mas, para isso, eu teria que entender o mundo de Leonardo. E isso significava mergulhar ainda mais fundo no desconhecido.
Os dias passaram, e minha convivência com Leonardo tornou-se um jogo silencioso de provocações e mistérios. Eu sabia que ele estava tentando me estudar, me entender, como se eu fosse um quebra-cabeça que ele queria resolver. Mas a verdade era que eu também o observava. E quanto mais eu o fazia, mais percebia que, por trás da fachada de poder e controle, havia algo mais profundo, mais sombrio.Naquela noite, o silêncio da mansão foi quebrado por uma movimentação incomum. Eu estava deitada, olhando para o teto, quando ouvi passos apressados do lado de fora do quarto. Levantei-me imediatamente e fui até a porta, abrindo-a apenas o suficiente para ver o corredor. Três homens passaram por ali, armados, suas expressões tensas.Meu coração acelerou. Algo estava acontecendo.Antes que eu pudesse pensar no que fazer, Leonardo apareceu ao final do corredor. Diferente de sua postura habitual, ele parecia sério, determinado, como se estivesse prestes a entrar em uma batalha. Quando nossos olhares
A tensão da noite anterior ainda pairava sobre a mansão. Leonardo havia desaparecido pela madrugada, e eu passei as horas seguintes em claro, tentando processar tudo o que havia acontecido. O homem misterioso, a ameaça velada, a maneira como Leonardo se colocou entre nós... Nada daquilo fazia sentido, mas uma coisa era clara: eu estava mais envolvida do que deveria.Levantei-me sentindo o corpo pesado pelo cansaço. O sol já despontava no horizonte quando decidi sair do quarto. As coisas pareciam mais calmas agora, os corredores vazios, o som distante de empregados retomando suas rotinas. Mas a sensação de que algo estava errado continuava me perseguindo.Desci as escadas e fui até a cozinha, onde encontrei Carla, uma das funcionárias da casa, preparando o café da manhã.— Bom dia, senhorita Beatriz — disse ela com um sorriso simpático.— Bom dia, Carla. Leonardo está por aí?Ela hesitou por um instante antes de responder.— Ele saiu cedo, mas não disse para onde.Aquilo não era novida
A revelação de Leonardo ainda ecoava na minha mente. “Agora, você aprende a se proteger.” Aquilo parecia uma sentença de morte disfarçada de conselho. Eu nunca havia segurado uma arma na vida, nunca havia brigado com ninguém além de discussões bobas com minha irmã quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sendo informada de que minha sobrevivência dependia de aprender as regras de um jogo que eu nunca pedi para participar.Eu deveria estar assustada. E estava. Mas havia algo mais, algo que eu não conseguia ignorar: raiva.Raiva porque minha vida havia sido arrancada de mim. Raiva porque Leonardo parecia pensar que podia decidir meu destino. Raiva porque, no fundo, uma parte de mim queria ficar.— Quando começamos? — Minha própria voz me surpreendeu.Leonardo arqueou a sobrancelha, analisando-me como se eu fosse um experimento que ele não sabia se daria certo.— Agora.Ele se virou e saiu da sala, esperando que eu o seguisse. Minhas pernas estavam pesadas, como se quisessem me trair e
EMeu coração martelava no peito enquanto meus olhos não desgrudavam do homem amarrado à cadeira. O cheiro de sangue, misturado ao suor e ao medo impregnado no ar, fazia minha garganta se fechar. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando Leonardo estava ali, segurando a faca com uma naturalidade que me arrepiava.— Isso não é um jogo, Beatriz. — Sua voz era calma, mas carregada de um peso que me fazia sentir como se estivesse sufocando. — Se quiser sobreviver, precisa entender o que acontece quando alguém trai a confiança errada.O homem amarrado gemeu, balançando a cabeça freneticamente. Seu rosto estava inchado, o olho esquerdo completamente fechado devido à surra que havia levado. Seu lábio tremia, e quando olhei para suas mãos, vi que algumas unhas estavam arrancadas. O estômago revirou, e me forcei a respirar fundo.— O que ele fez? — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.Leonardo olhou para mim, avaliando minha reação, e depois se voltou para o homem.— Ele
O cheiro de sangue ainda impregnava minhas narinas quando saí daquela sala, mas era a sensação dentro de mim que me assustava mais do que qualquer outra coisa. Meu coração ainda batia forte, mas não por choque. Não por horror.Era algo diferente. Algo mais sombrio.A primeira vez que testemunhei Leonardo matar alguém, senti que meu mundo estava desmoronando. Mas agora… agora eu compreendia.Não era um jogo.Era sobrevivência.Caminhei pelos corredores da mansão, minha mente ainda processando tudo. Meus passos ecoavam pelo chão de mármore frio, e meu corpo parecia pesado, como se carregasse o peso de uma decisão que eu ainda não entendia completamente.Então, ouvi passos atrás de mim.Virei-me, e Leonardo estava lá. Ele sempre parecia estar.— Está fugindo? — sua voz era tranquila, mas seu olhar me avaliava como se tentasse decifrar cada pensamento meu.— Não. — Minha resposta foi firme.Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.— Então, por que saiu tão rápido?Parei por um instante, reuni
Eu sabia que pedir para Leonardo me ensinar significava cruzar uma linha da qual não poderia voltar. Mas, quando as palavras saíram da minha boca, não havia hesitação. Algo dentro de mim já havia aceitado a mudança, já havia entendido que meu destino não era mais meu para decidir.O problema era que Leonardo não fazia nada pela metade.No dia seguinte, acordei com uma batida na porta do meu quarto.— Levante-se. — A voz de Enzo soou do outro lado. — Você começa hoje.Meu coração pulou no peito.Joguei as cobertas para o lado e me levantei rapidamente. Meu corpo ainda estava cansado da noite anterior — a conversa com Leonardo ficou martelando na minha mente por horas antes que eu finalmente conseguisse dormir. Mas agora não havia tempo para dúvidas.Vesti uma calça jeans e uma blusa preta simples, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo antes de sair do quarto.Enzo estava me esperando no corredor, os braços cruzados e a expressão fechada.— Tem certeza de que quer fazer isso?Assenti.
Depois daquele primeiro dia de treinamento, minha rotina mudou completamente.Não havia mais manhãs preguiçosas ou momentos de silêncio para pensar na vida que deixei para trás. Meu mundo agora era feito de tiros disparados contra alvos, socos mal calculados que doíam mais em mim do que em Enzo, e lições intermináveis sobre como ler as pessoas antes que elas pudessem me enganar.Leonardo observava tudo à distância.Ele nunca interferia nos meus treinamentos, nunca me corrigia ou incentivava. Mas eu sentia sua presença. Sempre que eu errava um tiro ou hesitava antes de atacar, sabia que ele estava lá, avaliando cada movimento.E, por algum motivo, isso me fazia querer me esforçar ainda mais.★Naquela noite, o jantar foi diferente.Eu já estava acostumada a comer sozinha ou ao lado de Enzo e alguns dos capangas de Leonardo. Mas, desta vez, quando entrei na sala de jantar, vi que só havia dois lugares postos à mesa.Leonardo estava sentado à cabeceira, um copo de vinho na mão, me observ
A viagem de volta para a mansão foi silenciosa. Leonardo dirigia com uma expressão impassível, os olhos fixos na estrada à frente. Eu, ao seu lado, tentava absorver tudo o que havia acontecido naquela reunião.Pela primeira vez, eu tinha estado no meio do jogo real, cercada por homens que controlavam o destino de muitos com um simples aperto de mãos. E, para minha surpresa, eu não havia desmoronado.Muito pelo contrário.— Você fez bem lá dentro.A voz de Leonardo quebrou o silêncio. Olhei para ele, surpresa.— Fiz?Ele assentiu, mantendo os olhos na estrada.— Não deixou que te intimidassem. Respondeu na hora certa. Mostrou que não é só uma espectadora.Uma parte de mim se sentiu satisfeita ao ouvir aquilo. Desde que minha vida virara de cabeça para baixo, eu tentava encontrar meu lugar no meio de tudo. E, de algum modo, parecia que eu estava conseguindo.Mas antes que eu pudesse me deixar levar por esse pensamento, Leonardo completou:— Mas isso também te tornou um alvo.Meu corpo e