Sarah foi empurrada para o banco de trás de um carro que arrancou em alta velocidade. Cada solavanco na estrada era um lembrete cruel da situação em que ela havia sido colocada. Tudo parecia um pesadelo do qual não conseguia despertar.
Ela perdeu a noção do tempo. Sempre que tentava erguer o véu para ver onde estava, uma mão pesada a impedia. Quando tentava falar, uma voz áspera cortava o silêncio com um: — Cala a boca! Aquelas palavras ecoavam em sua mente como uma ameaça constante. Seus dedos tremiam, e as palmas estavam encharcadas de suor. — "Como isso aconteceu? Como cheguei a esse ponto?" — pensou. Aquele dia deveria ser especial — era o seu aniversário de 18 anos. Em vez disso, ela estava sendo arrastada para um destino incerto. Nem mesmo seu pai, que sempre prometera protegê-la, parecia se lembrar disso. — "Papai disse que me buscaria depois da cerimônia..." — pensou Sarah, sentindo o desespero crescer. — "Então, por que me deixou com esse homem horrível?" O carro finalmente parou, e a porta foi aberta bruscamente. Sarah mal teve tempo de reagir antes de ser puxada para fora. Seus joelhos cederam ao impacto contra o chão frio e áspero. Uma dor aguda percorreu seu tornozelo, e lágrimas brotaram em seus olhos, mas ela as conteve. — Levante-se! — a voz dele soou como um comando imperativo, carregada de impaciência. Sem dar espaço para qualquer resposta, ele a agarrou pelo braço e a puxou com força em direção à casa imponente que se erguia diante deles. Sarah tropeçou várias vezes enquanto subiam as escadas. Seu coração batia acelerado, mas o homem não parecia se importar. Ela tentou falar, tentou explicar, mas ele não dava sinais de que a ouvia. — Eu não sou a Anna! — Sarah tentou dizer, mas ele apenas apertou seu braço com mais força, impedindo-a de continuar. Cada passo era um esforço. Seus pensamentos corriam em círculos. — “Se ao menos ele parasse para ouvir... Eu poderia explicar tudo”! — a expressão fria e tensa dele dizia que isso não aconteceria. Ao chegarem a um quarto espaçoso, Sarah tentou mais uma vez argumentar: — Por favor, ouça! Isso foi um engano! Eu não sou quem você pensa, eu... Ele se virou rapidamente, com a expressão sombria. — Cale a boca! — Sua voz era firme, mas o tom carregava frustração e raiva contida — Você acha que eu não sei o que está acontecendo? Vocês planejaram tudo isso! Sarah sentiu o estômago revirar — "ele sabe? Como"? — Seu pai a entregou como se você fosse uma mercadoria — disse ele, com o tom carregado de sarcasmo — E você aceitou sem hesitar. Não finja que é inocente. — Isso não é verdade! Sarah rebateu — com a voz trêmula — eu não tive escolha... Thomas soltou uma risada fria, sem qualquer traço de humor. — Guarde sua desculpa para si mesma — Thomas deu um passo à frente, a voz se tornando mais sombria. — Tire a roupa e vá para a cama — a voz dele estava fria e autoritária — e pode deixar o véu, não precisa tirar. Sarah recuou, horrorizada. — Eu não vou fazer isso. Ele franziu o cenho, claramente irritado. — Faça o que eu digo. Não me faça perder o pouco de paciência que me resta. Sarah engoliu em seco, sentindo o medo se transformar em raiva. — Meu pai... Ele vai vir me buscar. Ele ergueu uma sobrancelha, cínico. — Seu pai? Aquele homem não vai voltar. Ele já conseguiu o que queria. As palavras caíram sobre Sarah como uma tempestade gelada. — “Eles me abandonaram?” Sarah não queria acreditar, mas a frieza nas ações de seu pai mais cedo fazia sentido agora. Ele suspirou, exausto. — Você pode tornar isso mais fácil ou mais difícil. Já perdi tempo demais com você. Sarah cruzou os braços, decidida a não ceder. Mas antes que pudesse reagir, ele a segurou pelos ombros e a empurrou na direção da cama. Suas mãos estavam firmes, mas não cruéis — ele parecia mais frustrado do que violento. O tempo pareceu desacelerar. Ele se aproximou, e Sarah soube, com uma clareza angustiante, que algo terrível estava prestes a acontecer. Ela tentou resistir, tentou gritar, mas o medo e a pressão daquele momento a deixaram paralisada. Seus músculos não respondiam como deveriam. Sentiu o peso sufocante da situação, e sua mente começou a se desligar da realidade. — “Isso não pode estar acontecendo... É um pesadelo... Só pode ser um pesadelo...” Sarah pensou, enquanto tudo ao seu redor parecia desvanecer. O tempo perdeu o significado — horas poderiam ter passado, ou poderia ser apenas minutos, ela não sabia dizer. Quando tudo terminou, ele se afastou em silêncio, com os olhos frios e vazios. Sarah sentiu o corpo pesado e dormente, a mente entorpecida pela tentativa desesperada de se proteger do que acabara de vivenciar. — Saia da minha casa antes do amanhecer — ele ordenou friamente — e não ouse aparecer na minha frente nunca mais. As palavras cortaram Sarah como lâminas. Quando ele finalmente saiu do quarto, a última centelha de força de Sarah também se apagou. Ela desabou no chão, o corpo tremendo incontrolavelmente. O ar parecia denso demais para respirar, e a única coisa que conseguiu foi se encolher contra a parede. — Papai... por favor... Vem me buscar... — murmurou, com um fio de voz. As palavras escaparam de seus lábios como uma súplica frágil e desesperada. Mas o eco de sua voz morreu no vazio do quarto. Não havia ninguém ali para ouvir. Com dificuldade, ela tentou se levantar, mas suas pernas estavam tão fracas que caiu novamente. Uma dor lancinante atravessou seu corpo, e ela abraçou os próprios joelhos, sentindo as lágrimas quentes deslizarem pelo rosto. Tudo o que conseguiu dizer, num sussurro abafado, foi: — Por que... ninguém me ajudou...? A noite foi longa e cruel. Sarah permaneceu imóvel, encarando o vazio. Em algum momento, não soube se desmaiou ou caiu em um sono pesado de exaustão. Quando o amanhecer começou a despontar no horizonte, a luz pálida da madrugada entrou pela janela. Sarah ainda estava no chão, tentando reunir forças para fugir — não apenas daquela casa, mas da sombra opressora que sua vida havia se tornado.Acordei com o coração disparado, o corpo latejando em cada centímetro. Cada fibra do meu ser parecia gritar em dor, mas não sabia dizer se a dor física superava o peso esmagador no peito.Ao abrir os olhos, vi rastros de sangue pelo chão. Eles começavam na cama e terminavam onde eu estava caída. O sangue — seco e fresco — era um lembrete cruel do que eu havia suportado. A cabeça latejava, e o ar parecia denso, carregado de desespero.— O que restou de mim depois disso? — perguntei a mim mesma, tentando encontrar uma fagulha de força dentro do caos.O menor movimento fazia a dor aumentar. Meu corpo inteiro parecia prestes a ceder, mas a mente estava em frenético alerta, dividida entre a necessidade de sobreviver e a tentação de desistir.— Se nem mesmo minha família é capaz de me amar, quem mais poderia? Talvez essa dor seja tudo o que me resta agora.Com um suspiro derrotado, apoiei-me nos braços trêmulos e me obriguei a levantar. Cada passo era como um golpe contra a exaustão, mas eu
No hotel onde passei a noite, fiquei horas encarando o teto, incapaz de dormir. Meus pensamentos estavam presos aos acontecimentos da noite anterior.Não havia como escapar da verdade: eu havia ultrapassado todos os limites.O arrependimento queimava em meu peito. Descontei minha frustração, minha raiva e meus ressentimentos naquela mulher — uma completa estranha que não fazia ideia da extensão dos meus problemas.Deixei o álcool comandar minhas ações, entorpecendo minha mente e destruindo qualquer resquício de racionalidade.Levantei-me com um suspiro pesado e decidi voltar para casa. Não era apenas para verificar se o portão estava destravado — o que de repente passou a me incomodar — mas para confrontar as consequências das minhas ações.Sabia que precisava pedir desculpas; meu comportamento havia sido inaceitável, mesmo que eu quisesse justificar para mim mesmo que ela era parte de um jogo que nunca pedi para jogar.Quando estacionei, algo estranho chamou minha atenção: uma corda
Após os eventos traumáticos que marcaram seu "casamento", Sarah foi encontrada desmaiada em uma rua deserta, próxima a um hospital.Estava à beira de um colapso, com o corpo frágil e ensanguentado mal reagindo aos estímulos. Ao ser levada às pressas para a emergência, os médicos logo perceberam que sua sobrevivência seria um verdadeiro milagre.Sem documentos ou identificação, Sarah foi registrada como "Senhorita NoName".Seu estado crítico exigia cuidados intensivos, mas a falta de um responsável para arcar com os custos fez com que fosse transferida para a Central Geral de Atendimento Voluntário — uma ala especial destinada a pacientes carentes, criada pelo próprio Dr. Thomas Lewantys.A Central de Atendimento Voluntário era o projeto mais ambicioso de Thomas, fruto de sua paixão por ajudar quem não tinha recursos.Ele idealizou a ala como uma forma de retribuir à sociedade, oferecendo tratamento digno a quem mais precisava. No entanto, apesar de ter salvado muitas vidas, a ala enfr
Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta.Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores.Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas.Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação.Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro.Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa.Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal.Quase três meses depois, Sarah começou a emerg
Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom
Nos primeiros dias, Sarah vagou pela casa de campo como uma sombra, explorando cada canto em busca de algo que lhe devolvesse a sensação de controle. As paredes em tons claros e a decoração elegante eram incapazes de mascarar o peso sufocante do confinamento.Ela passava longos minutos diante das janelas gradeadas, observando o mundo lá fora. Sonhava com o vento acariciando seu rosto e com a sensação de liberdade que agora parecia um sonho distante.— Eu costumava amar jardins — murmurou, passando a mão na barriga com delicadeza. — Um dia, nós dois vamos correr juntos por um...Com o passar dos dias, a solidão deu lugar a lembranças que ardiam como feridas abertas. As risadas compartilhadas com Anna quando na infância agora eram apenas ecos distantes de um tempo que parecia pertencer a outra vida.Sarah se lembrou de quando Anna era sua heroína, sua protetora contra os pesadelos e os temores infantis, antes de se transformar nessa figura fria e calculista.O silêncio opressivo da casa