No hotel onde passei a noite, fiquei horas encarando o teto, incapaz de dormir. Meus pensamentos estavam presos aos acontecimentos da noite anterior.
Não havia como escapar da verdade: eu havia ultrapassado todos os limites. O arrependimento queimava em meu peito. Descontei minha frustração, minha raiva e meus ressentimentos naquela mulher — uma completa estranha que não fazia ideia da extensão dos meus problemas. Deixei o álcool comandar minhas ações, entorpecendo minha mente e destruindo qualquer resquício de racionalidade. Levantei-me com um suspiro pesado e decidi voltar para casa. Não era apenas para verificar se o portão estava destravado — o que de repente passou a me incomodar — mas para confrontar as consequências das minhas ações. Sabia que precisava pedir desculpas; meu comportamento havia sido inaceitável, mesmo que eu quisesse justificar para mim mesmo que ela era parte de um jogo que nunca pedi para jogar. Quando estacionei, algo estranho chamou minha atenção: uma corda improvisada feita de lençóis pendia da sacada do meu quarto. — "O que essa mulher louca fez?" — pensei, franzindo a testa. Entrei na sala, e o caos me atingiu como um soco. Louças quebradas cobriam o chão, cacos de vidro se espalhavam pela cozinha e havia manchas de sangue... Um arrepio percorreu minha espinha. Determinado, avancei em direção ao quarto. Parei por um momento, tentando organizar meus pensamentos. — “Será que ela está tão machucada assim? Eu... Não fui tão agressivo, ou fui”? — a ideia me atingiu como um golpe. — “Não, isso deve ser alguma armação daquela mulher”— meus pensamentos tentavam justificar o injustificável. — “Ela deve estar fingindo. Querendo passar por virgenzinha” — mas uma parte de mim, uma que eu relutava em ouvir, murmurava outra coisa. — “Você perdeu o controle. Você não sabe exatamente o que fez”. Enquanto observava o estrago ao meu redor, uma onda de desespero me envolveu, minha mente se perdeu nos motivos que me levaram até ali. Tudo começou com aquele contrato insensato — uma decisão que eu jamais teria tomado, mas que meu pai fez questão de impor. Eu não queria esse compromisso. Estava noivo de Kathalina Dias, meu amor de infância. Nosso plano era simples: íamos casar assim que eu conquistasse o cargo de Médico-Chefe na rede hospitalar da minha família, uma posição que meu pai prometeu me ajudar a conseguir, desde que eu aceitasse me casar com Anna Campbell. Quando revelei o acordo a Kathalina, ela não conteve sua fúria. Entre gritos e acusações, disse que não suportaria esperar mais três anos e que eu havia destruído tudo o que sonhávamos juntos. Com o coração partido, ela partiu para o exterior com a família, deixando-me arrasado. Perdi não apenas minha noiva, mas também minha melhor amiga e confidente. Consumido por uma raiva ardente e um desespero profundo, fui até Anna Campbell, minha voz tremia enquanto eu implorava para que ela desistisse do acordo e seguisse seu próprio caminho, que deixássemos essa união forçada para trás. Ela apenas sorriu com desdém, seus olhos brilhando com uma satisfação gelada. — Meu pai me prometeu uma vida de princesa — declarou, com uma convicção implacável. — Este casamento é a chave para os meus sonhos. Não vou desistir. Se quiser, quebre o contrato você mesmo e enfrente as consequências... com seu pai. A ironia cortava fundo, como um golpe certeiro: tudo o que eu desejava parecia escorrer por entre meus dedos, enquanto um futuro imposto se erguia diante de mim como uma prisão inescapável. A sensação de impotência era avassaladora, como se um peso invisível comprimisse meu peito, dificultando até mesmo o ato de respirar. Lembrei-me de nossa discussão. Em um momento de fúria, eu a ameacei, afirmando que, se ela ousasse aparecer no cartório, faria da vida dela um inferno. Não imaginei que ela teria coragem de me desafiar. Mas ela enfrentou meu olhar com firmeza e, em tom glacial, respondeu: — Se você não quer isso, desista você mesmo. Dê o primeiro passo para recuar. Eu não recuei. Não podia abrir mão do cargo que esperei por tanto tempo. O cargo que me daria, finalmente, a chance de sair da sombra do meu pai e ser reconhecido pelo meu próprio mérito. Assim, ali estava eu, enredado em escolhas erradas, com a raiva, o álcool e a frustração como minhas únicas companhias — deixei que tudo desmoronasse. Olhei mais uma vez para o quarto devastado. O sangue na cama e no chão era um lembrete cruel das consequências da minha impulsividade. — "Se ela ainda estiver por perto, preciso garantir que receba ajuda" — pensei, tentando me convencer de que eu não era um monstro. Mas ela não estava mais. Não havia sinal algum. E, no fundo, isso me trouxe um alívio perturbador. Eu não queria olhar nos olhos dela novamente, não naquele momento. Precisava de tempo para lidar com o que eu havia feito — e com a pessoa que eu estava me tornando. Enquanto o caos ao meu redor se tornava um eco das minhas ações, a realidade se impôs de forma brutal. O sangue no chão era um lembrete constante do que eu havia perdido, não apenas em termos físicos, mas também da minha própria humanidade. A sensação de alívio perturbador que me invadia ao perceber que ela não estava mais presente não era um consolo, mas uma condenação ao meu caráter. A cada passo que dava no quarto, a dúvida se instalava: como eu poderia ter chegado a esse ponto? O peso do arrependimento se tornava insuportável, e eu sabia que precisava enfrentar as consequências da minha impulsividade. O que eu havia feito não poderia ser simplesmente esquecido ou ignorado; era um marco em minha vida que exigiria uma resposta. Com a mente turva e o coração pesado, percebi que o caminho à frente seria repleto de desafios. Eu havia cruzado uma linha que não poderia ser desfeita, e as repercussões de minhas escolhas começavam a se desenhar no horizonte. Precisava encontrar uma maneira de lidar com isso, de buscar redenção ou, pelo menos, compreensão. Enquanto deixava o apartamento em ruínas para trás, uma pergunta persistia: seria possível reconstruir o que havia sido destruído? O próximo capítulo da minha vida estava prestes a começar, mas ele seria marcado por sombras e incertezas. As decisões que tomasse agora moldariam não apenas meu futuro, mas também o destino daqueles que me cercavam. Assim, com um último olhar para o caos que deixei para trás, preparei-me para enfrentar as consequências. O próximo passo seria crucial — não apenas para mim, mas para todos os envolvidos na trama que eu mesmo ajudei a criar.Após os eventos traumáticos que marcaram seu "casamento", Sarah foi encontrada desmaiada em uma rua deserta, próxima a um hospital.Estava à beira de um colapso, com o corpo frágil e ensanguentado mal reagindo aos estímulos. Ao ser levada às pressas para a emergência, os médicos logo perceberam que sua sobrevivência seria um verdadeiro milagre.Sem documentos ou identificação, Sarah foi registrada como "Senhorita NoName".Seu estado crítico exigia cuidados intensivos, mas a falta de um responsável para arcar com os custos fez com que fosse transferida para a Central Geral de Atendimento Voluntário — uma ala especial destinada a pacientes carentes, criada pelo próprio Dr. Thomas Lewantys.A Central de Atendimento Voluntário era o projeto mais ambicioso de Thomas, fruto de sua paixão por ajudar quem não tinha recursos.Ele idealizou a ala como uma forma de retribuir à sociedade, oferecendo tratamento digno a quem mais precisava. No entanto, apesar de ter salvado muitas vidas, a ala enfr
Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta.Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores.Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas.Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação.Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro.Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa.Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal.Quase três meses depois, Sarah começou a emerg
Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom
Nos primeiros dias, Sarah vagou pela casa de campo como uma sombra, explorando cada canto em busca de algo que lhe devolvesse a sensação de controle. As paredes em tons claros e a decoração elegante eram incapazes de mascarar o peso sufocante do confinamento.Ela passava longos minutos diante das janelas gradeadas, observando o mundo lá fora. Sonhava com o vento acariciando seu rosto e com a sensação de liberdade que agora parecia um sonho distante.— Eu costumava amar jardins — murmurou, passando a mão na barriga com delicadeza. — Um dia, nós dois vamos correr juntos por um...Com o passar dos dias, a solidão deu lugar a lembranças que ardiam como feridas abertas. As risadas compartilhadas com Anna quando na infância agora eram apenas ecos distantes de um tempo que parecia pertencer a outra vida.Sarah se lembrou de quando Anna era sua heroína, sua protetora contra os pesadelos e os temores infantis, antes de se transformar nessa figura fria e calculista.O silêncio opressivo da casa
Anna ajustava cuidadosamente o ventre falso em frente ao espelho, inclinando a cabeça para verificar cada detalhe. O tecido esticado do vestido destacava a barriga de maneira convincente, e o reflexo que ela via era de perfeição calculada.Cada linha de expressão, cada gesto, estava ensaiado até o último detalhe.Ela sabia que não havia espaço para erros. Anna havia passado anos aperfeiçoando a arte da manipulação, mas sabia que Thomas não era um alvo fácil. Ele desconfiava de cada gesto dela, e isso tornava o jogo mais perigoso.— Thomas sempre foi desconfiado... — murmurou, alisando os cabelos impecavelmente penteados. — Mas todo mundo tem um ponto fraco. Ele também terá.— Eu só preciso que ele acredite... pelo menos por um tempo — murmurou, respirando fundo antes de sair.Um suspiro longo escapou de seus lábios. Anna sentiu o peso da situação, mas a ambição dentro dela era maior do que qualquer dúvida. Desde que começara a planejar essa farsa, não deixara nada ao acaso. Seus passo
Enquanto Anna deixava a sala, Thomas apertou as têmporas com os dedos, tentando organizar os pensamentos.Thomas permanecia na sala de reuniões, os olhos fixos nos papéis à sua frente, mas incapaz de se concentrar. Algo no comportamento de Anna o incomodava mais do que de costume. Ele sabia que ela era manipuladora, mas havia uma insistência nela que parecia diferente dessa vez.— Ela é uma mentirosa... mas, e se...? — O pensamento o atormentava. Seu histórico com Anna era repleto de mentiras e manipulações; ele sabia que havia algo obscuro naquela história.— Preciso ser cauteloso... — murmurou. — Se for verdade, eu vou lidar com isso. Mas se for mentira... Fechou os olhos por um momento, tentando afastar a dúvida. Independentemente da verdade, sabia que precisava estar preparado para o pior.Thomas se recostou na cadeira, os olhos fixos nos papéis à sua frente. Ele sabia que Anna não desistiria tão fácil.— Eu não vou ser manipulado por ela nunca mais.Enquanto Thomas retornava ao t