Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.
Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta. Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores. Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas. Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação. Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro. Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa. Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal. Quase três meses depois, Sarah começou a emergir do estado de letargia. Seu corpo permanecia frágil, mas ela se mostrava cada vez mais responsiva. Arthur celebrou cada pequena conquista — desde a primeira colherada de uma refeição sólida até as poucas palavras trocadas. Foi durante um exame de rotina que a verdade emergiu: Sarah estava grávida. Arthur hesitou antes de revelar a notícia. Sabia que a gravidez, possivelmente fruto de um ato brutal, poderia causar ainda mais sofrimento à jovem. Mas esconder algo assim seria impensável. Quando Arthur finalmente contou a Sarah, o impacto foi devastador. O olhar antes vazio ganhou um brilho trágico, uma mescla de choque e desespero. Sem emitir som, as lágrimas escorreram por seu rosto, um fluxo contínuo de dor. — Um filho... — murmurou, a voz se esvaindo como um suspiro. — Como isso é possível? — Sarah franziu a testa, tentando vasculhar a própria memória, mas a confusão era mais forte do que sua capacidade de organizar os pensamentos. — Por que não consigo lembrar? Por que tudo dói tanto? Arthur pousou a mão em seu ombro com um toque gentil, transmitindo empatia. — Considerando as circunstâncias... existe a possibilidade de interromper a gravidez — disse Arthur com cuidado. Antes que ele pudesse continuar, Sarah levantou a mão em um gesto firme, interrompendo-o. — Não. Não quero ouvir isso — respondeu ela com uma voz fraca, mas cheia de convicção. Sarah hesitou... pensou... pensou, buscando cuidadosamente as palavras. — Se há algo que ainda me pertence, é o direito de decidir sobre a minha vida — disse ela, com os olhos marejados. — Essa é a minha escolha. Este bebê faz parte de mim... eu não posso simplesmente tirá-lo. Não sei se conseguiria. Algo mudou em Sarah a partir daquele momento. O que antes era um sentimento de rejeição ao próprio corpo deu lugar a uma aceitação hesitante e cautelosa. Nas noites silenciosas do hospital, Sarah repousava as mãos sobre o ventre, tentando imaginar o futuro. Arthur observava a transformação com uma mistura de alívio e preocupação. — Você é mais forte do que imagina. Não é todo mundo que enfrentaria o que você passou e ainda teria forças para lutar — disse Arthur durante uma consulta. — Eu não sou forte — respondeu Sarah, desviando o olhar. — Eu só... preciso sobreviver. Não por mim, mas por ele. Alguns dias após decidir manter a gravidez, Sarah começou a ter flashes de memória. No início, eram imagens fragmentadas. Essas lembranças a assombravam, invadindo seus sonhos e tornando as noites ainda mais difíceis de suportar. Uma noite, enquanto Arthur fazia sua ronda, encontrou Sarah acordada, o olhar perdido no vazio. — Não consigo parar de pensar nisso — murmurou ela, com a voz embargada. — Tem algo que estou esquecendo... algo importante. Arthur se sentou ao lado dela, deixando um silêncio confortável preencher o espaço antes de perguntar: — Quer me contar o que lembra? Ela hesitou, fechando os olhos como se tentasse forçar as imagens a se alinharem. — Eu lembro de alguém me chamando pelo nome... ‘Anna’, mas a voz era fria, ameaçadora. Havia... uma discussão, e depois um impacto. Depois disso, tudo se apaga. Arthur percebeu o peso que aquelas memórias começavam a exercer sobre ela, mas sabia que pressioná-la poderia ser prejudicial. — A mente às vezes bloqueia aquilo que não estamos prontos para enfrentar — disse ele, com o tom sereno que lhe era característico. — Mas essas memórias voltarão no momento certo. Até lá, concentre-se no presente, no que você pode controlar agora. Sarah acenou com a cabeça, embora sua expressão continuasse tensa. A confusão das memórias fazia com que ela questionasse tudo — sua identidade, o motivo de estar ali, e até mesmo a segurança daquele lugar. Arthur a observou, reconhecendo que aquele era apenas o começo de uma longa e árdua jornada — não apenas de recuperação física, mas de reconstrução de uma vida quebrada e cercada de mistérios.Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom
Nos primeiros dias, Sarah vagou pela casa de campo como uma sombra, explorando cada canto em busca de algo que lhe devolvesse a sensação de controle. As paredes em tons claros e a decoração elegante eram incapazes de mascarar o peso sufocante do confinamento.Ela passava longos minutos diante das janelas gradeadas, observando o mundo lá fora. Sonhava com o vento acariciando seu rosto e com a sensação de liberdade que agora parecia um sonho distante.— Eu costumava amar jardins — murmurou, passando a mão na barriga com delicadeza. — Um dia, nós dois vamos correr juntos por um...Com o passar dos dias, a solidão deu lugar a lembranças que ardiam como feridas abertas. As risadas compartilhadas com Anna quando na infância agora eram apenas ecos distantes de um tempo que parecia pertencer a outra vida.Sarah se lembrou de quando Anna era sua heroína, sua protetora contra os pesadelos e os temores infantis, antes de se transformar nessa figura fria e calculista.O silêncio opressivo da casa
Anna ajustava cuidadosamente o ventre falso em frente ao espelho, inclinando a cabeça para verificar cada detalhe. O tecido esticado do vestido destacava a barriga de maneira convincente, e o reflexo que ela via era de perfeição calculada.Cada linha de expressão, cada gesto, estava ensaiado até o último detalhe.Ela sabia que não havia espaço para erros. Anna havia passado anos aperfeiçoando a arte da manipulação, mas sabia que Thomas não era um alvo fácil. Ele desconfiava de cada gesto dela, e isso tornava o jogo mais perigoso.— Thomas sempre foi desconfiado... — murmurou, alisando os cabelos impecavelmente penteados. — Mas todo mundo tem um ponto fraco. Ele também terá.— Eu só preciso que ele acredite... pelo menos por um tempo — murmurou, respirando fundo antes de sair.Um suspiro longo escapou de seus lábios. Anna sentiu o peso da situação, mas a ambição dentro dela era maior do que qualquer dúvida. Desde que começara a planejar essa farsa, não deixara nada ao acaso. Seus passo
Enquanto Anna deixava a sala, Thomas apertou as têmporas com os dedos, tentando organizar os pensamentos.Thomas permanecia na sala de reuniões, os olhos fixos nos papéis à sua frente, mas incapaz de se concentrar. Algo no comportamento de Anna o incomodava mais do que de costume. Ele sabia que ela era manipuladora, mas havia uma insistência nela que parecia diferente dessa vez.— Ela é uma mentirosa... mas, e se...? — O pensamento o atormentava. Seu histórico com Anna era repleto de mentiras e manipulações; ele sabia que havia algo obscuro naquela história.— Preciso ser cauteloso... — murmurou. — Se for verdade, eu vou lidar com isso. Mas se for mentira... Fechou os olhos por um momento, tentando afastar a dúvida. Independentemente da verdade, sabia que precisava estar preparado para o pior.Thomas se recostou na cadeira, os olhos fixos nos papéis à sua frente. Ele sabia que Anna não desistiria tão fácil.— Eu não vou ser manipulado por ela nunca mais.Enquanto Thomas retornava ao t
Anna observava seu reflexo no espelho com um sorriso malicioso. Vestida com um roupão de seda cintilante, seus olhos brilhavam com uma mistura de ambição e arrogância. A gravidez falsa que proclamava viver era a chave para o futuro que sempre desejou.— Thomas Lewantys... — murmurou, ajeitando os cabelos com delicadeza. — Em breve, todos me conhecerão como "Sra. Lewantys". O nome tem um peso, um poder... e ele será meu. Nada pode dar errado agora.Anna sempre se viu como uma estrela destinada ao brilho, mas frequentemente ofuscada. Sete anos mais velha que Sarah, cresceu ouvindo elogios que, com o tempo, perderam a intensidade, deixando apenas expectativas frustradas. Quando decidiu cursar medicina, não foi pela paixão, mas pela promessa de status que a carreira oferecia.Durante a faculdade, seu desempenho foi mediano, mas Anna compensava suas limitações acadêmicas com charme e manipulação. Aproveitava cada oportunidade para atrair as pessoas certas, mantendo-se relevante, mesmo sem
Embora se sentisse invencível, Anna sabia que Sarah representava uma ameaça silenciosa. Não tinha certeza se a irmã sabia de seus planos, mas sua simples existência era um risco.— Eu a deixei isolada naquela casa de campo por uma razão, — refletiu. — Ela está frágil e sem forças. Não vai escapar até que eu decida o que fazer.Porém, algo a incomodava. Durante sua última visita, notou algo diferente em Sarah. Apesar da aparência debilitada, havia um brilho nos olhos dela, uma determinação inquietante.— Ela não pode estar planejando algo... pode?Para garantir que seus planos continuassem intactos, Anna decidiu intensificar o isolamento da irmã. Na próxima visita, encontrou Sarah sentada na janela contemplando o jardim com os olhos fixos no horizonte.— Você deveria descansar mais, Sarah, — disse Anna, em um tom casual, mas cheio de subtexto. — O bebê precisa de você saudável.Sarah ergueu o olhar lentamente, um sorriso leve, mas desafiador, brincando em seus lábios.— Não se preocupe