Após os eventos traumáticos que marcaram seu "casamento", Sarah foi encontrada desmaiada em uma rua deserta, próxima a um hospital.
Estava à beira de um colapso, com o corpo frágil e ensanguentado mal reagindo aos estímulos. Ao ser levada às pressas para a emergência, os médicos logo perceberam que sua sobrevivência seria um verdadeiro milagre. Sem documentos ou identificação, Sarah foi registrada como "Senhorita NoName". Seu estado crítico exigia cuidados intensivos, mas a falta de um responsável para arcar com os custos fez com que fosse transferida para a Central Geral de Atendimento Voluntário — uma ala especial destinada a pacientes carentes, criada pelo próprio Dr. Thomas Lewantys. A Central de Atendimento Voluntário era o projeto mais ambicioso de Thomas, fruto de sua paixão por ajudar quem não tinha recursos. Ele idealizou a ala como uma forma de retribuir à sociedade, oferecendo tratamento digno a quem mais precisava. No entanto, apesar de ter salvado muitas vidas, a ala enfrentava dificuldades devido às limitações financeiras e às políticas administrativas. Thomas não visitava a ala voluntária havia semanas, sobrecarregado pelas demandas administrativas e pelos dramas pessoais que a carreira lhe impunha. A responsabilidade pela unidade estava sob os cuidados do Dr. Arthur, seu melhor amigo e colega desde a faculdade. Arthur era dedicado e meticuloso, mas sabia que o caso de Sarah era excepcionalmente delicado. Após a noite conturbada, Thomas tentou sufocar suas angústias com trabalho. Porém, ao voltar para casa e encarar a desordem que havia causado, a realidade o atingiu como um golpe. O quarto devastado, o sangue nos lençóis e os vestígios de destruição pela casa eram provas silenciosas de sua culpa. Por mais que tentasse racionalizar suas ações, ele sabia que havia cruzado todos os limites. — “Eu preciso compensá-la de alguma maneira, não é como se eu pudesse apenas me desculpar”, pensou. Mas a ideia parecia inútil; seria apenas um gesto vazio. Precisava focar no trabalho, algo que sempre o ajudava a manter a mente ocupada. Com isso em mente, decidiu visitar a ala voluntária do hospital. Lá, poderia aliviar sua mente ajudando quem mais precisava e, quem sabe, encontrar um pouco de redenção. No dia seguinte ao resgate de Sarah, Thomas decidiu ir à ala voluntária. Precisava desesperadamente de algo que distraísse sua mente dos eventos caóticos que o consumiam. — Ora, ora quem é vivo sempre aparece! — exclamou o Dr. Arthur ao ver Thomas entrar, sua voz ressoando com uma energia acolhedora que se destacava em meio ao peso que Thomas carregava nos ombros. — Olá, Arthur. O que temos para hoje? — respondeu Thomas, tentando soar animado, mas o sorriso forçado não conseguia esconder a inquietação que transbordava de seus olhos. Arthur o conhecia bem demais para se deixar enganar por aquele disfarce frágil. — Calma, amigo. Antes de mais nada, me conta: e a Dra. Kathalina? Você mencionou um plano para trazê-la de volta do exterior. Funcionou? Thomas desviou o olhar, sua expressão endurecendo. O assunto era como uma ferida exposta que ele se recusava a tocar. — Prefiro não falar sobre isso agora — Thomas disse, com a voz baixa, quase um sussurro. Depois de um instante de silêncio constrangedor, ele respirou fundo, tentando retomar o controle. — Vamos ao trabalho. Arthur hesitou, mas percebeu que insistir só ampliaria o desconforto. Com um aceno leve, guiou Thomas em direção às tarefas do dia, enquanto um silêncio carregado pairava entre eles. Mudando de assunto, Thomas perguntou, com uma urgência que não conseguiu esconder. — Qual é o caso mais crítico de hoje? Arthur suspirou, relutante, mas cedeu à pressão do amigo. — Temos muitos casos complicados, mas há uma paciente que tem chamado atenção de todos. Arthur continuou, agora com um tom mais sério: — É uma jovem... muito bonita, mas em estado crítico. Foi encontrada inconsciente perto do hospital, com uma hemorragia severa e sinais claros de violência. Houve uma pausa breve, quase como se Arthur precisasse reunir forças para continuar. — Uma das nossas colegas ficou tão sensibilizada que mobilizou doadores pelas redes sociais e conseguiu bolsas de sangue suficientes para estabilizá-la, ao menos por enquanto. Mas... a recuperação ainda é incerta. Enquanto ouvia, um calafrio percorreu o corpo de Thomas. Algo nas palavras de Arthur o inquietava profundamente, como se uma sombra do passado o espreitasse naquele momento. Ele hesitou, o olhar distante, antes de dizer com determinação: — Tudo bem. Vamos vê-la. Enquanto seguiam pelo corredor, um pressentimento sombrio crescia dentro dele. Quando entrou no quarto, Thomas parou abruptamente. O cabelo ruivo da mulher se espalhava pelo travesseiro, um contraste gritante contra sua pele pálida. Ele sentiu uma estranha mistura de alívio e apreensão. — Ainda bem que não é a ‘aquela mulher’. Anna tem cabelos escuros. Mesmo assim, algo o fez se aproximar. Observou os hematomas em seu rosto e corpo, e a ferida evidente em sua boca, que parecia ter sido mordida com violência. — Alguém já veio procurá-la? A polícia foi informada? — perguntou Thomas, tentando manter o tom profissional. — Sim. Mas, sem identificação ou familiares, o caso está estagnado, Thomas passou a mão pela cabeça, frustrado. Fez um carinho hesitante na testa da mulher. — “Como alguém pode chegar a esse ponto”? Pensou, sentindo um peso no peito. As memórias da noite anterior vieram à tona, e ele lutou para afastá-las. Não podia deixar de se perguntar: — “O que fiz àquela mulher ontem... não foi algo semelhante? Não importa o que pensei dela ou o que me falaram sobre ela, eu cruzei a linha”. Thomas ficou observando por mais alguns instantes, uma estranha inquietação tomando conta de si. Mas ele não permaneceu por muito tempo. Outras prioridades o chamavam, e ele deixou o caso aos cuidados de Arthur, confiante de que seu amigo faria o melhor. — Arthur, faça o que puder por ela. Se houver alguma chance, mínima que seja, continue o tratamento — disse Thomas, antes de sair do quarto. Na sala de Arthur, Thomas parecia alheio ao ambiente. — Não sei se posso continuar vindo aqui, disse finalmente. — Vou assumir o lugar do meu pai no hospital central em breve. Não terei tempo para me dedicar a este setor. Arthur assentiu, compreendendo o peso da responsabilidade que recaía sobre o amigo. — E quanto à Senhorita NoName? Deixa o caso em minhas mãos? — Sim, siga o protocolo — respondeu Thomas. — Se for necessário transferi-la para o atendimento público, faça isso. Conhecemos as limitações do programa e os critérios de sobrevida. Apenas aja com justiça. Enquanto saía, Thomas sabia que a visita à ala voluntária não havia trazido a paz que esperava. Pelo contrário, tinha apenas despertado ainda mais uma consciência que ele preferia enterrar.Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta.Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores.Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas.Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação.Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro.Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa.Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal.Quase três meses depois, Sarah começou a emerg
Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom
Nos primeiros dias, Sarah vagou pela casa de campo como uma sombra, explorando cada canto em busca de algo que lhe devolvesse a sensação de controle. As paredes em tons claros e a decoração elegante eram incapazes de mascarar o peso sufocante do confinamento.Ela passava longos minutos diante das janelas gradeadas, observando o mundo lá fora. Sonhava com o vento acariciando seu rosto e com a sensação de liberdade que agora parecia um sonho distante.— Eu costumava amar jardins — murmurou, passando a mão na barriga com delicadeza. — Um dia, nós dois vamos correr juntos por um...Com o passar dos dias, a solidão deu lugar a lembranças que ardiam como feridas abertas. As risadas compartilhadas com Anna quando na infância agora eram apenas ecos distantes de um tempo que parecia pertencer a outra vida.Sarah se lembrou de quando Anna era sua heroína, sua protetora contra os pesadelos e os temores infantis, antes de se transformar nessa figura fria e calculista.O silêncio opressivo da casa
Anna ajustava cuidadosamente o ventre falso em frente ao espelho, inclinando a cabeça para verificar cada detalhe. O tecido esticado do vestido destacava a barriga de maneira convincente, e o reflexo que ela via era de perfeição calculada.Cada linha de expressão, cada gesto, estava ensaiado até o último detalhe.Ela sabia que não havia espaço para erros. Anna havia passado anos aperfeiçoando a arte da manipulação, mas sabia que Thomas não era um alvo fácil. Ele desconfiava de cada gesto dela, e isso tornava o jogo mais perigoso.— Thomas sempre foi desconfiado... — murmurou, alisando os cabelos impecavelmente penteados. — Mas todo mundo tem um ponto fraco. Ele também terá.— Eu só preciso que ele acredite... pelo menos por um tempo — murmurou, respirando fundo antes de sair.Um suspiro longo escapou de seus lábios. Anna sentiu o peso da situação, mas a ambição dentro dela era maior do que qualquer dúvida. Desde que começara a planejar essa farsa, não deixara nada ao acaso. Seus passo
Enquanto Anna deixava a sala, Thomas apertou as têmporas com os dedos, tentando organizar os pensamentos.Thomas permanecia na sala de reuniões, os olhos fixos nos papéis à sua frente, mas incapaz de se concentrar. Algo no comportamento de Anna o incomodava mais do que de costume. Ele sabia que ela era manipuladora, mas havia uma insistência nela que parecia diferente dessa vez.— Ela é uma mentirosa... mas, e se...? — O pensamento o atormentava. Seu histórico com Anna era repleto de mentiras e manipulações; ele sabia que havia algo obscuro naquela história.— Preciso ser cauteloso... — murmurou. — Se for verdade, eu vou lidar com isso. Mas se for mentira... Fechou os olhos por um momento, tentando afastar a dúvida. Independentemente da verdade, sabia que precisava estar preparado para o pior.Thomas se recostou na cadeira, os olhos fixos nos papéis à sua frente. Ele sabia que Anna não desistiria tão fácil.— Eu não vou ser manipulado por ela nunca mais.Enquanto Thomas retornava ao t
Anna observava seu reflexo no espelho com um sorriso malicioso. Vestida com um roupão de seda cintilante, seus olhos brilhavam com uma mistura de ambição e arrogância. A gravidez falsa que proclamava viver era a chave para o futuro que sempre desejou.— Thomas Lewantys... — murmurou, ajeitando os cabelos com delicadeza. — Em breve, todos me conhecerão como "Sra. Lewantys". O nome tem um peso, um poder... e ele será meu. Nada pode dar errado agora.Anna sempre se viu como uma estrela destinada ao brilho, mas frequentemente ofuscada. Sete anos mais velha que Sarah, cresceu ouvindo elogios que, com o tempo, perderam a intensidade, deixando apenas expectativas frustradas. Quando decidiu cursar medicina, não foi pela paixão, mas pela promessa de status que a carreira oferecia.Durante a faculdade, seu desempenho foi mediano, mas Anna compensava suas limitações acadêmicas com charme e manipulação. Aproveitava cada oportunidade para atrair as pessoas certas, mantendo-se relevante, mesmo sem