Acordei com o coração disparado, o corpo latejando em cada centímetro. Cada fibra do meu ser parecia gritar em dor, mas não sabia dizer se a dor física superava o peso esmagador no peito.
Ao abrir os olhos, vi rastros de sangue pelo chão. Eles começavam na cama e terminavam onde eu estava caída. O sangue — seco e fresco — era um lembrete cruel do que eu havia suportado. A cabeça latejava, e o ar parecia denso, carregado de desespero. — O que restou de mim depois disso? — perguntei a mim mesma, tentando encontrar uma fagulha de força dentro do caos. O menor movimento fazia a dor aumentar. Meu corpo inteiro parecia prestes a ceder, mas a mente estava em frenético alerta, dividida entre a necessidade de sobreviver e a tentação de desistir. — Se nem mesmo minha família é capaz de me amar, quem mais poderia? Talvez essa dor seja tudo o que me resta agora. Com um suspiro derrotado, apoiei-me nos braços trêmulos e me obriguei a levantar. Cada passo era como um golpe contra a exaustão, mas eu sabia que ficar ali significava aceitar o destino que me fora imposto. E isso, eu não podia permitir. Enquanto me movia pelo quarto, percebi o cenário devastador ao meu redor. O vestido rasgado, as roupas íntimas destruídas, e os respingos de sangue pintavam uma cena que me fazia estremecer. — Eu preciso sair daqui... agora. Cambaleando, alcancei o banheiro e improvisei um curativo com uma toalha pequena para conter o sangramento. Cada gesto era acompanhado por uma pontada de dor que ameaçava me derrubar, mas eu me recusava a ceder. Minhas pernas tremiam, e o desespero crescia a cada segundo. — Nem sei se quero viver... mas essa não é uma decisão para agora. Primeiro, preciso sair daqui. Revirei o armário do quarto, procurando algo para vestir. Entre as roupas masculinas, encontrei uma camisa jeans larga e um agasalho que me serviram como um vestido improvisado. Rasguei o tecido do vestido destruído para improvisar um curativo e conter o fluxo de sangue, já que minhas roupas íntimas estavam completamente destruídas. Ignorando as memórias aterradoras da noite anterior. Rasguei o tecido ainda mais, amarrando-o firmemente para segurar a toalha e reforçar o curativo, que estancava a hemorragia. — "Ele me trouxe para o quarto dele? Será que essa brutalidade é algo normal para ele"? — “A ideia me enchia de horror”. Ao descer as escadas, cada degrau parecia um desafio insuperável. Mas o que me impulsionava era a certeza de que precisava escapar daquela casa. Minha mente não parava de ecoar as memórias traumáticas da noite anterior, cada uma mais cruel que a outra. — "Eu não posso parar... Não estou com documentos, nem celular. Preciso encontrar uma saída" — pensei, sentindo a solidão me envolver como um manto pesado. A sensação de estar abandonada era esmagadora. Eu me sentia como uma sombra perdida, sem apoio da família e sem saber como prosseguir. Cada passo era uma luta contra a desesperança. A violência que havia sofrido ecoava em minha mente; cada lembrança era uma facada que me lembrava da fragilidade da minha situação. O medo me paralisava, e a ideia de não ter ninguém em quem confiar tornava tudo ainda mais insuportável. Cada passo que eu dava parecia um esforço sobre-humano. Eu precisava encontrar uma saída antes que a escuridão me engolisse completamente. A angústia de não entender por que tudo isso havia acontecido com minha vida me consumia. A única certeza que eu tinha era a necessidade urgente de escapar daquele lugar e encontrar um caminho de volta para mim mesma. A casa era grandiosa, mas cada detalhe exalava uma frieza impessoal. Ao chegar à cozinha, abri a geladeira e peguei uma garrafa de água, bebendo com avidez. No entanto, ao deixar o copo escorregar das mãos, o som dos cacos se espalhando pelo chão foi estranhamente libertador. Com um ímpeto de desespero, comecei a vasculhar os armários, quebrando objetos sem pensar enquanto buscava algo útil. Pisei em alguns cacos, sentindo a dor aguda me ferir ainda mais, mas isso parecia insignificante diante da necessidade de escapar daquela prisão. Foi então que encontrei uma maleta médica, e meu coração disparou. A revelação me atingiu como um soco no estômago. — Ele é médico! — pensei, enquanto a ironia da situação se instalava em minha mente como um veneno. Como alguém com tal conhecimento poderia ser capaz de infligir tanta dor? Ao abri-la, meus olhos pousaram em uma ampola de ácido aminocapróico, um remédio usado para conter hemorragias. — Vou usar — pensei. Com mãos trêmulas, apliquei o medicamento com precisão, agradecendo mentalmente pelas lições básicas de medicina que um dia aprendi. O alívio foi imediato, mas eu sabia que era apenas temporário. — O suficiente para sair daqui — murmurei para mim mesma. Tentei a porta da frente, mas estava trancada. As janelas tinham grades, e a frustração ameaçava me consumir. Subi para o quarto novamente, peguei lençóis do armário e improvisei uma corda. Com dor e exaustão, amarrei tudo com firmeza e desci pela lateral da casa. Quando meus pés tocaram o chão do jardim, senti uma fagulha de esperança. O jardim era deslumbrante, com flores vibrantes que contrastavam com a escuridão que me envolvia. Ignorei a beleza ao meu redor e caminhei até a garagem. Entre os carros luxuosos e a moto estacionada, escolhi a última. Liguei o motor com habilidade — um vislumbre de esperança iluminou minha mente enquanto acelerava pela estrada. O painel de controle do portão, para minha surpresa, abriu na primeira tentativa, estava destravado. — “Você realmente não é tão esperto assim, hein”? Cada quilômetro que percorria era uma vitória, mas a dor de cada ferida pulsava como uma lembrança cruel do que eu estava deixando para trás. Quando um carro em alta velocidade quase me atingiu, fui forçada a parar. O tremor do meu corpo denunciava o limite da minha resistência. — Seguir em frente. Sobreviver. Isso é tudo o que importa agora. Acelerei novamente, determinada a não olhar para trás. Deixei para trás não apenas uma casa, mas um pesadelo que ameaçava consumir minha alma. Enquanto dirigia, imagens fragmentadas invadiram minha mente. O sangue no chão, os ecos de dor e a presença esmagadora dele. Mas, em meio à confusão, surgiu uma ideia perturbadora: eu mal reconhecia quem eu era agora. Olhei rapidamente para o retrovisor e vi meus olhos cansados, o rosto marcado pela dor e o semblante endurecido. A mulher que encarava de volta não era mais a Sarah que eu conhecia. Ela era uma sósia, moldada pela violência e pela necessidade de sobreviver. — Quem sou eu agora? — perguntei a mim mesma. A resposta parecia estar além do alcance, enterrada sob camadas de traumas e cicatrizes. Enquanto acelerava em direção ao desconhecido, sabia que não estava apenas fugindo dele — estava fugindo da mulher que eu temia me tornar. E, ao mesmo tempo, correndo para reencontrar a mulher que eu um dia fui.No hotel onde passei a noite, fiquei horas encarando o teto, incapaz de dormir. Meus pensamentos estavam presos aos acontecimentos da noite anterior.Não havia como escapar da verdade: eu havia ultrapassado todos os limites.O arrependimento queimava em meu peito. Descontei minha frustração, minha raiva e meus ressentimentos naquela mulher — uma completa estranha que não fazia ideia da extensão dos meus problemas.Deixei o álcool comandar minhas ações, entorpecendo minha mente e destruindo qualquer resquício de racionalidade.Levantei-me com um suspiro pesado e decidi voltar para casa. Não era apenas para verificar se o portão estava destravado — o que de repente passou a me incomodar — mas para confrontar as consequências das minhas ações.Sabia que precisava pedir desculpas; meu comportamento havia sido inaceitável, mesmo que eu quisesse justificar para mim mesmo que ela era parte de um jogo que nunca pedi para jogar.Quando estacionei, algo estranho chamou minha atenção: uma corda
Após os eventos traumáticos que marcaram seu "casamento", Sarah foi encontrada desmaiada em uma rua deserta, próxima a um hospital.Estava à beira de um colapso, com o corpo frágil e ensanguentado mal reagindo aos estímulos. Ao ser levada às pressas para a emergência, os médicos logo perceberam que sua sobrevivência seria um verdadeiro milagre.Sem documentos ou identificação, Sarah foi registrada como "Senhorita NoName".Seu estado crítico exigia cuidados intensivos, mas a falta de um responsável para arcar com os custos fez com que fosse transferida para a Central Geral de Atendimento Voluntário — uma ala especial destinada a pacientes carentes, criada pelo próprio Dr. Thomas Lewantys.A Central de Atendimento Voluntário era o projeto mais ambicioso de Thomas, fruto de sua paixão por ajudar quem não tinha recursos.Ele idealizou a ala como uma forma de retribuir à sociedade, oferecendo tratamento digno a quem mais precisava. No entanto, apesar de ter salvado muitas vidas, a ala enfr
Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta.Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores.Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas.Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação.Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro.Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa.Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal.Quase três meses depois, Sarah começou a emerg
Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom
Nos primeiros dias, Sarah vagou pela casa de campo como uma sombra, explorando cada canto em busca de algo que lhe devolvesse a sensação de controle. As paredes em tons claros e a decoração elegante eram incapazes de mascarar o peso sufocante do confinamento.Ela passava longos minutos diante das janelas gradeadas, observando o mundo lá fora. Sonhava com o vento acariciando seu rosto e com a sensação de liberdade que agora parecia um sonho distante.— Eu costumava amar jardins — murmurou, passando a mão na barriga com delicadeza. — Um dia, nós dois vamos correr juntos por um...Com o passar dos dias, a solidão deu lugar a lembranças que ardiam como feridas abertas. As risadas compartilhadas com Anna quando na infância agora eram apenas ecos distantes de um tempo que parecia pertencer a outra vida.Sarah se lembrou de quando Anna era sua heroína, sua protetora contra os pesadelos e os temores infantis, antes de se transformar nessa figura fria e calculista.O silêncio opressivo da casa
Anna ajustava cuidadosamente o ventre falso em frente ao espelho, inclinando a cabeça para verificar cada detalhe. O tecido esticado do vestido destacava a barriga de maneira convincente, e o reflexo que ela via era de perfeição calculada.Cada linha de expressão, cada gesto, estava ensaiado até o último detalhe.Ela sabia que não havia espaço para erros. Anna havia passado anos aperfeiçoando a arte da manipulação, mas sabia que Thomas não era um alvo fácil. Ele desconfiava de cada gesto dela, e isso tornava o jogo mais perigoso.— Thomas sempre foi desconfiado... — murmurou, alisando os cabelos impecavelmente penteados. — Mas todo mundo tem um ponto fraco. Ele também terá.— Eu só preciso que ele acredite... pelo menos por um tempo — murmurou, respirando fundo antes de sair.Um suspiro longo escapou de seus lábios. Anna sentiu o peso da situação, mas a ambição dentro dela era maior do que qualquer dúvida. Desde que começara a planejar essa farsa, não deixara nada ao acaso. Seus passo