Sarah entrou correndo na sala, atraída pelo tom intenso das vozes de seus pais. Ambos estavam sentados, imersos em uma discussão acalorada. Algo nas expressões frias e calculadas de seus rostos a fez parar no meio do caminho.
— Filha, venha aqui — disse seu pai. A voz fria, como de costume, agora carregava uma gravidade incomum. Sarah se aproximou, hesitante. Antes que pudesse perguntar, ele disparou: — Hoje é um dia decisivo para nossa família. Você vai comparecer no lugar de sua irmã na cerimônia de casamento dela. Os olhos de Sarah se arregalaram, incrédulos. — O quê? — exclamou. — Isso não é possível! É o casamento da Anna! Ela precisa estar lá, não eu. Seu pai cruzou os braços e franziu o cenho. — Anna desapareceu. Resolveu nos abandonar no pior momento. Este casamento é um acordo comercial firmado há anos, e não podemos arcar com os custos da quebra do contrato. Sarah balançou a cabeça, tentando processar a situação. — Papai, isso não faz sentido! Vocês podem conversar com o noivo, pedir para remarcar... O pai a interrompeu, cortando qualquer tentativa de argumentação. — Não há tempo! — Você só precisa fazer isso, Sarah. Será uma cerimônia rápida no cartório. O noivo nunca viu Anna, e você estará usando um véu grosso. Ele não vai desconfiar de nada. Sem dizer mais nada, seu pai se levantou e pediu à mãe que a preparasse. Atônita, Sarah foi levada para o quarto. Sobre a cama, havia um vestido branco, simples e elegante, esperando por ela. Enquanto vestia o traje, Sarah se olhou no espelho, tentando segurar as lágrimas. — Não é meu casamento, nem meu futuro, nem meu príncipe encantado... —pensou. Apesar de tudo, o vestido parecia feito para ela: delicado e fluido, com um decote em V que realçava sua beleza de boneca de porcelana. Sua mãe prendeu seus cabelos ruivos em um coque apertado e colocou um véu espesso que cobria completamente seu rosto. Nenhuma maquiagem foi feita, mas nem era necessário: a beleza natural de Sarah irradiava pureza. — Mãe, isso está errado... — sussurrou Sarah. — Eu não quero fazer isso. A mãe hesitou por um momento, mas sua voz saiu fria e distante. — Lembre-se de que não é o SEU casamento. O noivo não pode desconfiar de nada. A sobrevivência da nossa família depende disso. Sarah desceu as escadas e tentou, mais uma vez, argumentar com o pai. — Por que estão me obrigando a isso? Por que não explicam ao noivo e esperam a volta de Anna? — Você acha que já não pensamos nisso? — retrucou ele, impaciente. — Eles querem cancelar o acordo. E, se isso acontecer, nossa família será arruinada. Sarah tentou insistir, mas ele a interrompeu: — Você quer estudar no exterior, não quer? Então faça isso pela família, e eu prometo que poderá seguir sua vida como quiser. Quando Sarah começou a chorar, implorando por outra solução, o pai perdeu a paciência. — Chega! Isso não é uma discussão. É uma ordem! Sarah sentiu sua resistência se esvair. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto. — Entendido, pai... — murmurou, resignada. A viagem ao cartório foi envolta em silêncio. Sarah olhava para fora da janela, desejando estar em qualquer outro lugar. Ao chegarem, seu pai a conduziu até o oficial de registro. Seus pés vacilaram enquanto dava um passo à frente. O véu grosso fazia com que se sentisse presa, mas o que mais a assustava era a figura imponente que a aguardava: o homem que seria seu "marido". Thomas Lewantys segurou sua mão. O toque era quente, mas o aperto era firme demais, quase doloroso. Ela tentou recuar, mas ele segurou sua cintura, cravando os dedos em sua pele. Um cheiro forte de álcool fez Sarah estremecer. — "Algo está muito errado..." — pensou. O oficial começou a ler os termos do contrato de casamento. Sarah tentou respirar fundo, mas o nervosismo tomou conta dela. — Thomas Lewantys e Anna Spinosa Campbell, vocês concordam com os termos deste contrato de união? — perguntou o oficial. Sarah abriu a boca para protestar, mas sentiu uma mão forte em seu braço. Thomas inclinou-se e sussurrou em seu ouvido: — Garanto que você não vai gostar do que vai acontecer, eu te avisei. Ela olhou desesperada para o pai, que se aproximou e murmurou: — Apenas diga que concorda. Lembre-se de que está fazendo isso pela nossa família. Engolindo em seco, Sarah sussurrou: — Sim... Eu concordo. — Sim, concordo — repetiu Thomas, com um tom sombrio. — Eu os declaro marido e mulher — anunciou o oficial —pode beijar a noiva... Antes que Sarah pudesse reagir, Thomas se inclinou por baixo do véu e a beijou com brutalidade. Os lábios dele eram ásperos e agressivos, deixando um gosto metálico de sangue em sua boca. Sarah tentou se afastar, mas ele a segurou com tanta força que quase deslocou seu pulso. Sem dizer uma palavra, Thomas a arrastou pelo corredor, ignorando os protestos abafados dela. Sarah tropeçou, mas ele não diminuiu o ritmo. Seu pai, à distância, apenas observava, inexpressivo. Sarah foi empurrada para dentro do carro e, ao sentir o metal frio ao seu redor, uma onda de incerteza e medo tomou conta dela. Sua vida, antes repleta de sonhos vibrantes, agora parecia uma sombra do que poderia ter sido. Tudo o que lhe restava era esperar — e rezar — pela chance de escapar daquela realidade sufocante.Sarah foi empurrada para o banco de trás de um carro que arrancou em alta velocidade. Cada solavanco na estrada era um lembrete cruel da situação em que ela havia sido colocada. Tudo parecia um pesadelo do qual não conseguia despertar.Ela perdeu a noção do tempo. Sempre que tentava erguer o véu para ver onde estava, uma mão pesada a impedia. Quando tentava falar, uma voz áspera cortava o silêncio com um:— Cala a boca!Aquelas palavras ecoavam em sua mente como uma ameaça constante.Seus dedos tremiam, e as palmas estavam encharcadas de suor.— "Como isso aconteceu? Como cheguei a esse ponto?" — pensou.Aquele dia deveria ser especial — era o seu aniversário de 18 anos. Em vez disso, ela estava sendo arrastada para um destino incerto. Nem mesmo seu pai, que sempre prometera protegê-la, parecia se lembrar disso.— "Papai disse que me buscaria depois da cerimônia..." — pensou Sarah, sentindo o desespero crescer. — "Então, por que me deixou com esse homem horrível?"O carro finalmente p
Acordei com o coração disparado, o corpo latejando em cada centímetro. Cada fibra do meu ser parecia gritar em dor, mas não sabia dizer se a dor física superava o peso esmagador no peito.Ao abrir os olhos, vi rastros de sangue pelo chão. Eles começavam na cama e terminavam onde eu estava caída. O sangue — seco e fresco — era um lembrete cruel do que eu havia suportado. A cabeça latejava, e o ar parecia denso, carregado de desespero.— O que restou de mim depois disso? — perguntei a mim mesma, tentando encontrar uma fagulha de força dentro do caos.O menor movimento fazia a dor aumentar. Meu corpo inteiro parecia prestes a ceder, mas a mente estava em frenético alerta, dividida entre a necessidade de sobreviver e a tentação de desistir.— Se nem mesmo minha família é capaz de me amar, quem mais poderia? Talvez essa dor seja tudo o que me resta agora.Com um suspiro derrotado, apoiei-me nos braços trêmulos e me obriguei a levantar. Cada passo era como um golpe contra a exaustão, mas eu
No hotel onde passei a noite, fiquei horas encarando o teto, incapaz de dormir. Meus pensamentos estavam presos aos acontecimentos da noite anterior.Não havia como escapar da verdade: eu havia ultrapassado todos os limites.O arrependimento queimava em meu peito. Descontei minha frustração, minha raiva e meus ressentimentos naquela mulher — uma completa estranha que não fazia ideia da extensão dos meus problemas.Deixei o álcool comandar minhas ações, entorpecendo minha mente e destruindo qualquer resquício de racionalidade.Levantei-me com um suspiro pesado e decidi voltar para casa. Não era apenas para verificar se o portão estava destravado — o que de repente passou a me incomodar — mas para confrontar as consequências das minhas ações.Sabia que precisava pedir desculpas; meu comportamento havia sido inaceitável, mesmo que eu quisesse justificar para mim mesmo que ela era parte de um jogo que nunca pedi para jogar.Quando estacionei, algo estranho chamou minha atenção: uma corda
Após os eventos traumáticos que marcaram seu "casamento", Sarah foi encontrada desmaiada em uma rua deserta, próxima a um hospital.Estava à beira de um colapso, com o corpo frágil e ensanguentado mal reagindo aos estímulos. Ao ser levada às pressas para a emergência, os médicos logo perceberam que sua sobrevivência seria um verdadeiro milagre.Sem documentos ou identificação, Sarah foi registrada como "Senhorita NoName".Seu estado crítico exigia cuidados intensivos, mas a falta de um responsável para arcar com os custos fez com que fosse transferida para a Central Geral de Atendimento Voluntário — uma ala especial destinada a pacientes carentes, criada pelo próprio Dr. Thomas Lewantys.A Central de Atendimento Voluntário era o projeto mais ambicioso de Thomas, fruto de sua paixão por ajudar quem não tinha recursos.Ele idealizou a ala como uma forma de retribuir à sociedade, oferecendo tratamento digno a quem mais precisava. No entanto, apesar de ter salvado muitas vidas, a ala enfr
Os meses seguintes foram uma verdadeira batalha para Sarah.Seu corpo, enfraquecido pela violência e pela intensa hemorragia, reagia aos tratamentos de forma lenta e incerta.Durante semanas, ela oscilou entre a vida e a morte, alternando pequenos progressos com retrocessos devastadores.Arthur dedicou-se incansavelmente ao caso de Sarah, fazendo tudo ao seu alcance para estabilizá-la. Ele sabia que a recuperação não seria apenas física. Os traumas que ela carregava estavam marcados em sua alma, e a jornada rumo à cura completa seria longa e repleta de incertezas.Nos raros momentos de lucidez, Sarah evitava qualquer interação.Seu silêncio era como um grito sufocado, mas Arthur sabia que apressá-la seria um erro.Cada pequeno avanço — um gesto tímido, um olhar perdido, uma resposta hesitante — era uma vitória significativa.Com sua abordagem empática, ele se tornou a única figura de confiança para Sarah naquele ambiente frio e impessoal.Quase três meses depois, Sarah começou a emerg
Dias atrás, Anna deslizava distraidamente pelas redes sociais quando seus olhos captaram uma imagem que a fez congelar. Era uma foto de um evento beneficente promovido pelo Hospital Lewantys. Ao fundo, quase imperceptível, estava Sarah. Ela parecia diferente – pálida, frágil, mas sem dúvidas, era ela.— Achei você... — murmurou Anna, apertando o telefone com força.A legenda informava que o evento beneficiava a ala de voluntariado do hospital, destinada a pessoas sem recursos. Um sorriso frio curvou os lábios de Anna. — Vulnerável. Sozinha. Perfeita para o que eu preciso.As lembranças invadiram Anna como um turbilhão, trazendo à tona sentimentos enterrados.Nos primeiros anos, ela adorava Sarah, chamando-a de "minha bonequinha" enquanto penteava seus cabelos ruivos e criava histórias para entretê-la.Anna tinha sete anos quando seu pai trouxe Sarah, ainda bebê, para casa. Apesar da diferença de idade, elas foram inseparáveis por um tempo, vivendo aventuras em um mundo que criaram ju
Anna agilizou a alta de Sarah com rapidez, usando sua influência e uma generosa "doação" para o hospital. O Dr. Arthur, que acompanhava o caso com dedicação, observava tudo com desconfiança, embora não tivesse provas concretas para impedir sua saída.— Tem certeza de que quer ir com ela? — perguntou Arthur, a voz carregada de preocupação.Sarah tentou sorrir, mas seu rosto exausto traiu qualquer tentativa de tranquilizar Arthur.— Vou ficar bem. Ela é minha irmã — murmurou Sarah, desviando o olhar para evitar o peso do olhar atento de Arthur.Arthur assentiu com relutância, mas seus olhos refletiam um desconforto crescente.— Se precisar de ajuda, volte. Estaremos aqui. E quanto à ultrassonografia de hoje? Tem certeza de que não quer esperar?Sarah fez um leve aceno e murmurou:— Eu volto outro dia...Mas, no fundo, ela sabia que as coisas não seriam tão simples.O carro deslizou pela estrada deserta. Anna mantinha as mãos firmes no volante, mas sua mente era um redemoinho de pensamen
Meses se passaram, e, finalmente, chegou o aguardado dia da posse de Thomas Lewantys como Diretor-Chefe do renomado hospital fundado por sua família. A instituição, um marco da medicina internacional, estava prestes a iniciar uma nova era.Os corredores do hospital fervilhavam de excitação. O dia era especial, e até mesmo os profissionais mais sisudos pareciam contagiados pela atmosfera de celebração.— Dr. Arthur, hoje é a posse do novo Diretor-Chefe. O senhor vai comparecer? — perguntou uma enfermeira, organizando papéis no balcão da ala voluntária.Arthur ergueu os olhos do prontuário que analisava e sorriu brevemente. Se fosse qualquer outro evento social, ele teria recusado sem hesitar. Mas Thomas não era apenas um amigo; era um irmão de coração.— Claro que vou. Thomas merece esse momento. Trabalhou duro para chegar até aqui, enfrentando pressões que poucos entenderiam.O comentário de Arthur era uma verdade silenciosa. Thomas não havia conquistado a posição apenas pelo sobrenom