Fernando Duarte:
No meu relógio marca 19 horas e 30 minutos, e a minha paciência diminui a cada segundo. Se essa mulher se atrasar um minuto sequer, estou fora. Eu nem queria está aqui para começo de conversar, só estou aqui porque a minha mãe ameaçou colocar fogo em sua própria casa.
Impaciente, dedilho a mesa, viro o rosto para a janela e começo a observar os carros passando apressados pela frente do restaurante escolhido por minha mãe.
Só mais trinta segundos...
— Senhor Duarte? — Ouça a voz da recepcionista, se ela está aqui só pode significar uma coisa.
Merda!
Respiro fundo e controlo a raiva, só faltavam trinta segundos para que eu pudesse estar livre e usar a desculpa de que a tal mulher não apareceu me deixando no vácuo.
Desvio minha atenção dos carros e olho para a moça que me chama. De baixo pra cima, observo a mulher que está ao lado da recepcionista.
Dentro de um vestido tubinho de cor preta, os meus olhos percorrem o seu corpo, observando as curvas suaves e delicadas marcadas pelo vestido que se ajusta perfeitamente em sua imagem um pouco esguia. O tecido abraça cada centímetro de sua silhueta, ressaltando com o decote o seu busto avantajado que acrescenta uma sensualidade notável. Subo as vistas até encontrar sua boca, que exibe um leve franzir de lábios, mas consigo ver bem o quão bem desenhado são os seus beiços, grandes e levemente rosados.
No entanto, é o par de olhos castanhos, arregalados e fixos em mim, que me deixam atônito. Não pode ser ela. O choque percorre meu corpo, desencadeando uma onda de perplexidade enquanto tento processar a presença dela diante de mim. Como pode ser possível?
— O que está fazendo aqui? — Indago, sem esconder da minha feição o meu descontentamento.
— O ogro continua de mau humor — ela diz provocativa, e revira os olhos.
Se antes eu tinha alguma dúvida, agora tenho certeza que é ela mesmo. Essa pirralha petulante.
— Sua fedelha...
Antes que eu termine de falar, a pirralha vira de costas, os cabelos esvoaçando com o movimento repentino, e começa a se afastar, deixando-me falando sozinho. Um impulso instintivo toma conta de mim, como se algo dentro de mim se recusasse a deixá-la partir assim tão facilmente. Sem pensar duas vezes, levanto-me abruptamente do lugar onde estou sentado e estendo minha mão envolve seu antebraço com firmeza, detendo seu avanço repentino. O contato é instantâneo, a sensação da sua pele macia sob meus dedos envia uma corrente elétrica através de mim.
Ela se vira para encarar-me, surpresa estampada em seus olhos, uma mistura de indignação e curiosidade brilhando em seu olhar. Nesse instante, percebo a gravidade do que acabei de fazer. Segurá-la assim, de forma tão impulsiva, pode ter sido um erro. Mas já é tarde demais para voltar atrás.
— Você é a senhorita Martins? — Pergunto, só pra confirmar a minha certeza. Ela puxa o braço para fora do meu aperto.
— Para que quer saber, seu troglodita? — Retruca de queixo erguido, por que essa garota tem o dom de me tirar do sério?
— Como conseguiu marcar um encontro comigo? — Indago, realmente curiosos de como ela e a minha mãe se conhecem.
— Eu não sabia que era você, jamais iria querer um encontro às cegas com um ogro feio como você.
Ah que garota irritante, por que sempre que nos vermos essa pirralha tem que ser assim? E por que eu me importo? Duvido que ela tenha mais do que dezoito anos de idade, apesar de hoje ela está com muito mais corpo do que quando nos conhecemos.
— Não pensei que passaria de mendiga para rameira em tão pouco tempo... — ofendo-a, sem entender exatamente o porquê de dizer isso tem um gosto tão amargo em minha boca, mas a minha voz some ao sentir o meu rosto virar para o lado abruptamente e um pequeno ardor formigar a minha bochecha.
— Não vou aceitar nem mais um insulto seu, idiota, lave a sua boca antes de falar comigo — ela proclama com a voz firme, por alguma razão me sinto arrependido e atordoado.
Sinto o olhar de todos sobre nós, ao encara-la fecho as minhas mãos em punhos na tentativa de conter a minha raiva e frustração.
— Como você ousa... — começo a proferir, mas, mais uma vez, ela vira de costas e começa a andar.
Observo os seus passos começarem a ficar vacilantes, ela começa a cambalear. De repente, como em cena de filme, as coisas acontecem em câmera lenta diante dos meus olhos, vejo o corpo dela pendendo para o lado, se desequilibrando e caindo.
Meus pés ganham vida própria e começam a correr em direção a Laura, sem entender, movido por um instinto, deslizo meus joelhos no chão e a seguro em meus braços antes que a sua cabeça choque no piso. Olho para o seu rosto desacordo e escuto o som do meu coração acelerado.
— O que aconteceu com ela? Ela caiu do nada! — As vozes dos outros clientes no restaurante me trazem de volta a realidade.
Levanto do chão e carrego Laura no colo, ela é tão leve que nem parece que estou carregando o corpo de uma mulher adulta. Olho para a recepcionista que também tem a feição preocupada.
— Por aqui — a mulher diz e eu a sigo até uma sala que tem uma placa que diz: "área restrita, apenas funcionários". — Aqui é o local de descanso dos funcionários, coloque-a ali.
Caminho com ela em meus braços e suavemente a deito no sofá de couro preto, Laura permanece com os olhos fechados. Fixo meu olhar em seu rosto, a cor morena de sua pele ficando cada vez mais pálida.
— Vocês podem ficar aqui até que ela acorde, se passar trinta minutos e ela não acordar, chamarei a ambulância — ela avisa.
— Certo — concordo, a mulher sai e fecha a porta.
Será que ela desmaiou com fome? No dia em que a gente se conheceu, a barriga dela estava roncando...
As sobrancelhas dela franzem, uma expressão de dor toma conta de seu rosto. O silêncio é quebrado apenas pelos murmúrios distantes do restaurante. Uma vontade toma conta de mim e ergo a minha mão, toco em seu cabelo e sinto a maciei dos cachos negros, traço uma rota com a ponta dos dedos até a bochecha dela e a sinto gelada, de repente, como se um interruptor fosse ligado, enxergo sangue em minha mão, assustado me levanto e dou passos para trás, com um zunido em meus ouvidos imagens começam a invadir a minha mente.
Fernando Duarte:O momento presente se dissolve, e minha mente é abruptamente arrastada de volta àquela noite fatídica. o barulho ensurdecedor, repentino e violento de uma batida, seguido pelo estrondo assustador de uma explosão atrás do meu carro.O mundo ao meu redor transformou-se num caos vivo: os olhos verdes desesperados, os gritos dilacerantes por socorro perfurando a noite, misturados ao som das sirenes sendo abafadas pelo zumbido em meu ouvido. Lágrimas mesclam-se ao sangue que tingia toda a minha visão de um vermelho profundo e sombrio.O horror da imagem tingida de vermelho me dá náuseas — membros perdidos, um braço aqui, pernas ali, espalhado pelo interior do carro, o forte cheiro do sangue...Enquanto o passado me consome, uma gota de suor frio traça um caminho pela minha testa. O descompasso de meu coração martela contra meu peito, enquanto minhas vistas se embaçam com a iminência de mais um colapso emocional. Lágrimas, antes contidas, agora fluem livremente, embaçando mi
Fernando Duarte:Após deixar o restaurante, dirijo com pressa tendo o caminho iluminado pelas luzes amarelas dos portes. Seguro tão firme o volante do carro, sentindo o metal gelado contra a palma da minha mão, que sinto as falanges dos meus dedos doerem e as veias do dorso das minhas mãos saltarem.De onde a minha mãe conhece Laura? E por que diabos a minha mãe achou que seria uma boa ideia arranjar um encontro com essa pirralha irritante?A frustração e a raiva se acumulam dentro de mim. Com fúria, desfiro um golpe no volante.— Porra! Por que tinha que ser logo ela? Ela era a última pessoa que eu queria encontrar — grito exasperado dentro do carro.Os faróis dos outros carros se misturam em um borrão de luzes, espelhando meu estado de espírito tumultuado. Minha respiração está tensa, e os pensamentos sobre Laura, sobre o meu passado, giram furiosamente na minha mente.Ao estacionar em frente à casa da minha mãe, respiro fundo, saio do carro e aperto a campainha. Ana, o braço direto
Laura Martins:Pago a passagem e me sento no banco mais alto. O ônibus começa a se mover, e apoio meu cotovelo na janela, repousando o queixo na palma da mão. Observo as luzes urbanas se desdobrarem à medida que o ônibus segue para a estação. Minha mente volta ao restaurante, lembrando os olhos do senhor Duarte, antes gélidos, agora cheios de terror e desespero. O que o teria deixado assim?Para! Já tenho problemas demais para me preocupar com os dos outros.Busco refúgio nos meus fones de ouvido e seleciono a música "Dias Melhores" do Jota Quest. Deixo-me levar pela melodia enquanto olho as ruas movimentadas."🎶 Vivemos esperando dias melhores.Dias de paz, dias a mais,dias que não deixaremos para trás.Oh oh, vivemos esperando o dia que seremos melhores,melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo... 🎶"Cantarolo baixinho, meus olhos se enchem de lágrimas, mas pisco para afastá-las. Sou egoísta demais, pensando em tudo o que ele já fez por mim. Ninguém nunca fez o que ele
Laura Martins:"Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?" —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retornar ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma conta de mim, me atingindo como um soco no estômago, a minha mente martela com a possibilidade de que ele percebeu que, por um breve momento, eu talvez quisesse beijá-lo. Rezo em silêncio para que ele não tenha notado as minhas intenções nesse pequeno instante que encarei a boca dele.O som de um pigarro seco escapa da minha garganta enquanto tento esconder o meu constrangimento.Sinto um calor subir pelas minhas bochechas, o conflito interno entre raiva e atração deixando-me confusa.— Eu... eu não preciso da sua ajuda — sussurro, minha voz traindo a determinação que tento manter.— Por que você sempre tem que complicar tudo? — ele questio
Laura Martins: — Laura, o que aconteceu no restaurante? O meu filho chegou aqui transtornado! — a mulher começa. Lá vamos nós, penso me preparando para receber o esporro. — O nosso acordo era para você deixá-lo feliz e não ainda mais infeliz! — A voz da mulher ressoar familiar por trás da linha. De onde a conheço... de onde... já sei! É ela! A senhora elegante e gentil de terninho. Cristiane, é esse o nome dela, por que eu não me lembrei assim que vi o ogro? Será que foi o choque por ter sido justo ele? — Está aí? — Cristiane, a mãe do ogro, chama impaciente. — Si-sim! Estou sim — respondo, tentando suar calma, mesmo com o coração disparado. — Então por que não me respondeu? — Questiona. — Eu estava tentando me lembrar de onde conhecia a sua voz — explico e mordo o lábio com vergonha da minha lerdeza. — Você não lembrava que era eu? — Consigo sentir a surpresa em sua voz. — Desculpe — peço envergonhada, provavelmente o nome dela estava no contrato, mas eu só li a parte dos bene
Laura Martins:— Você! — exclamamos juntos, ambos claramente atônitos e, no meu caso, desesperada.Meu coração dispara em meu peito, ecoando um alarme surdo que parece preencher todo o espaço da sala de reuniões. Minhas mãos tremem tanto que mal consigo segurar a bandeja. Diante de mim, com os olhos azuis mais gélidos, que parece até congelar o ar entre nós, que eu já encontrei, está o ogro... não, o CEO da empresa onde trabalho, o mesmo homem em que a mãe me “alugou” para amar. Céus!Seu olhar sobre mim é uma mistura de surpresa e irritação, tão intensa que nesse momento, eu quero desaparecer.A única coisa que consigo fazer é encará-lo com uma expressão que eu só posso imaginar como uma mistura de choque e horror.Sinto os olhares curiosos de todos sobre nós, olho em volta e subitamente me sinto muito pequena. Sinto o peso de cada olhar, julgando, questionando. Procuro por uma rota de fuga, mas a realidade da situação me golpeia com força. Não tem como eu correr.— O que está fazend
Fernando Duarte:Não consigo me concentrar nos desenhos dos designs das novas joias apresentadas nos slides. Na minha mente só vem Laura, especificamente o dia em que nós encontramos pela primeira vez: Sete meses atrás:— Senhor, vim busca-lo — Ana informa por trás da porta.Ajeito o paletó, levanto da poltrona e seguro a maleta com alguns papeis dentro. Saio do quarto e Ana segue atrás de mim, de frente a porta de saída de casa, meus pés travam. Depois de dois anos, sendo perseguido pelas vozes, atormentado pelo passado, torturado pelas lembranças e me sentindo culpado, essa é a quinta vez que saio dessa casa; com o passar do tempo, até a luz do dia começou a me incomodar, ficar no escuro fazia as vozes se calarem.Mas a minha mãe, me tirou de dentro de casa. Ela e a minha irmã, agora sei que foi tudo armado pelas duas, no começo fiquei com raiva, mas agora me controlo melhor.Não quero sair! A minha mente e o meu corpo gritam, aperto com força a alça da maleta,
Laura Martins:— Logo você ficará boa — Oliver diz terminando de enfaixar a minha mão, e fecha o kit de primeiros socorros.— Obrigada — agradeço. — Como eu nunca te vi antes? — Questiono curiosa. Oliver, apesar de ter uma beleza quase feminina, é bonito. Seria impossível não reparar nele.— Oliver, está aqui? — A voz de Mike ressoa, antes que Oliver possa me responder. — Oliver, por que você chegou... — ele para de falar ao me ver, então olha para Oliver que está ao meu lado e para mim novamente, repete o movimento mais uma vez e só então repara na minha mão. — O que aconteceu?Mike se aproxima preocupado, pega na minha mão e observa o curativo feito por Oliver.— Está doendo? — Indaga preocupado.— Não, Oliver passou uma pomada de assadura e fez um curativo para a pomada não sair.— O que aconteceu para queimar sua mão assim?— Na sala de reunião, uma mulher do nada fingiu que eu prendi a xícara de café e derrubou ele na minha mãe, depois começou a gritar como eu ousava derruba café