Capítulo 9: É burrice!

Laura Martins:

"Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?" —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retornar ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma conta de mim, me atingindo como um soco no estômago, a minha mente martela com a possibilidade de que ele percebeu que, por um breve momento, eu talvez quisesse beijá-lo. Rezo em silêncio para que ele não tenha notado as minhas intenções nesse pequeno instante que encarei a boca dele.

O som de um pigarro seco escapa da minha garganta enquanto tento esconder o meu constrangimento.

Sinto um calor subir pelas minhas bochechas, o conflito interno entre raiva e atração deixando-me confusa.

— Eu... eu não preciso da sua ajuda — sussurro, minha voz traindo a determinação que tento manter.

— Por que você sempre tem que complicar tudo? — ele questiona, a voz rouca e baixa. — Só quero te ajudar, mesmo que você não queira admitir que precisa.

— Obrigada, mas apesar de parecer, eu não preciso da sua caridade, ogro, quero dizer, senhor Duarte. Eu posso me virar sozinha — retroco, mantendo minha postura orgulhosa.

— Há alguns meses parecia — ele provoca, mas antes que eu consiga respondê-lo, ele continua: — Venha, já está tarde.

Em silêncio, sigo-o, adentramos o carro. O interior parece ecoar com a tensão não dita entre nós. Olho para ele de relance, percebendo que ele também está desconfortável. Quando coloco o cinto, ele dá partida no carro. O motor ronca, mas não consegue romper o silêncio pesado que nos envolve.

Suspiro, tentando encontrar as palavras certas. Preciso falar alguma coisa... mas minha mente fica em branco ao notar suas mãos trêmulas no volante. Hesito por um momento, então pergunto:

— Você está bem? — questiono, tentando soar casual, embora minha voz revele a preocupação que sinto.

Ele mantém os olhos fixos na estrada, apertando o volante com mais força.

— Sim, estou bem — responde, mas seu tom não é convincente. A trêmula de suas mãos e a tensão em sua postura contam outra história. Ele aperta ainda mais o volante, como se estivesse segurando não apenas essa peça de metal.

— Se não se sente bem para dirigir, deveria contratar um motorista, não sei com o que você trabalha, mas para ter feito tudo o que fez por mim, deve receber bem, então cuide de você e... — começo a dizer, tentando ser prática e direta.

— Não pedi a sua opinião — ele me interrompe, a voz grossa e cortante.

Agr! É impossível ter uma conversa com esse ogro, ele tem o dom de me irritar. E é nessas horas que eu me arrependo de ter me arrependido da forma que agi com ele antes, por ele ter me dado teto por 3 meses.

Bufo e cruzo os braços, virando meu rosto para a janela, irritada. 

—  Ei! Vai ficar me fazendo de cachorro? — Sua voz interrompe meus desvaneios, acompanhada de cutucões na minha bochecha.

Fico momentaneamente atordoada, tento processar as suas palavras, mas eu não consegui entender.

— O que... o que você disse? — Questiono, a minha confusão transparece na minha voz. Eu me pedir completamente com as lembranças do primeiro dia em que o vi.

Ele me lança um olhar impaciente.

— Para onde devo te levar? — Ele repete, com uma leve irritação na voz, me vejo obrigada a me recompor.

— Ah, sim — respondo, tentando parecer mais segura do que realmente estou. — Bairro Valéria.

— Valéria? Sério? — Seus olhos desviam da estrada para mim por um breve momento, suas sobrancelhas se arqueiam em descrença, mas logo retornam para a rua. — Por que você foi morar logo no bairro mais perigoso de Salvador?

— Depois que se acostuma, nem é tão ruim — tento dar uma responder de forma despreocupada.

Para a minha sorte, ele não me faz perguntas, se bem, que ele nunca me perguntou nada. Nunca cobrou uma história para poder me ajudar, ele simplesmente só fez.

— Abaixe os vidros — peço ao chegarmos na entrada da Valéria.

— Por que? — Ele questiona, e arranca de mim um suspiro. Ele é realmente de um mundo bem diferente do meu, nunca deve ter estado em um local como esse.

— Para que os traficantes não pensem que é o carro de um policial e disparem contra nós — explico, ele faz o que eu disse sem questionar mais. O silêncio entre nós torna-se quase tangível. — Estacione aqui — peço ao chegar no ponto de ônibus da rua Matrix.

Desço do carro e ajeito a minha bolsa no ombro e o vestido que subiu, o ogro também sai do carro.

— Obrigada pela carona. Daqui eu vou a pé.

— Você vai ficar bem daqui pra frente? — Ele questiona, saindo do personagem de príncipe ogro do reino de grosserias, me deixando ainda mais confusa.

— Eu me viro. Obrigada de novo — agradeço, me sentindo uma estranheza boa. — Ah, bem, sei que é agora é tarde, mas, qual é o seu nome? — Arrisco, um pouco envergonhada por não ter perguntado antes, afinal, ele já fez tanto por mim.

— Foi a um encontro sem nem saber o nome de quem ia se encontrar? — Ele questiona com as sobrancelhas abaixadas e juntas. — Que tipo de mulher faz isso? E se eu fosse um assassino molestador, em? Você agora podia está em alguma viela morta e esquartejada! — Ele diz com a voz baixa, mas é palpável a raiva em casa palavra.

— Às vezes, precisamos ser corajosos e arris... — tento me defender.

— Isso não é coragem, é burrice! — Ele me interrompe, passa a mão pelos cabelos demonstrando a sua frustação.

— Você está certo — concedo, não quero prolongar essa discussão, os meus pés latejam, querem logo sair desse salto desconfortável.

O observo dar a volta no carro e parar centímetros à minha frente.

— Nunca mais encontre ninguém sem saber quem é primeiro, me entendeu? — Ele indaga e segura nos meus ombros. O contato de suas mãos na minha pele nua me fez estremecer, seus olhos fixos nos meus me faz engolir em seco, me sinto envergonhada. Não posso contar a ele que só o fui encontrar porque aceitei me alugar.

— Está bem, papai — respondo com um toque de ironia e reviro os olhos, afim de mascarar as minhas reais emoções.

— Me chame de papai de novo — ele desafia com um tom obsceno, ele aumenta o aperto de suas mãos em meus ombros, engulo seco.

Tum-tum.

Novamente o meu coração martela no meu peito, tão alto que quase posso jurar que ele também pode ouvir. Se eu ficar nas pontinhas dos meus pés, tocá-lo-ei na boca com a minha. Ele está tão perto... — E te colocarei de castigo.

Arregalo os olhos.

— Tá-tá achando que é quem!? — Tento soar firme, dou um passo para trás, me afasto do contato de suas mãos e do cheiro de seu perfume, que estão me confundindo. Preciso me afastar. — Melhor você ir para sua casa, continue com os vidros abaixados até sair do bairro, por favor — peço, me viro, sinto o olhar dele perfurar as minhas costas, fecho as mãos em punhos e tento não pensar no calor que subiu para o meu rosto.

"O que é isso, Laura? Desde quando ficou tão assanhada?" — Questiona a minha consciência. "Eu não fui assanhada, ele que me confunde, à culpa é de ele." — respondo a mim mesma. "Nem com o seu ex-namorado era assim, era até difícil você sentir vontade de beijar" — Minha mente me retalha. Droga.

Caminho por cerca de dez minutos, sentindo a poeira sob meus pés cansados. Ao chegar em casa, corro para o banheiro, a água gelada do chuveiro escorre pelo meu corpo.

Lembro do como fiquei tentada a beija-lo lá na BR, e de como senti à vontade novamente enquanto ele segurava os meus braços me dando bronca. Lembro de como fiquei pensando nele durante sete meses e de como fiquei tentando encontra-lo na empresa, me questionando se ele era um cliente e se nunca mais iria aparecer por lá.

— Isso só pode ser coisa da minha cabeça! Merda! Laura, se recomponha, ele é apenas o seu cliente! Não se esqueça, você tem que se salvar, e não começar a sentir nada por ele — falo para mim mesma e adianto no banho, se não a conta de água vai vim um absurdo de cara.

Após o banho, enrolada na toalha, pego meu celular dentro da bolsa, ele agora está com sinal.

Céus! Mais de dez chamadas perdidas de Ana, a mulher que veio remediar o contrato entre mim e a mãe do meu não querido cliente. Retorno a ligação e, após alguns toques, a voz dela atende.

— Laura, Finalmente, onde estava? Morri de te ligar e nada de você aparecer.

— Desculpa, meu celular estava sem sinal.

— Ana passe o telefone para mim — uma mulher diz. — Laura, o que aconteceu no restaurante? O meu filho chegou aqui transtornado, o nosso acordo era para você deixá-lo feliz e não ainda mais infeliz!

Será que joguei fora a minha chance de conseguir vencer o câncer?

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