Laura Martins:
Pago a passagem e me sento no banco mais alto. O ônibus começa a se mover, e apoio meu cotovelo na janela, repousando o queixo na palma da mão. Observo as luzes urbanas se desdobrarem à medida que o ônibus segue para a estação. Minha mente volta ao restaurante, lembrando os olhos do senhor Duarte, antes gélidos, agora cheios de terror e desespero. O que o teria deixado assim?
Para! Já tenho problemas demais para me preocupar com os dos outros.
Busco refúgio nos meus fones de ouvido e seleciono a música "Dias Melhores" do Jota Quest. Deixo-me levar pela melodia enquanto olho as ruas movimentadas.
"🎶 Vivemos esperando dias melhores.
Dias de paz, dias a mais,
dias que não deixaremos para trás.
Oh oh, vivemos esperando o dia que seremos melhores,
melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo... 🎶"
Cantarolo baixinho, meus olhos se enchem de lágrimas, mas pisco para afastá-las. Sou egoísta demais, pensando em tudo o que ele já fez por mim. Ninguém nunca fez o que ele fez, e ainda assim, ajo de forma insensível. No início, apelidei-o de ogro por ser mal-educado, mas ele foi tão gentil comigo, mesmo sem me conhecer. Lembrar disso me dá vontade de chorar...
Olha só como é a vida, eu queria reencontrar o ogro para poder devolver a ele o paletó, mas jamais pensei que a situação seria aquela. Jamais imaginei que ele seria a minha porta de escape da morte.
Olha só como é a vida. Eu queria reencontrar o ogro para devolver seu paletó, mas jamais imaginei que ele seria minha porta de escape da morte. Ontem, quando Ana falou sobre a mãe desesperada para salvar seu filho, fiquei tocada. Vendo-o hoje, vulnerável, em pânico, meu coração apertou. Senti vontade de abraçá-lo, mas me segurei. Não éramos próximos, então provoquei-o. Mesmo sem conhecê-lo bem, noto que é orgulhoso e guarda tudo para si. Eu também não conto meus problemas para qualquer um.
De repente, o ônibus freia bruscamente, sacudindo os passageiros e lançando-me para frente. Bato a cabeça na janela, meus fones caem e a música é substituída pelos gritos dos passageiros. O veículo balança descontroladamente. Vejo o motorista tentando manter o controle e meu coração acelera. O ônibus sacoleja perigosamente, e minha mão agarra a barra de apoio. Olho pela janela e vejo os carros se movendo caoticamente ao nosso redor. Entro em pânico, não quero morrer.
É sério que vou morrer aqui?
O som dos pneus cantando no asfalto enquanto o ônibus tenta parar faz meu corpo tremer e meus olhos encherem de lágrimas. Fecho os olhos com força. Após longos segundos de gritos e barulho de carros, meu corpo é lançado para frente, bato a lateral da cabeça no banco da frente, fico zonza e o ônibus para de se movimentar.
Com o coração disparado, o interior do ônibus parece diminuir. Preciso sair. Abro caminho entre os passageiros em pânico e desço do ônibus. Pego meu celular, mas estou sem sinal. Começo a caminhar pela calçada, a rua movimentada e confusa, gritos por todos os lados. Atravesso o cruzamento tumultuado em busca de sinal. De repente, vejo a luz forte de um farol vindo em minha direção. Corro para o meio-fio.
A adrenalina ainda pulsando, percebo que estou ilesa. O carro passa por mim e consegue frear antes de se chocar com o ônibus. Suspiro aliviada, agradecendo por não ter sido atropelada. Meu foco volta à busca por sinal.
Enquanto caminho, avisto um carro estacionado à beira da estrada. Hesito, consciente dos perigos da cidade à noite, mas a possibilidade de alguém precisar de ajuda supera meu receio. Avanço com cautela e bato no vidro da janela do motorista. Para minha surpresa, é ele. Ele me olha com os olhos arregalados, tão surpreso quanto eu.
— O que faz aqui? — Ele questiona, arqueando uma sobrancelha com uma expressão de curiosidade mal dissimulada. Eu suspiro, minha própria incredulidade borbulhando sem acreditar que nos encontramos mais uma vez.
— Por que será que sempre nos trombamos? — Respondo com um sorriso irônico, enquanto a surpresa ainda se reflete em seu rosto.
— Não nos trombamos, você que sempre me segue, garota — ele alega provocativo, reviro os olhos.
— E o que eu ganharia seguindo um ogro feio como você? Poupe-me — devolvo a provocação, mantendo meu tom de voz firme e desafiador, encarando-o diretamente, esperando por sua próxima jogada.
— Quer mesmo que eu diga tudo o que você ganhou segurando minha camisa por trás? — Ele rebate, seus lábios erguendo levemente em um pequeno sorriso de lado. A lembrança do nosso encontro anterior surge vívida em minha mente, trazendo um calor inesperado às minhas bochechas.
Estreito meus olhos em sua direção.
— Você sabe bem como ser desagradável com uma dama — murmuro, sentindo uma onda de constrangimento me invadir enquanto mordo o lábio, tentando disfarçar minha perturbação.
— Essa dragão fica uma graça quando está com vergonha — ele pronuncia, me encarando intensamente, um pequeno sorriso brincando no canto da boca.
— Quê? — Indago, minha voz saindo mais incrédula do que pretendia, incapaz de acreditar no que acabo de escutar.
— Que foi? — Ele responde.
— O que você acabou de dizer? — Insisto.
— Eu não disse nada — ele tenta disfarçar, mas o rubor sutil em suas bochechas e o modo como desvia o olhar me dão a resposta.
— Você acabou de dizer que eu fico uma graça quando estou com vergonha — relembro a ele, minha voz firme, mas minhas mãos trêmulas traem a calma que tento projetar.
Um silêncio paira no ar, carregado e denso, enquanto ele me olha, sem dizer uma palavra. Percebo então que ele disse isso sem se dar conta de que falou em voz alta.
— Então você acha essa dragão aqui uma graça? — Provoco, o rosto dele começa a ficar vermelho só então se dando conta do que falou, seguro o riso, parece que o jogo virou.
— Você ouviu errado! — Ele tenta negar, mas já é tarde demais, o constrangimento está estampado em seu rosto.
— Não, eu ouvi direitinho — rebato, não escondendo um sorriso presunçoso que se estica em meus lábios.
— Então agora você já aceita ser chamada de dragão? — Ele indaga, até parece que vou deixá-lo virar esse jogo.
— Aceito, desde que você admita que me acha uma gracinha — amplio o sorrio.
— Garota irritante — ele murmura e revira os olhos. — Você não me respondeu.
— O que eu não respondi?
— O que está fazendo aqui? Estava me rastreando? — ele pergunta, a voz carregada de desconfiança.
Ergo as sobrancelhas diante da audácia dele, sentindo uma onda de irritação me percorrer. Olho-o de cima a baixo com evidente desdém, franzindo meu lábio superior em um gesto de desprezo.
— Você é todo cheio de si, hein? — Comento, deixando que a ironia impregne minhas palavras. — Estou procurando sinal no meu celular. — Levanto o aparelho para enfatizar, balançando-o levemente no ar.
— Achou? — Questiona.
Olho para a tela e ainda nada de sinal, balanço a cabeça de forma negativa, o observo suspirar e tirar o próprio celular do porta-luvas.
— Para quem quer ligar? — Ele pergunta desbloqueando o celular
— Ninguém — respondo.
— Então para que quer sinal? — Ele questiona, com uma feição irritada encarando-me. Ele questiona, com uma feição irritada, encarando-me intensamente.
— Para chamar um Uber — respondo, e dou de ombros.
— Você saiu do restaurante até o meio da BR à noite para chamar um Uber? — Ele indaga, me olhando como se eu fosse alguma idiota.
— O ônibus onde eu estava sofreu um acidente — explico. — E eu quero voltar para casa.
— E por que não falou antes!? — Ele indaga impaciente.
— Apenas respondi o que me perguntou — respondo, com um tom de falsa inocência.
— Engraçadinha. Bora, entra aí que eu te dou uma carona. Você já tem uma casa, né? Ou é para eu te levar para o abrigo mais próximo? — Ele pergunta, o sarcasmo carregado em sua voz.
— Aff! Por que você sempre faz isso? Quando acho que você vai evoluir de um ogro para sapo amaldiçoado, você vai e se mostrar um verdadeiro ogro, seu idiota! — Xingo-o com raiva sentindo-me humilhada. — Não quero a sua ajuda, deixa que eu me viro.
Saio de perto do carro dele e volto a caminhar com o celular erguido em busca do bendito sinal 4G, contudo, sou puxada pelo meu antebraço e ao virar, bato no peito do ogro, ergo meu olhar e os nossos olhos se encontram. Tudo ao nosso redor parece ter desaparecido, sinto-me estranhamente conectada com essas safiras gélidas.
"Tum-tum. Tum-tum."
O que é isso?
"Tum-tum. Tum-tum."
Esse som... ele vem... de mim?
Sim!
É o som do meu coração. E cada batida ressoa como uma trilha sonora particular, enquanto não consigo desviar os olhos dos dele, a frieza em seu olhar é como se fosse um muro, mas a sensação que tenho é que se trata de um muro de lamento e que implora para ser derrubado. A intensidade desses olhos gélidos me perfura, mas ao mesmo tempo, faz o meu coração acelerar ainda mais, deixando o som das minhas batidas ainda mais altas em meus ouvidos.
— Você não pode simplesmente sair andando no meio da BR à noite — ele murmura, sua voz baixa e rouca, quebrando o silêncio entre nós.
— Eu... — começo, mas minha voz falha. Tento desviar o olhar, mas a conexão entre nós é forte demais. — Eu só queria voltar para casa.
— E você vai voltar — ele responde, sua voz mais suave agora. — Comigo.
Engulo em seco, involuntariamente, meu olhar desce para seus lábios.
Laura Martins:"Ele sempre teve uma boca tão bonita assim?" —Me questiono internamente, mordo o meu lábio inferior. Será que são macios? Quentes? A língua... será que... de repente e bruscamente, como se tivesse uma doença altamente contagiosa, ele me solta e se afasta. Cambaleio um pouco antes de retornar ao equilíbrio. Uma pontada de vergonha toma conta de mim, me atingindo como um soco no estômago, a minha mente martela com a possibilidade de que ele percebeu que, por um breve momento, eu talvez quisesse beijá-lo. Rezo em silêncio para que ele não tenha notado as minhas intenções nesse pequeno instante que encarei a boca dele.O som de um pigarro seco escapa da minha garganta enquanto tento esconder o meu constrangimento.Sinto um calor subir pelas minhas bochechas, o conflito interno entre raiva e atração deixando-me confusa.— Eu... eu não preciso da sua ajuda — sussurro, minha voz traindo a determinação que tento manter.— Por que você sempre tem que complicar tudo? — ele questio
Laura Martins: — Laura, o que aconteceu no restaurante? O meu filho chegou aqui transtornado! — a mulher começa. Lá vamos nós, penso me preparando para receber o esporro. — O nosso acordo era para você deixá-lo feliz e não ainda mais infeliz! — A voz da mulher ressoar familiar por trás da linha. De onde a conheço... de onde... já sei! É ela! A senhora elegante e gentil de terninho. Cristiane, é esse o nome dela, por que eu não me lembrei assim que vi o ogro? Será que foi o choque por ter sido justo ele? — Está aí? — Cristiane, a mãe do ogro, chama impaciente. — Si-sim! Estou sim — respondo, tentando suar calma, mesmo com o coração disparado. — Então por que não me respondeu? — Questiona. — Eu estava tentando me lembrar de onde conhecia a sua voz — explico e mordo o lábio com vergonha da minha lerdeza. — Você não lembrava que era eu? — Consigo sentir a surpresa em sua voz. — Desculpe — peço envergonhada, provavelmente o nome dela estava no contrato, mas eu só li a parte dos bene
Laura Martins:— Você! — exclamamos juntos, ambos claramente atônitos e, no meu caso, desesperada.Meu coração dispara em meu peito, ecoando um alarme surdo que parece preencher todo o espaço da sala de reuniões. Minhas mãos tremem tanto que mal consigo segurar a bandeja. Diante de mim, com os olhos azuis mais gélidos, que parece até congelar o ar entre nós, que eu já encontrei, está o ogro... não, o CEO da empresa onde trabalho, o mesmo homem em que a mãe me “alugou” para amar. Céus!Seu olhar sobre mim é uma mistura de surpresa e irritação, tão intensa que nesse momento, eu quero desaparecer.A única coisa que consigo fazer é encará-lo com uma expressão que eu só posso imaginar como uma mistura de choque e horror.Sinto os olhares curiosos de todos sobre nós, olho em volta e subitamente me sinto muito pequena. Sinto o peso de cada olhar, julgando, questionando. Procuro por uma rota de fuga, mas a realidade da situação me golpeia com força. Não tem como eu correr.— O que está fazend
Fernando Duarte:Não consigo me concentrar nos desenhos dos designs das novas joias apresentadas nos slides. Na minha mente só vem Laura, especificamente o dia em que nós encontramos pela primeira vez: Sete meses atrás:— Senhor, vim busca-lo — Ana informa por trás da porta.Ajeito o paletó, levanto da poltrona e seguro a maleta com alguns papeis dentro. Saio do quarto e Ana segue atrás de mim, de frente a porta de saída de casa, meus pés travam. Depois de dois anos, sendo perseguido pelas vozes, atormentado pelo passado, torturado pelas lembranças e me sentindo culpado, essa é a quinta vez que saio dessa casa; com o passar do tempo, até a luz do dia começou a me incomodar, ficar no escuro fazia as vozes se calarem.Mas a minha mãe, me tirou de dentro de casa. Ela e a minha irmã, agora sei que foi tudo armado pelas duas, no começo fiquei com raiva, mas agora me controlo melhor.Não quero sair! A minha mente e o meu corpo gritam, aperto com força a alça da maleta,
Laura Martins:— Logo você ficará boa — Oliver diz terminando de enfaixar a minha mão, e fecha o kit de primeiros socorros.— Obrigada — agradeço. — Como eu nunca te vi antes? — Questiono curiosa. Oliver, apesar de ter uma beleza quase feminina, é bonito. Seria impossível não reparar nele.— Oliver, está aqui? — A voz de Mike ressoa, antes que Oliver possa me responder. — Oliver, por que você chegou... — ele para de falar ao me ver, então olha para Oliver que está ao meu lado e para mim novamente, repete o movimento mais uma vez e só então repara na minha mão. — O que aconteceu?Mike se aproxima preocupado, pega na minha mão e observa o curativo feito por Oliver.— Está doendo? — Indaga preocupado.— Não, Oliver passou uma pomada de assadura e fez um curativo para a pomada não sair.— O que aconteceu para queimar sua mão assim?— Na sala de reunião, uma mulher do nada fingiu que eu prendi a xícara de café e derrubou ele na minha mãe, depois começou a gritar como eu ousava derruba café
Laura Martins:— Não sabia que era o senhor — respondo, canalizando a tranquilidade de um monge em meditação, embora por dentro estivesse mais para um desenho animado em pânico. — Creio que esclareci isso no restaurante, lembra? Quando você decidiu gritar comigo na frente de todas aquelas pessoas — acrescento, lançando-lhe um olhar significativo.Fernando me encara com uma frieza calculada, seus lábios formam uma linha reta, mas eu percebo uma ligeira hesitação em seus malabarismos com a caneta.— Como conheceu a minha mãe? — Ele dispara a pergunta, e eu quase engasgo com a surpresa.Droga!— Por que acha que eu conheço a sua mãe? — Retruco, tentando soar tão inocente possível, quanto uma criança flagrada fazendo travessuras, enquanto desesperadamente tento ganhar tempo para tecer uma resposta plausível.Fernando para de brincar com a caneta, seu olhar foca intensamente em meu rosto, quase me perfurando e analisando, tentando encontrar a verdade em minhas feições. Falho miseravelmente
Fernando Duarte:— Então, em breve receberei um convite de casamento, é isso? — brinco, enquanto observo Pietro passar as mãos por seus cabelos com uma expressão de quem preferia estar em qualquer outro lugar.Não posso dizer que sei como ele se sente, há três anos, eu estava na mesma situação que ele, em um casamento arranjado, mas tinha apenas uma diferença, eu queria aquele casamento. Pior erro da minha vida.— Melhor eu aproveitar, serão os meus últimos dias solteiro — ele diz, esboçando um sorriso que mais parecia uma careta de dor contida.Eu e Pietro nos tornamos amigos na faculdade, porém enquanto eu fazia o curso de administração, ele fazia medicina, foi um acaso nos tornamos amigos. Apesar de ele ser quatro anos mais novo do que, ele entrou bem cedo na faculdade, agora ele já tem dois anos sendo o melhor cardiologista do hospital de sua família. — Pelo menos ela é bonita — comento, tentando deixar a situação um pouco menos sufocante para ele. — E aí, acha que vai consegui
Laura Martins:— A mamãe vai me matar! — Profiro observando a travessa de vidro espatifada na pia.— Laura!? — A voz de Luciano ressoa por trás de mim, viro-me para ele com os olhos cheios de lágrimas. — O que aconteceu? Por que gritou? — Ele indaga preocupado. Meu lábio treme.— A travessa... que..quebrou — gaguejo com a voz aflita. — Não foi de proposito — apresso em me defender. — Eu só coloquei em cima da pia, e aí ela estourou — explico em prantos.Meu irmão se aproxima de mim, com os polegares ele enxuga as minhas lágrimas.— Tão bobinha, o que você estava fazendo com a travessa?— Eu queria fazer um bolo para você, com mousse, por isso usei a travessa — explico. — Queria te acordar e cantar os parabéns, mas só fiz gritar e a agora a mamãe vai me bater — falo e começo a chorar ainda mais, Luciano me abraça e alisa as minhas costas, aos poucos vou me acalmando.— Vá para o quarto e tome banho, não conte nada para a mãe, deixa que o seu mano resolve, tá bem?Balanço a cabeça que s