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Capítulo 6: Lágrimas tem outro nome

Fernando Duarte:

O momento presente se dissolve, e minha mente é abruptamente arrastada de volta àquela noite fatídica. o barulho ensurdecedor, repentino e violento de uma batida, seguido pelo estrondo assustador de uma explosão atrás do meu carro.

O mundo ao meu redor transformou-se num caos vivo: os olhos verdes desesperados, os gritos dilacerantes por socorro perfurando a noite, misturados ao som das sirenes sendo abafadas pelo zumbido em meu ouvido. Lágrimas mesclam-se ao sangue que tingia toda a minha visão de um vermelho profundo e sombrio.

O horror da imagem tingida de vermelho me dá náuseas — membros perdidos, um braço aqui, pernas ali, espalhado pelo interior do carro, o forte cheiro do sangue...

Enquanto o passado me consome, uma gota de suor frio traça um caminho pela minha testa. O descompasso de meu coração martela contra meu peito, enquanto minhas vistas se embaçam com a iminência de mais um colapso emocional. Lágrimas, antes contidas, agora fluem livremente, embaçando minha visão, e meus joelhos, subjugados pelo peso da memória, cedem sob mim. Com um baque surdo, encontro-me de joelhos no chão, meu corpo inteiro tremendo.

O rosto, que outrora ostentava uma expressão de fúria, agora é a própria imagem do sofrimento, marcado por sulcos profundos de dor. Enxergo e sinto o cheiro das chamas que dançam vorazmente ao redor, lambendo os restos de metal retorcido que emana um calor insuportável. Consigo ouvir os gritos se intensificando, um coro de vozes aterrorizadas e doloridas se aproximando, enquanto a distinção entre passado e presente se torna cada vez mais tênue e indistinta.

O suor banha meu rosto, e cada batida do meu coração parece ecoar em minha cabeça, uma marcha fúnebre descompassada e sufocante. A falta de ar me faz abrir e fechar a boca, mas de nada adianta, estou sufocando. De novo, preso no passado que é tão vívido e terrível.

— Não, por favor — sussurro, minha voz trêmula de desespero. Já não consigo discernir se meu apelo é para que eles não se afastem ou para que esta dor lancinante cesse. As memórias assombram os cantos mais escuros da minha mente, fazendo-me perder qualquer noção de realidade. Um gosto amargo e metálico invade minha boca, símbolo pungente de minha impotência e desespero.

— Ogro? Ei, ogro — uma voz surge ao longe, frágil como o sussurro do vento. Será que se dirigem a mim? Essa voz suave, de quem é? Eu lembro que tem uma pessoa que me chama assim...

Nesse instante, um silêncio profundo engole todos os ruídos. As imagens tumultuadas se dissipam e sou submergido numa calmaria abrupta. Minha respiração, antes ofegante, lentamente vai encontrando um ritmo mais suave, quase normal. Relutantemente, abro os olhos e me deparo com Laura me observando, seus olhos fixos nos meus, despidos do desafio que usualmente carregam.

Neste momento, não a vejo mais como a pirralha irritante que me chama de ogro, mas sim uma presença reconfortante cujo olhar ilumina a escuridão em que me afundei. O calor de sua mão sobre a minha me surpreende, trazendo um alívio inesperado, meu coração vai se acalmando.

— Você está bem? — Laura pergunta, seus olhos castanhos cravados nos meus, cheios de preocupação genuína.

Pisco várias vezes, tentando reorientar-me, e instintivamente, retiro minha mão do seu toque quente que agora parece queimar minha pele.

— Ah, já sei, você estava chorando de preocupação comigo, não é? Eu não esperava por essa, você é mesmo um ogrinho fofo — ela brinca, mal contendo uma risada provocativa, enquanto bagunça meus cabelos com um gesto brincalhão.

Me afasto rapidamente e me levanto, enquanto ela faz o mesmo.

— Não precisava chorar, cara, eu só... foi só... foi só uma queda de pressão, isso, foi uma queda de pressão — ela gesticula levemente, suas palavras tropeçando umas nas outras, como se estivesse tentando preencher o silêncio com uma explicação que nem mesmo ela parecia completamente convencida.

— Eu não estava chorando! — Exclamo, a voz elevada e as minhas mãos se fecham instintivamente em punhos. Sinto uma mistura de irritação e vulnerabilidade borbulhando dentro de mim, a vergonha de ser visto num momento tão frágil adicionando uma camada extra de frustração...

Ela me encara, uma sobrancelha, seus olhos castanhos brilham em um desafio petulante.

— E o que é isso aí molhado nas suas bochechas? — Sua voz é carregada de sarcasmo, provocando-me ainda mais.

Reviro os olhos impaciente, era só o que me faltava.

— É suor! — Respondo prontamente, a defensiva me dominando, enquanto tento controlar a tensão em meu corpo. — Fiquei nervoso, você estava tão pálida que achei que tinha morrido.

Ela morde o lábio, lutando para conter uma risada, claramente divertida com minha resposta.

— Aham, sei, lágrimas agora têm outro nome — ela zomba, descrente.

— Chega! — Grito alterado. — Isso não é da sua conta! — Rebato, irritado e humilhado, virando-me abruptamente em direção à porta da área dos funcionários.

Enquanto caminho, um turbilhão de emoções me consome.

Merda! Merda! Merda!

— Você também tem seus demônios, não é? — Laura murmura suavemente, tão logo alcanço a maçaneta da porta. Sua voz carrega uma mistura de questionamento e afirmação, tocando fundo na minha alma.

Sem olhar para trás, fecho os olhos brevemente e engulo seco, lutando contra a vontade de responder. Minha mão trêmula levemente ao tocar a maçaneta da porta. Sem mais palavras, abro a porta e saio.

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