Visita

Não, eu não procurei a mulher maluca do prédio, eu apenas segui minha vida dizendo a mim mesma que foi tudo uma estranha coincidência. Também tentei esquecer a cicatriz porque era apenas algo que provavelmente tinha arrumado me arranhando em algum lugar como sempre fazia. Lia me distraiu a maior parte do tempo. Ela tinha ficado bem mais bem humorada nos últimos dias desde que Isa entrara de férias e passou a ficar mais tempo com ela. Ai, ai. O amor. 

— Ah não, Lia fez isso? – Perguntei curiosa.

— Ela entrou em pânico quando se deu conta da altura que estávamos. Quando olhei para trás, ela já havia fugido. – Comentou Isa a respeito da sua tentativa de levar a namorada para pular de asa delta, enquanto Lia se contraia constrangida e nós ríamos.

— Frouxa. – Provoquei.

Nós rimos e Lia encheu novamente nossas taças com vinho. Estávamos apenas em casa e eu estava segurando vela, mas nos divertimos muito enquanto ela contava como tinha sido. O que eu mais gostava em nossa amizade era a forma que sempre fazíamos tudo funcionar bem entre nós. Como conseguíamos sempre participar da vida da outra sem se meter demais em nosso próprio espaço.

Pelo que absorvi da conversa depois da tentativa frustrada de comemorar dois anos de namoro de uma forma inusitada, Lia a levou em um restaurante e depois passaram o resto da noite em um hotel lindo em frente à praia. 

— Ah, que fofo! – Eu disse. – Eu quero uma Lia para mim também.

— Sai fora!

— Vem cá, Lilia, me dá um beijinho. – Falei levantando dando a entender que beijaria o mulher que imediatamente levantou e saiu correndo rindo igual uma criança.

Ontem ela veio dormir aqui depois que as duas chegaram. Elas estavam bêbadas, quebraram um vaso da sala e com certeza não ligaram para o fato de que eu estava no quarto ao lado. As duas haviam combinado de passar o dia aqui e não me expulsaram, ao contrário, me convidaram para passar o dia com elas. Eu não gosto muito de segurar vela, contudo eles trouxeram comida e é o suficiente para eu optar por permanecer no apartamento.

— A gente estava planejando ir amanhã à um festival que vai ter lá perto da casa da Isa. Parece ser legal. Ela convidou um primo dela também, qual o nome dele mesmo? – Disse direcionando-se a mulher. 

— Nathan.

— Ah isso! Então, Belle, quer ir?

— Festival de que? – Perguntei interessada.

— Parece que vão se apresentar alguns grupos. Eu acho que você vai gostar. Lia disse que você é louca por garotos suados dançando.

Queria dizer que não era verdade, mas cresci vendo boybands dos anos 90 e aquilo era o suficiente para eu concordar. 

Acho que a Lud também estava na lista. Ela e Thiaguinho. Não conheço muito os cantores internacionais, mas tem um grupo de kpop também. Você vai gostar. 

Assim que acabamos de arrumar a bagunça que fizemos, deixei as duas a sós no sofá e fui tomar um banho. Estava muito quente, o ar estava bem abafado e nosso ar condicionado havia dado defeito, ou seja, eu estava fedendo e necessitando urgentemente de um banho. Tirei minha camisa, a pendurei na porta do box e em seguida comecei a desabotoar o shor que Júlia me deu no meu aniversário ano passado. Coloquei junto ao resto da minha roupa enquanto abria lentamente a porta do box tomando cuidado para que minhas roupas não caíssem. Estava colocando o primeiro pé dentro do box quando em minha mente surgiu a lembrança da marca que eu achei em meu peito há alguns meses. Eu havia convencido a mim mesma que não ligaria mais para isso e tentaria esquecer que ela estava ali, só que naquele momento tão perto do espelho, uma agitação se formava em meu estômago e me fazia questionar se ela ainda estava lá. Eu não vou olhar. Mas por que não? Se é apenas uma pequena cicatriz, o que tem demais? Ela possivelmente não estaria mais ali, ou estaria? Convencida de que se não era nada importante não haveria problema nenhum em olhar. Afastei-me do box e caminhei em direção ao espelho. Cheguei perto da pia de mármore e estendi minhas mãos sobre ela com a intenção de que pudesse me auxiliar a me esticar e poder analisar melhor a pequena marca em meu peito.

A pequena marca havia ganhado mais duas.

Um pouco assustada e com isso em mente entrei no box, abri o chuveiro e deixei que a água fria caísse por meu corpo. Tentei focar nas gotas que escorriam por meu cabelo e deslizavam por minha barriga nua para não pensar na cicatriz que crescia em meu peito. Será que eu estava doente? Era melhor eu ter procurado um médico durante esse tempo? Isso seria mais sensato. Talvez eu devesse procurar agora. É exatamente isso que vou fazer durante essa semana. Eu não sei explicar o porquê de ter me importado tanto com aquilo, eu geralmente não me importaria, mas dessa vez eu tinha uma sensação estranha de que eu deveria.

Depois de alguns minutos finalmente saí do banho. Coloquei uma roupa limpa, sequei meu cabelo com a toalha e decidi não pensar mais nisso e aproveitar o resto do dia com o casalzinho. Fui para meu quarto, penteei meu cabelo na tentativa de parecer mais apresentável e quando achei que havia disfarçado minha cara de paranoica, voltei para a sala para me juntar às duas.

— A gente podia ver um filme. – Disse assim que as avistei.

Mas Lia não me respondeu de imediato. Ela estava sentada ao lado de Isa no sofá, mas ao contrário de sempre, ela não estava sorrindo, na verdade em seu rosto vi uma mistura de confusão e desconforto.

— Você tem visita.

Imediatamente olhei em volta da sala. Ela estava imóvel sentada no outro sofá, quase imperceptível, vestida com o casaco de lã, embora estivesse insuportavelmente quente, mas dessa vez sem as sacolas a acompanhando.

Olhei novamente para as meninas onfusa, recebendo de volta um sinal de "não sei". Depois dos primeiros segundos de confusão e surpresa, resolvi dizer algo e dar fim aquele silêncio incômodo.

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