Sigmund acordou no quarto de Althea, ela estava prostrada no altar. Uma dor de cabeça aguda o incomodava. “Tomara que não tenha dormido muito.”, desejou, enquanto sentava. Refletiu sobre o dia anterior. Para manutenir sua sanidade evitou lembrar dos momentos em que estava “estranho”, afinal a mera lembrança da sensação espalhava arrepios por seu corpo. Buscando distrair-se, aproximou-se de Althea. Ela tinha paz no semblante, algumas lágrimas corriam por sua face. Sigmund se comoveu, mas não atrapalhou, sentou para aguardá-la. Terminando sua oração, ela surpreendeu-se com o menino ao seu lado, mas não comentou, beijou sua testa, dizendo: — Bom dia, pequeno Sigmund. Descansou bem? — Por que chora? — perguntou, enxugando suas lágrimas. — Choro pela vida. — Você está doente? — Preocupou-se. — O mundo está. Já se banhou? — Não. Estava aguardando para saber se preciso de algum cuidado. Estou dormindo há muito tempo? Machuquei-me muito? — Não. Desacordou ontem… nenhum ferimento g
Uma intensa torrencial energética vazou do menino. Anunciando que individualidade estava sob controle absoluto do corpo. Somente guerreiros muito experientes detinham tanta energia! Ele assumiu a ofensiva, embriagado pelo prazer. Althea manteve-se parada, nem sequer assumiu uma postura defensiva. — O defeito número um dos herdeiros de Algos — disse, vendo-o aproximar-se impressionantemente rápido —, cheios de si… é perigoso! Imprudência é a segunda maior causa de morte entre as crianças de Algos. Sigmund investiu o máximo de si em um soco. Althea, aplicando pouco de sua tenra e gélida energia na mão, segurou o ataque de Sigmund, desestabilizando-o com o toque. A defesa bem-sucedida custou a Sigmund alguns dedos quebrados, levando-o ao êxtase, dada a maravilhosa dor que percorreu seu corpo. — Sempre se sabotam — disse, em negativa. — Algos personifica dor e sofrimento, físico e emocional. Suas crianças são sádicas. Enquanto aprendizes, são levados a semiconsciência quando sentem
— Genocídio!? — pasmou Sigmund, sentindo uma dor lancinante espalhando-se do ponto onde o filo tocava sua mão para o resto do braço. — Sim. Matar a vida que tudo sustenta é genocídio — respondeu Aldous, nitidamente satisfeito pela dor do rapaz. — As imundas almas que lá embaixo pisam são uma parcela dos responsáveis. Sigmund engoliu seco, incapaz de tecer um comentário. — Você sofreu muito, garoto. Teve sua liberdade usurpada, vitimado por um homem controlador. Sobreviver com tamanha lucidez é louvável! — Não… me sinto… lúcido! — disse, devagar, estasiado. Aldous tirou o braço de Sigmund do contato com o sangue. — Está, acredite! — Ele riu, trêmulo. — Fui criado, primariamente, numa tentativa desesperada de sobreviver a abusos. Quando Esmond nos encontrou, estávamos levemente tomados por Loucura. Do momento em que aceitamos ajuda até acordarmos, com a lucidez reparada, são dias de um borrão que nunca preenchemos com algo. Esmond teve trabalho com nossa falta de controle constante
— Estamos melhores? — Althea questionou ao fim da refeição. — Sim. Sobrou-me disposição para trabalhar. O herdeiro tem o que pensar. Ficamos estressados, mas passou! Foi um dia satisfatório. — Estou bem, mas cansado. Posso deitar? — pediu Sigmund, tonto. — Após tanto, deve descansar. Provavelmente, o monge despertará… — disse Aldous, sentando próximo ao menino. — Deite! Quero ver como será preso. Pode narrar o processo de emergir e imergir? — Emergir é simples. Quando o monge está consciente, qualquer estresse ao corpo me permite interagir. Aumentar os níveis de estresse aplica pressão contra as trancas. Após a primeira, o resto fragiliza, é só seguir forçando contra — explicou, tentando ser claro. — Imergir dói. Como ser lançado e rolar montanha abaixo… tortuoso! Consigo senti-las moverem-se, isto me causa enjoo. No combate não senti, mas o cansaço e o resto, devem ajudar, não sei… o raciocínio está turvo! Sigmund deitou, cansado. Aldous o observou atentamente. A grande festa de
Mais um dia se passou e Sigmund despertou aéreo. Lentamente, pegou um quíton no armário. O caminho ao banheiro foi ainda mais devagar, dada a incômoda sensação vertiginosa, que o obrigava a apoiar-se na parede enquanto aguardava seu senso de equilíbrio restaurar-se. Uma intensa dor na cabeça o assolou. “Não estamos bem, monge… é sério. Peça ajuda!”, disse seu revoltado eu, perturbado, causando-o uma leve hemorragia nasal. Sigmund foi ao salão principal, zigue-zagando — afinal, já não haviam paredes onde apoiar. Althea já estava ao salão tomando vinho, absorta em suas anotações, mas ao vê-lo, correu. — Criança, está bem? — perguntou, ajoelhando-se e apoiando-o. — Não. — Ele pôs a mão no rosto. — Estou lento… tudo está embaralhado. Estava indo ao banho… ele disse para chamar ajuda. — Vamos ao banho. Althea o lavou e vestiu, levando-o ao salão principal, em seguida. — Falta algum tempo para a refeição, quer descansar mais um pouco? — Não sei… não estou bem — respondeu, deitando
Após a partida de Chase, Aldous manteve-se de pé. O sangue vazava do convés, manchando o mar. Estava trêmulo e o contato com o sangue o deixava mais irascível. Com a dificuldade para respirar, Aldous tirou uma das muitas agulhas de seu quíton e virou-se de costas para o mar, observando o sangue. Ele fechou os olhos e perfurou, abaixo da unha do dedo mínimo. O prazer da dor arrepiou seu corpo, dando-o uma ereção. O gemido desafogou seus pulmões. “Isto precisa acabar!”, pensou, impaciente para a morte começar. Haviam alguns fios de vida, abaixo da popa, de idades variadas. Um único estava a ponto de arrebentar e este era o aguardado. O fio vibrava, intenso, mas não suficiente… Faltava… e Aldous não queria ver o que este fazia com os donos dos dois fios próximos. Ele aguardou enquanto brincava com a agulha para conseguir respirar. Seus olhos, levemente enegrecidos, evidenciavam o quanto o controle lhe escapara, mas o forte senso de dever não o permitiria partir. “Finalmente!”
— Como ele está? — Chase arguiu, pondo o morin khuur ao seu lado. — O artifício começa a falhar. Os mecanismos dependem da renovação do autor, sem isto, começam a afetá-lo — disse Althea, preocupada. — Se demorarmos é impossível mensurar os danos. — O pai deve estar destruído — compadeceu-se. — Sou necessário? — Só volte para casa. Infelizmente, trabalhar com o pequeno será complicado e com o surto recente, não é sábio estar aqui. Quer ajudar? — Do que precisa? — perguntou, levantando-se prontamente. — Eles ainda não tiveram uma refeição, pode nutri-los, por favor. Estou cansada e não posso me desgastar tão cedo. — Sim, senhora — assentiu Chase, nutrindo-os com sua energia. — Este herdeiro terá tanta dificuldade quanto o pai? — Não sei. É um ótimo rapaz, muito machucado. Sua emancipação da vida foi violenta… matou a mãe e alguns homens de fé. Ele fala de uma moça que cuidou dele, eu acho! Seria interessante encontrarmos, talvez ajude na reabilitação. Claro, se Aldous permitir!
Ao abrir os olhos, Sigmund viu-se às margens de um rio. Trêmulo, extremamente dolorido, ele suspirou. A enegrecida e amarga água do rio o trouxe enjoo, sem forças, ele apenas se virou de lado e pôs para fora toda a água que ingerira. Ofegante, estressado, ele deitou com a barriga para cima, tentando recuperar-se. A dor já não era intensa, o que era razoável. Ele tentou levantar, sem sucesso, afinal não havia mínima força em suas pernas para tal. Ele não insistiu, arrastou-se até o monge que, apesar de desacordado, não mais parecia profundamente dormente. — É hora de acordar, monge! — chamou, concentrando-se e usando sua sinfonia para estimular seu despertar. O monge acordou, expelindo a água do rio. — Seu desgraçado preguiçoso! — comemorou, ainda irado. — Desgraçado preguiçoso? — perguntou o monge, tonto, fazendo careta pela amargura que impregnava seu paladar. — Odeio-te, já disse isso, monge? — indagou, tentando levantar-se, sem sucesso. — Ótimo, agora eu sou o inútil! — iro