Mais um dia se passou e Sigmund despertou aéreo. Lentamente, pegou um quíton no armário. O caminho ao banheiro foi ainda mais devagar, dada a incômoda sensação vertiginosa, que o obrigava a apoiar-se na parede enquanto aguardava seu senso de equilíbrio restaurar-se. Uma intensa dor na cabeça o assolou. “Não estamos bem, monge… é sério. Peça ajuda!”, disse seu revoltado eu, perturbado, causando-o uma leve hemorragia nasal. Sigmund foi ao salão principal, zigue-zagando — afinal, já não haviam paredes onde apoiar. Althea já estava ao salão tomando vinho, absorta em suas anotações, mas ao vê-lo, correu. — Criança, está bem? — perguntou, ajoelhando-se e apoiando-o. — Não. — Ele pôs a mão no rosto. — Estou lento… tudo está embaralhado. Estava indo ao banho… ele disse para chamar ajuda. — Vamos ao banho. Althea o lavou e vestiu, levando-o ao salão principal, em seguida. — Falta algum tempo para a refeição, quer descansar mais um pouco? — Não sei… não estou bem — respondeu, deitando
Após a partida de Chase, Aldous manteve-se de pé. O sangue vazava do convés, manchando o mar. Estava trêmulo e o contato com o sangue o deixava mais irascível. Com a dificuldade para respirar, Aldous tirou uma das muitas agulhas de seu quíton e virou-se de costas para o mar, observando o sangue. Ele fechou os olhos e perfurou, abaixo da unha do dedo mínimo. O prazer da dor arrepiou seu corpo, dando-o uma ereção. O gemido desafogou seus pulmões. “Isto precisa acabar!”, pensou, impaciente para a morte começar. Haviam alguns fios de vida, abaixo da popa, de idades variadas. Um único estava a ponto de arrebentar e este era o aguardado. O fio vibrava, intenso, mas não suficiente… Faltava… e Aldous não queria ver o que este fazia com os donos dos dois fios próximos. Ele aguardou enquanto brincava com a agulha para conseguir respirar. Seus olhos, levemente enegrecidos, evidenciavam o quanto o controle lhe escapara, mas o forte senso de dever não o permitiria partir. “Finalmente!”
— Como ele está? — Chase arguiu, pondo o morin khuur ao seu lado. — O artifício começa a falhar. Os mecanismos dependem da renovação do autor, sem isto, começam a afetá-lo — disse Althea, preocupada. — Se demorarmos é impossível mensurar os danos. — O pai deve estar destruído — compadeceu-se. — Sou necessário? — Só volte para casa. Infelizmente, trabalhar com o pequeno será complicado e com o surto recente, não é sábio estar aqui. Quer ajudar? — Do que precisa? — perguntou, levantando-se prontamente. — Eles ainda não tiveram uma refeição, pode nutri-los, por favor. Estou cansada e não posso me desgastar tão cedo. — Sim, senhora — assentiu Chase, nutrindo-os com sua energia. — Este herdeiro terá tanta dificuldade quanto o pai? — Não sei. É um ótimo rapaz, muito machucado. Sua emancipação da vida foi violenta… matou a mãe e alguns homens de fé. Ele fala de uma moça que cuidou dele, eu acho! Seria interessante encontrarmos, talvez ajude na reabilitação. Claro, se Aldous permitir!
Ao abrir os olhos, Sigmund viu-se às margens de um rio. Trêmulo, extremamente dolorido, ele suspirou. A enegrecida e amarga água do rio o trouxe enjoo, sem forças, ele apenas se virou de lado e pôs para fora toda a água que ingerira. Ofegante, estressado, ele deitou com a barriga para cima, tentando recuperar-se. A dor já não era intensa, o que era razoável. Ele tentou levantar, sem sucesso, afinal não havia mínima força em suas pernas para tal. Ele não insistiu, arrastou-se até o monge que, apesar de desacordado, não mais parecia profundamente dormente. — É hora de acordar, monge! — chamou, concentrando-se e usando sua sinfonia para estimular seu despertar. O monge acordou, expelindo a água do rio. — Seu desgraçado preguiçoso! — comemorou, ainda irado. — Desgraçado preguiçoso? — perguntou o monge, tonto, fazendo careta pela amargura que impregnava seu paladar. — Odeio-te, já disse isso, monge? — indagou, tentando levantar-se, sem sucesso. — Ótimo, agora eu sou o inútil! — iro
“Sempre que um, dentre eles, nos amar será o amor d’Ela pulsando no íntimo de nossos irmãos!”, ressoou o voto de Algos, na alma de Sigmund. Sigmund despertou dentro de si, olhou ao redor e tudo estava igual, excetuando uma grande lua púrpura, banhando o local onde as mandalas não mais estavam. O monge estava deitado ao seu lado. — Monge? — chamou, desatando o nó de seu cabelo. — Hm… — O monge suspirou. — Morremos? — arguiu, sonolento. — Que fixação com a morte, nossa! Como se sente? — Sonolento, estranho — respondeu, olhando ao redor, com a visão embaçada —, estamos de volta em casa? — Sim, as marcas das mandalas foram substituídas por uma lua — respondeu, apontando para o céu. — Uau! Isto é normal? — Sim, é onde vive Algos. — Ele sorriu, saudoso. — Deixe-me ver o que o aflige… — Sentou, esparramando os cabelos no chão. — É como seus olhos. — O monge riu. — Por quê de tanto cabelo? — perguntou, letárgico. — Por que nenhum? — Sigmund riu, começando a verificá-lo. *** Aldous
Aldous despertou com o choro de Sigmund. Ao levantar, viu o menino com o rosto enterrado no peito de Althea. — O que houve? — perguntou, sentando ao lado da mulher. — Amnésia. Isto deveria ocorrer? — perguntou, preocupada. — Não é efeito colateral. As memórias fictícias foram removidas! Aldous a beijou na testa e foi ao banheiro, incapaz de observar o pranto do menino e manter a própria estabilidade. Althea apoiou a cabeça na cabeça do menino. Após muito chorar, Sigmund dormiu. Ela o deitou e, incapaz de conter as lágrimas, foi ao altar buscar conforto nos braços de sua mãe divina. Aldous, após o banho, juntou-se. — Preciso ir, senhora — disse, quando ambos encerraram suas preces. — Não se preocupe, voltarei! — Ele sorriu, enxugando as lágrimas do rosto de Althea. — Meus lindos olhos choram. — Momentâneo… — Ela sorriu, suspirando. — Se cuida! Que a mãe o guie pelos caminhos da renovação e seu perfume lhe aponte o caminho de casa — bem-disse Althea, em tom de oração. — Amém,
Com Sigmund no colo, Althea fechou a porta do salão e serviu vinho. — Há oito meses, Epidotes relatou a inconstância de Ketu, sem detalhes. Poucos sabiam haver civilização em Aakash — disse Agniprava, bebendo o vinho. — Os irmãos de Burma sugeriram buscar os Nats em Popa. Fomos parte à Popa, parte à Aakash. Recebemos um documento dos Nats para termos com a vila e soubemos de sua relação distante dada a natureza reclusa de Aakash. Na vila, notamos a proteção num vasto território. Dada a atribulação no caminho dos mortos, não o usamos. Esperamos para tentar falar com alguém, mas ninguém deixou o perímetro da proteção por todo o tempo que ficamos. — Os vegetais que a floresta não provê são plantados sobre o lago. Ir até lá é desnecessário, um luxo! As crianças o fazem mais que os adultos ou jovens — disse Sigmund, tentando colaborar, mesmo desconfortável. — Guardamos o documento e observamos, tivemos contato com o sétimo general, mas não arguimos. A ocorrência se deu… agora, estamos aj
— As coisas com o pequeno Sigmund, atualmente, estão razoáveis. As incidências com a Loucura são constantes… mas, sua grande compreensão de si ajuda com o bom fluir dos eventos — explicou Althea. — O que vi, abaixo da máscara, é Bodhi? — arguiu Ianos, curioso. — Não se ele puder evitar, segundo o próprio — respondeu Althea. — Ele teve problemas com theravadas, logo é uma aversão generalizada. — Meu aprendiz terá trabalho com o vizinho! — Ianos riu. — Tenho fé que o próximo Algos será ajuizado — bem-disse Alexa. — Eles terão problemas. Seu aprendiz terá mais dificuldades do que você teve com Aldous, provavelmente… — Althea riu, nostálgica. — Não foi difícil. É um grande homem, me orgulho de conhecê-lo e chamá-lo irmão. Mesmo tendo suas forças sugadas pela guerra, resiste de pé! É um exemplo. Gosta de me hostilizar, mas não incomoda. Não pode fugir de sua natureza e esta não muda sua grandeza. — Ianos, pode me ajudar? — pediu Althea. — Há uma mulher, nativa de Aakash, de quem prec