— Ele ficará bem? — questionou Sigmund. — Sim, só partiu para casa. Como está? — Ele atou e desatou os nós tão rápido que estou aturdido — respondeu, confuso. — A senhora me ajuda com aquelas coisas para as cicatrizes? Talvez um banho ajude. — Ajudarei, vamos! Se sentir algo, me avise! Ambos caminharam para fora do grande salão. — A primeira porta à direita nos corredores é um banheiro — disse Althea. — A porta ao final dos corredores é um armário. Nele tem toalhas, roupas, roupas de cama, sandálias, velas, incensos, ataduras, insumos medicinais e estéticos, papéis, canetas-tinteiro, tintas e diversos instrumentos musicais. Deixarei unguentos no seu armário, tudo bem? — Obrigado, Althea Gyi. — Aguardarei no grande salão para a lição — disse, deixando-o. Sigmund banhou-se. No quarto, aplicou os unguentos e ao terminar foi até Althea que já recebia os sacerdotes e designava tarefas. Ele sentou-se para aguardá-la. Althea lecionou por uma hora e ao fim, voltou ao trabalho. — É p
— Criança, preciso que se acalme. — Althea aproximou-se de Sigmund. — Respire fundo. Você ficará bem! — Sorriu. Ela observou o pequeno corte em seu rosto, feito pelo bojo da taça. Tomou a base da mão de Sigmund e o abraçou, pegando-o no colo. — Concentre-se na minha voz! — sussurrou Althea, pondo a base na mesa. — Encheremos os pulmões com ar… devagar… e soltaremos o ar… Ela respirou devagar, estimulando Sigmund a realizar o mesmo. Ele deitou a cabeça em seu peito, repetindo o exercício devagar. Althea silenciou-se e quando o menino acalmou-se, ela tocou sua flauta e a canção o adormeceu. Era uma canção calma, trazia consigo passividade e tranquilidade, junto a doce esperança de dias melhores. Althea tocou durante a sesta, confortando o menino e a si mesma. Ao fim da sesta, todos começaram a assumir seus lugares. Dieter, observando a pequena desordem, aproximou-se. — Minha mãe, está tudo bem? Algum ferimento precisa de atenção? — Está tudo bem. Posso pedir sua ajuda? — pediu
Cedo, batidas na porta o despertaram. Uma mostrou-se a dona das batidas, portava sua sitar — uma cítara paquistanesa, muito similar a indiana. — Bom dia! Hora do banho para o treinamento. — Ela sorriu. Sigmund banhou-se e a acompanhou à área de treinamento. — Conversei com Samina e soube que seu estilo marcial não utiliza armas brancas, logo não tem vivência alguma com elas. — Sim. Segundo o lethwei, as armas estão no corpo. Vi Samina Gyi usando um bastão, foi fascinante… mas gosto das mãos nuas. — Compreendo. Seguimos com as mãos nuas — disse, ao chegar na floresta morta. — Combateremos… quero que use tudo de si, para eu saber por onde começar, tudo bem? Ela assumiu uma postura defensiva e Sigmund assumiu a ofensiva, usando de energia para atingi-la com mais força — muito eficiente! Uma manteve a postura. Após medir sua força mudou, evitando os ataques, não apenas esquivando, mas afastando-se para medir sua velocidade. Observou atentamente o quão rápido Sigmund se adaptaria
Sigmund acordou no quarto de Althea, ela estava prostrada no altar. Uma dor de cabeça aguda o incomodava. “Tomara que não tenha dormido muito.”, desejou, enquanto sentava. Refletiu sobre o dia anterior. Para manutenir sua sanidade evitou lembrar dos momentos em que estava “estranho”, afinal a mera lembrança da sensação espalhava arrepios por seu corpo. Buscando distrair-se, aproximou-se de Althea. Ela tinha paz no semblante, algumas lágrimas corriam por sua face. Sigmund se comoveu, mas não atrapalhou, sentou para aguardá-la. Terminando sua oração, ela surpreendeu-se com o menino ao seu lado, mas não comentou, beijou sua testa, dizendo: — Bom dia, pequeno Sigmund. Descansou bem? — Por que chora? — perguntou, enxugando suas lágrimas. — Choro pela vida. — Você está doente? — Preocupou-se. — O mundo está. Já se banhou? — Não. Estava aguardando para saber se preciso de algum cuidado. Estou dormindo há muito tempo? Machuquei-me muito? — Não. Desacordou ontem… nenhum ferimento g
Uma intensa torrencial energética vazou do menino. Anunciando que individualidade estava sob controle absoluto do corpo. Somente guerreiros muito experientes detinham tanta energia! Ele assumiu a ofensiva, embriagado pelo prazer. Althea manteve-se parada, nem sequer assumiu uma postura defensiva. — O defeito número um dos herdeiros de Algos — disse, vendo-o aproximar-se impressionantemente rápido —, cheios de si… é perigoso! Imprudência é a segunda maior causa de morte entre as crianças de Algos. Sigmund investiu o máximo de si em um soco. Althea, aplicando pouco de sua tenra e gélida energia na mão, segurou o ataque de Sigmund, desestabilizando-o com o toque. A defesa bem-sucedida custou a Sigmund alguns dedos quebrados, levando-o ao êxtase, dada a maravilhosa dor que percorreu seu corpo. — Sempre se sabotam — disse, em negativa. — Algos personifica dor e sofrimento, físico e emocional. Suas crianças são sádicas. Enquanto aprendizes, são levados a semiconsciência quando sentem
— Genocídio!? — pasmou Sigmund, sentindo uma dor lancinante espalhando-se do ponto onde o filo tocava sua mão para o resto do braço. — Sim. Matar a vida que tudo sustenta é genocídio — respondeu Aldous, nitidamente satisfeito pela dor do rapaz. — As imundas almas que lá embaixo pisam são uma parcela dos responsáveis. Sigmund engoliu seco, incapaz de tecer um comentário. — Você sofreu muito, garoto. Teve sua liberdade usurpada, vitimado por um homem controlador. Sobreviver com tamanha lucidez é louvável! — Não… me sinto… lúcido! — disse, devagar, estasiado. Aldous tirou o braço de Sigmund do contato com o sangue. — Está, acredite! — Ele riu, trêmulo. — Fui criado, primariamente, numa tentativa desesperada de sobreviver a abusos. Quando Esmond nos encontrou, estávamos levemente tomados por Loucura. Do momento em que aceitamos ajuda até acordarmos, com a lucidez reparada, são dias de um borrão que nunca preenchemos com algo. Esmond teve trabalho com nossa falta de controle constante
— Estamos melhores? — Althea questionou ao fim da refeição. — Sim. Sobrou-me disposição para trabalhar. O herdeiro tem o que pensar. Ficamos estressados, mas passou! Foi um dia satisfatório. — Estou bem, mas cansado. Posso deitar? — pediu Sigmund, tonto. — Após tanto, deve descansar. Provavelmente, o monge despertará… — disse Aldous, sentando próximo ao menino. — Deite! Quero ver como será preso. Pode narrar o processo de emergir e imergir? — Emergir é simples. Quando o monge está consciente, qualquer estresse ao corpo me permite interagir. Aumentar os níveis de estresse aplica pressão contra as trancas. Após a primeira, o resto fragiliza, é só seguir forçando contra — explicou, tentando ser claro. — Imergir dói. Como ser lançado e rolar montanha abaixo… tortuoso! Consigo senti-las moverem-se, isto me causa enjoo. No combate não senti, mas o cansaço e o resto, devem ajudar, não sei… o raciocínio está turvo! Sigmund deitou, cansado. Aldous o observou atentamente. A grande festa de
Mais um dia se passou e Sigmund despertou aéreo. Lentamente, pegou um quíton no armário. O caminho ao banheiro foi ainda mais devagar, dada a incômoda sensação vertiginosa, que o obrigava a apoiar-se na parede enquanto aguardava seu senso de equilíbrio restaurar-se. Uma intensa dor na cabeça o assolou. “Não estamos bem, monge… é sério. Peça ajuda!”, disse seu revoltado eu, perturbado, causando-o uma leve hemorragia nasal. Sigmund foi ao salão principal, zigue-zagando — afinal, já não haviam paredes onde apoiar. Althea já estava ao salão tomando vinho, absorta em suas anotações, mas ao vê-lo, correu. — Criança, está bem? — perguntou, ajoelhando-se e apoiando-o. — Não. — Ele pôs a mão no rosto. — Estou lento… tudo está embaralhado. Estava indo ao banho… ele disse para chamar ajuda. — Vamos ao banho. Althea o lavou e vestiu, levando-o ao salão principal, em seguida. — Falta algum tempo para a refeição, quer descansar mais um pouco? — Não sei… não estou bem — respondeu, deitando