Aquele era o tipo de noite que fazia qualquer um acreditar que o caos poderia ser belo. As luzes de Nápoles brilhavam como um mar de estrelas invertido, enquanto eu observava a cidade do alto da varanda do palácio Mendez. Apesar do vento suave que acariciava meu rosto, eu sentia o peso do mundo em meus ombros.
O telefone em minha mão piscava com a mensagem de Carlos Albuquerque. Ele era um aliado leal, ao menos por enquanto. A confiança na máfia é uma mercadoria rara, e a que Carlos e eu compartilhávamos tinha um preço: poder. Ele prometeu estar ao meu lado para proteger o legado da minha família, mas sei que, no fundo, Carlos nunca faz nada sem calcular seus próprios ganhos.
“Cristina, o carregamento chegará amanhã. Quero sua aprovação antes de darmos o próximo passo.”
Li a mensagem e apaguei a tela. Sempre exigiam algo de mim, como se ser a líder da máfia mais temida da Itália aos 23 anos não fosse o suficiente. Meu pai costumava dizer que o poder nunca é dado, ele é tomado, arrancado à força. Talvez fosse verdade, mas o que ele não me contou é que o poder também pode ser uma prisão.
Meu pai está morrendo. Minha respiração vacilou ao pensar nisso. Cada dia que passa, ele se torna mais fraco, e o homem que me ensinou a ser implacável está desaparecendo diante de meus olhos. Meu irmão, Alejandro, está do outro lado do oceano, cuidando de nossos negócios no México. Isso me deixou sozinha, no centro do jogo.
— Senhorita Mendez, o senhor Lourenzo chegou. — A voz de Matteo, meu segurança pessoal, me trouxe de volta ao presente.
Heitor Lourenzo. O CEO ambicioso que se tornou uma peça indispensável no meu tabuleiro. Ele era tudo o que os homens de negócios deveriam ser: calculista, sedutor e disposto a quebrar as regras para alcançar o topo. Nossa aliança era tão forte quanto perigosa. Ele queria expandir sua influência nos mercados ilegais de tabaco, e eu precisava de um parceiro confiável fora do círculo mafioso.
Endireitei meus ombros e desci as escadas, cada passo ecoando pelo mármore frio do palácio. Heitor estava de pé no salão principal, vestindo um terno impecável que parecia moldado em seu corpo como uma segunda pele. Ele sorriu ao me ver, um sorriso que parecia desenhado para esconder intenções ocultas.
— Cristina, sempre um prazer. — Sua voz era como veludo, cada palavra envolta em charme calculado.
— Heitor. — Meu tom era firme, mas educado. Nunca baixo a guarda, nem mesmo com meus aliados. Especialmente com Heitor.
Sentamos para discutir os termos de nossa nova operação, mas enquanto ele falava, meus olhos se perderam por um momento em sua expressão. Ele era diferente de Carlos, mais refinado, mais... perigoso de um jeito sutil. Onde Carlos mostrava sua força com gestos, Heitor usava palavras para controlar qualquer situação.
Quando a reunião terminou, Heitor se inclinou levemente em minha direção, seus olhos fixos nos meus.
— Você é extraordinária, Cristina. Não por ser filha de seu pai, mas por ser você. Não esqueça disso.
As palavras ficaram comigo, mesmo depois que ele foi embora. Heitor era um homem com um objetivo, e eu sabia que ele faria qualquer coisa para consegui-lo. Mas havia algo nele que me fazia questionar se eu era a única no controle dessa relação.
Retornei à varanda, onde o vento ainda soprava suave. Meu telefone vibrou novamente, mas dessa vez era uma chamada de Carlos. Suspirei antes de atender.
— Cristina. Precisamos conversar. Amanhã. Não gosto da proximidade de Heitor com você. Ele tem seus próprios interesses.
Eu ri baixinho. Carlos sempre foi possessivo com nossas alianças, especialmente comigo.
— E você não tem, Carlos? — perguntei, minha voz soando mais fria do que eu pretendia.
Ele ficou em silêncio por um momento antes de responder:
— Só quero garantir que você não se machuque.
Desliguei sem responder. Eu não precisava que ninguém garantisse minha segurança. Esse era o fardo de ser Cristina Mendez, a princesa da máfia. Um título que parecia tão belo quanto uma armadilha dourada.
Enquanto a madrugada avançava, eu soube que, mais cedo ou mais tarde, esses dois homens seriam meu maior teste. Heitor com sua ambição silenciosa e Carlos com sua lealdade possessiva. O que eles não sabiam é que, no final, ninguém manipula Cristina Mendez.
Ou pelo menos, era o que eu esperava.
Naquela noite, o sono parecia um luxo distante. As palavras de Heitor e Carlos ecoavam na minha mente, cada uma carregando uma intenção oculta, um significado que eu precisava decifrar. Eles eram opostos de tantas formas, mas igualmente perigosos, cada um tentando se aproximar de mim por razões que talvez eu nunca compreendesse completamente.
Passei horas vagando pelo palácio, meus passos ecoando pelos corredores enquanto analisava cada detalhe de nossas conversas. As luzes do grande salão estavam apagadas, deixando apenas a lua para iluminar os móveis antigos e os quadros de minha família. O retrato de meu pai, ainda jovem e forte, parecia me observar com um misto de orgulho e desaprovação.
— Você acha que estou errando, pai? — murmurei para o vazio. Claro, não havia resposta.
A responsabilidade que ele me entregou pesava mais a cada dia. Liderar a máfia Mendez significava tomar decisões que poderiam salvar ou destruir vidas, inclusive a minha. E agora, com Heitor e Carlos orbitando tão perto, as escolhas pareciam ainda mais complicadas.Eu estava no escritório quando Matteo entrou. Sua expressão estava séria, mas ele hesitava em falar, o que não era típico dele.— O que foi, Matteo? — perguntei, cruzando os braços.— Senhorita, Carlos enviou uma mensagem. Ele quer que você saiba que há algo sobre Heitor que você precisa ver... — Matteo hesitou antes de continuar. — E ele enviou uma localização.Olhei para Matteo, tentando ler o que ele pensava. Eu sabia que ele era leal à minha família, mas também sabia que Matteo tinha suas próprias opiniões sobre quem deveria estar ao meu lado.— Que localização? — perguntei, minha voz mais baixa, mas ainda carregada de autoridade.— Um galpão nos arredores da cidade. Parece suspeito. Carlos disse que você deveria ir soz
Depois que Carlos terminou de falar, sai do galpão, minha cabeça fervilhava. A traição de Heitor, a insistência de Carlos, as dúvidas que pareciam me cercar como um predador à espreita. Minhas mãos tremiam levemente, algo raro em mim, e eu sabia exatamente o que precisava fazer: encontrar um momento de escape, mesmo que fosse breve.Assim que cheguei ao palácio, ignorei Matteo e os outros seguranças. Subi direto para o bar privativo, um espaço elegante no andar superior que raramente era usado, exceto por mim. A iluminação suave refletia nas prateleiras repletas de garrafas caríssimas, cada uma escolhida a dedo por meu pai antes de sua saúde começar a definhar. Era um lugar que cheirava a tradição, poder e solidão.Servi-me de um uísque, sem gelo. O líquido âmbar desceu queimando, mas trouxe o alívio que eu buscava. Apoiei-me no balcão, encarando meu reflexo no espelho atrás das garrafas. A mulher que olhava de volta parecia inabalável, mas eu sabia que, por dentro, havia rachaduras.
Carlos me ergueu, sentando-me sobre o balcão de mármore do bar. As garrafas e copos ao redor foram esquecidos. Suas mãos deslizaram pelas minhas coxas, subindo pela renda fina do meu vestido enquanto o tecido se tornava uma barreira insignificante. O som dos suspiros e da respiração pesada preencheu o espaço, misturando-se ao pulsar acelerado dos nossos corações.— Você tem certeza? — Ele parou, seus olhos encontrando os meus. A preocupação inesperada nos olhos dele me surpreendeu.— Carlos, pare de falar — murmurei, puxando-o novamente para mim.E foi exatamente isso que ele fez. Não havia mais palavras, apenas toques e olhares que diziam tudo. Ele me carregou para longe do balcão, seus movimentos decididos enquanto me conduzia até o sofá luxuoso ao lado. Suas mãos eram firmes, mas cuidadosas, como se cada toque fosse um estudo da minha pele. E eu me entreguei, deixando de lado as responsabilidades, as alianças, as traições. Por uma noite, eu era apenas Cristina, sem os pesos do meu
— Vejo que o CEO ainda não desistiu. Admirável.Heitor avançou um passo, o olhar endurecido.— Talvez você devesse aprender a respeitar os momentos alheios, Albuquerque.Carlos riu novamente, cruzando os braços.— Respeito? Isso é engraçado, vindo de alguém que parece não conhecer limites.A tensão entre os dois era palpável, e eu sabia que, se não interferisse, aquilo poderia explodir em algo muito pior.— Já chega! — cortei, minha voz firme o suficiente para silenciá-los. — Vocês dois estão agindo como garotos mimados, e isso não vai me levar a lugar algum.Olhei para Heitor, depois para Carlos, meu coração dividido entre a raiva e o cansaço.— Vocês querem jogar um contra o outro? Que joguem, mas não usem meu nome como peça no tabuleiro.Carlos estreitou os olhos, mas o sorriso desapareceu de seus lábios. Heitor apenas assentiu, com o maxilar travado. Sem dizer mais nada, virei-me e saí, deixando-os no corredor.Enquanto me afastava, só uma coisa ecoava na minha mente: no meu mundo
O empurrei com força, sentindo o calor do contato se dissipar rápido demais, mas deixando algo mais profundo – algo que eu não queria admitir – fervendo dentro de mim. Ele passou as mãos pela nuca, claramente frustrado, e depois ajeitou o cabelo, como se tentasse recuperar a compostura.— Você me deixa louco, Cristina — disse Heitor, sua voz grave ainda reverberando em minha mente. Seus olhos encontraram os meus, intensos e desafiadores. — Pense com carinho e me liga. Prometo ser fiel à nossa aliança, como o bom cachorro do Carlos...Ele deu um último olhar carregado de arrogância antes de se virar e sair pelo corredor. Aquele tom, aquela insinuação... Minha raiva explodiu como uma chama que parecia não ter fim.Andei de um lado para o outro no escritório, meu coração martelando no peito. Não era só o beijo. Era a audácia, a certeza de que ele acreditava que me tinha em suas mãos. A ideia me enojava e me fascinava ao mesmo tempo, o que apenas me deixava ainda mais furiosa.Caminhei at
— Cristina, aconteceu algo?Engoli em seco antes de responder.— Alejandro... Papá... Ele não está mais conosco.Do outro lado, ouvi um silêncio pesado, seguido pelo som de uma respiração longa e controlada.— Como assim?— Ele teve morte cerebral, Alejandro. O médico confirmou hoje cedo. É o fim.Houve um longo silêncio antes de ele responder, sua voz carregada de pesar.— Sinto muito, Criss. Gostaria de estar aí com você agora.— E precisa estar — respondi com firmeza. — A família precisa de nós mais do que nunca.Ele suspirou, e eu soube que ele já estava calculando os próximos passos.— Vou encerrar tudo aqui o mais rápido possível e volto para a Itália. Precisamos estar unidos para proteger o nome dos Mendez.— Obrigada, Alejandro. — Minha voz tremeu levemente, mas o apoio dele trouxe um conforto inesperado.Assim que desliguei, um alívio momentâneo tomou conta de mim. Mas a sensação durou pouco. Batidas firmes na porta me tiraram do transe. Era Carlos.Ele entrou com sua postura
Enquanto ajustava os últimos detalhes, uma batida firme na porta me chamou a atenção.— Entre — disse, sem desviar o olhar do espelho.Carlos entrou, tão impecável quanto sempre, vestindo um terno que parecia feito sob medida. Seus olhos avaliavam o ambiente antes de pousarem em mim. Havia algo no jeito como ele me olhava que me deixava em alerta, como se ele soubesse algo que eu ainda não sabia.— O que você quer, Carlos? — perguntei, impaciente.Ele se aproximou devagar, a expressão séria.— Não tenho muito tempo para rodeios, Cristina. Precisamos conversar.Cruzei os braços, esperando que ele explicasse.— O conselho está inquieto — ele começou, sua voz calma, mas carregada de seriedade. — Eles querem Alejandro no comando. Acham que você não está pronta.O impacto daquelas palavras me atingiu como um soco no estômago, mas mantive minha expressão neutra.— Alejandro está no México e já deixou claro que me apoia. O que mais eles precisam?Carlos suspirou, passando a mão pelos cabelos
Desliguei o telefone e fiquei olhando para o aparelho por alguns segundos, como se esperasse que ele voltasse a tocar e me dissesse que tudo aquilo era só um sonho. Mas não era.Antes que eu pudesse sair do quarto, uma batida na porta me tirou dos pensamentos. Quando a abri, encontrei Carlos parado ali, com sua expressão séria e determinada.— Cristina— ele disse, entrando no quarto sem esperar convite. — Preciso falar com você.Fechei a porta e o encarei, esperando que continuasse. Ele deu um passo à frente, os olhos fixos nos meus.— Sei que o momento é difícil, mas minha proposta continua de pé. Acho que você já percebeu que, se aceitarmos isso, todos vão entender que estamos unidos. Que ninguém pode nos derrubar.Ele fez uma pausa, aproximando-se ainda mais.— Quero me casar com você, Cristina. Não apenas pelo poder, mas porque confio em você. Nós dois podemos fazer isso funcionar.Fiquei em silêncio, sentindo uma mistura de emoções. Não sabia se queria gritar ou rir, mas uma cois