O empurrei com força, sentindo o calor do contato se dissipar rápido demais, mas deixando algo mais profundo – algo que eu não queria admitir – fervendo dentro de mim. Ele passou as mãos pela nuca, claramente frustrado, e depois ajeitou o cabelo, como se tentasse recuperar a compostura.
— Você me deixa louco, Cristina — disse Heitor, sua voz grave ainda reverberando em minha mente. Seus olhos encontraram os meus, intensos e desafiadores. — Pense com carinho e me liga. Prometo ser fiel à nossa aliança, como o bom cachorro do Carlos...
Ele deu um último olhar carregado de arrogância antes de se virar e sair pelo corredor. Aquele tom, aquela insinuação... Minha raiva explodiu como uma chama que parecia não ter fim.
Andei de um lado para o outro no escritório, meu coração martelando no peito. Não era só o beijo. Era a audácia, a certeza de que ele acreditava que me tinha em suas mãos. A ideia me enojava e me fascinava ao mesmo tempo, o que apenas me deixava ainda mais furiosa.
Caminhei até a janela e parei ali, tentando acalmar minha respiração. O enorme jardim do palácio se estendia diante de mim, impecável e tranquilo, como se zombasse da tempestade que rugia dentro de mim. O céu parecia mais cinzento do que deveria, e as árvores balançavam suavemente com o vento, mas nada disso me trazia paz.
De repente, o toque do telefone quebrou o silêncio, um som cortante que me tirou do meu transe. Peguei o aparelho rapidamente, ansiosa para me agarrar a qualquer coisa que me tirasse da confusão causada por Heitor.
— Bom dia, Dr. Lourenço. — Minha voz saiu firme, quase fria. Eu precisava de controle, precisava de notícias boas. — Como está meu pai?
Do outro lado, ouvi um suspiro pesado. Aquela pausa foi o suficiente para meu estômago se revirar.
— Seu pai está morrendo, Cristina. — A voz do médico era sombria, quase solene. — Infelizmente, ele não apresenta mais sinais cerebrais.
Foi como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés.
— Não... — As palavras saíram como um sussurro. — Não pode ser. Ele estava estável ontem!
O médico continuou, mas suas palavras se misturaram em um zumbido. "Piorou rapidamente durante a madrugada... Não há mais nada a fazer." Cada frase era uma facada, cada pausa uma tortura.
Desliguei o telefone sem me despedir. Minhas mãos tremiam, e o aparelho quase escorregou dos meus dedos. Olhei novamente para o jardim, mas ele agora parecia tão distante, tão... irrelevante.
Por um instante, fiquei imóvel, tentando processar. Meu pai, o homem que sempre foi meu pilar, meu mentor... estava partindo, e não havia nada que eu pudesse fazer.
Minhas pernas se moveram por instinto, me levando para o corredor. Não sei como cheguei ao quarto dele, mas, de repente, estava ali, parada na porta. A visão diante de mim me fez engolir em seco.
Meu pai estava deitado na cama, cercado por máquinas que não faziam mais do que monitorar um corpo vazio. Ele parecia frágil, tão diferente do homem forte e invencível que eu sempre conheci.
Aproximei-me devagar, cada passo pesado como chumbo.
— Pai... — murmurei, minha voz tremendo. Segurei sua mão, que estava fria, quase sem vida. — Eu... Eu não sei o que fazer sem você.
As lágrimas que eu tentava segurar finalmente começaram a cair, deslizando pelo meu rosto. Fiquei ali, segurando sua mão, enquanto a realidade cruel se infiltrava em mim. Eu precisava ser forte, precisava manter a fachada que ele sempre esperou de mim. Mas naquele momento, tudo o que eu queria era ser apenas sua filha, alguém que não estava pronta para perder seu pai.
Quando a porta atrás de mim se abriu, virei-me rapidamente. Era Carlos. Ele parou por um momento, me observando em silêncio, e pela primeira vez não vi provocação ou arrogância em seu olhar. Apenas compreensão.
Ele se aproximou, parando ao meu lado, mas não disse nada. Sua presença era um peso e um conforto ao mesmo tempo. Quando ele finalmente falou, sua voz era baixa, quase um sussurro.
— Ele era um homem forte, Cristina. E sabia que você é ainda mais forte. Por isso confiou tudo a você.
Balancei a cabeça, apertando os lábios para evitar um soluço.
— Não me sinto forte agora.
Carlos colocou uma mão firme em meu ombro, um gesto simples, mas que carregava um peso enorme.
— Você é. E vai provar isso. Não para ele, mas para você mesma.
As palavras dele pairaram no ar, e, pela primeira vez, senti que talvez eu pudesse carregar esse peso. Talvez eu pudesse honrar meu pai e tudo o que ele construiu.
E talvez, apenas talvez, Carlos fosse um aliado mais valioso do que eu imaginava.
Após um longo momento ao lado de meu pai, respirei fundo e deixei o quarto. Meu coração estava em pedaços, mas o peso do legado dos Mendez me impedia de fraquejar. Caminhei até o escritório, onde a penumbra do ambiente parecia refletir o turbilhão em minha mente. Sentei-me à mesa imponente e disquei o número de Alejandro, meu irmão.
Ele estava no México há meses, expandindo nossos negócios e garantindo novas alianças. Apesar de sua distância, Alejandro sempre foi meu maior aliado, alguém em quem confiei desde que éramos crianças. O telefone chamou três vezes antes de ele atender, sua voz firme e alerta.
— Cristina, aconteceu algo?Engoli em seco antes de responder.— Alejandro... Papá... Ele não está mais conosco.Do outro lado, ouvi um silêncio pesado, seguido pelo som de uma respiração longa e controlada.— Como assim?— Ele teve morte cerebral, Alejandro. O médico confirmou hoje cedo. É o fim.Houve um longo silêncio antes de ele responder, sua voz carregada de pesar.— Sinto muito, Criss. Gostaria de estar aí com você agora.— E precisa estar — respondi com firmeza. — A família precisa de nós mais do que nunca.Ele suspirou, e eu soube que ele já estava calculando os próximos passos.— Vou encerrar tudo aqui o mais rápido possível e volto para a Itália. Precisamos estar unidos para proteger o nome dos Mendez.— Obrigada, Alejandro. — Minha voz tremeu levemente, mas o apoio dele trouxe um conforto inesperado.Assim que desliguei, um alívio momentâneo tomou conta de mim. Mas a sensação durou pouco. Batidas firmes na porta me tiraram do transe. Era Carlos.Ele entrou com sua postura
Enquanto ajustava os últimos detalhes, uma batida firme na porta me chamou a atenção.— Entre — disse, sem desviar o olhar do espelho.Carlos entrou, tão impecável quanto sempre, vestindo um terno que parecia feito sob medida. Seus olhos avaliavam o ambiente antes de pousarem em mim. Havia algo no jeito como ele me olhava que me deixava em alerta, como se ele soubesse algo que eu ainda não sabia.— O que você quer, Carlos? — perguntei, impaciente.Ele se aproximou devagar, a expressão séria.— Não tenho muito tempo para rodeios, Cristina. Precisamos conversar.Cruzei os braços, esperando que ele explicasse.— O conselho está inquieto — ele começou, sua voz calma, mas carregada de seriedade. — Eles querem Alejandro no comando. Acham que você não está pronta.O impacto daquelas palavras me atingiu como um soco no estômago, mas mantive minha expressão neutra.— Alejandro está no México e já deixou claro que me apoia. O que mais eles precisam?Carlos suspirou, passando a mão pelos cabelos
Desliguei o telefone e fiquei olhando para o aparelho por alguns segundos, como se esperasse que ele voltasse a tocar e me dissesse que tudo aquilo era só um sonho. Mas não era.Antes que eu pudesse sair do quarto, uma batida na porta me tirou dos pensamentos. Quando a abri, encontrei Carlos parado ali, com sua expressão séria e determinada.— Cristina— ele disse, entrando no quarto sem esperar convite. — Preciso falar com você.Fechei a porta e o encarei, esperando que continuasse. Ele deu um passo à frente, os olhos fixos nos meus.— Sei que o momento é difícil, mas minha proposta continua de pé. Acho que você já percebeu que, se aceitarmos isso, todos vão entender que estamos unidos. Que ninguém pode nos derrubar.Ele fez uma pausa, aproximando-se ainda mais.— Quero me casar com você, Cristina. Não apenas pelo poder, mas porque confio em você. Nós dois podemos fazer isso funcionar.Fiquei em silêncio, sentindo uma mistura de emoções. Não sabia se queria gritar ou rir, mas uma cois
Entrei no escritório, fechei a porta com cuidado e travei a chave. Queria estar sozinha, nem que fosse por um breve momento, para poder processar o que estava acontecendo. Sentei-me na poltrona perto da janela, onde costumava ficar em momentos de pressão. Agora, porém, tudo parecia sem sentido. Meus pensamentos estavam uma bagunça, e o que antes parecia um lugar de controle e reflexão, agora era apenas um cenário de solidão e dor. Eu só queria chorar, sem as máscaras que me forçavam a usar diante dos outros. As lágrimas começaram a escorrer silenciosamente, e cada soluço parecia carregar o peso de toda a perda que eu ainda não conseguia compreender. Meu pai não estava mais ali. E com isso, algo dentro de mim se despedaçava.Mas, antes que eu pudesse me perder completamente naqueles sentimentos, ouvi as batidas na porta, impacientes e desesperadas. Heitor. Sempre ele, com sua mania de querer ter a palavra final em tudo. Ele não sabia o que estava acontecendo, não entendia a dor que eu
Quando a porta se fechou atrás dele, um silêncio pesado se instalou. Eu estava exausta, emocionalmente drenada, mas, ao mesmo tempo, aliviada por ter evitado o pior. Olhei para Carlos, que ainda mantinha a arma nas mãos, e, embora ele estivesse alheio à tensão do momento, percebi um leve sorriso de aprovação em seu rosto. Ele sempre soubera como proteger, até quando isso significava agir de forma extrema. E, naquele momento, isso me assustava. Mas eu sabia que, ao menos por enquanto, eu estava segura.Carlos se aproximou lentamente, sua presença preenchendo o espaço como uma sombra constante. Eu estava parada na porta do escritório, tentando recuperar o controle da tempestade que rugia dentro de mim. Ele se posicionou a poucos passos de distância, a intensidade em seus olhos denunciando o que viria a seguir.– Eu te disse que nossa aliança é importante – começou ele, sua voz baixa, mas firme. – Quero você ao meu lado, Cristina, e espero que futuramente sejamos mais que aliados.Respir
Antes que eu pudesse responder ou processar suas palavras, ele levantou-se e deixou o quarto, fechando a porta atrás de si.Enquanto as mulheres me ajudavam a me recompor, uma sensação inesperada de vulnerabilidade me invadiu. Era estranho permitir que alguém cuidasse de mim, mesmo que apenas por uma noite. Mas ali, naquele momento, não havia mais espaço para resistir.O banho quente trouxe um alívio momentâneo, e a comida que me trouxeram ajudou a acalmar meu estômago e minha mente. Enquanto me recostava na cama, com a exaustão me vencendo novamente, a última coisa que me veio à mente foram as palavras de Carlos.“Estou aqui.”Por mais que eu me recusasse a admitir, parte de mim queria acreditar nele.A noite avançava, e o casarão permanecia mergulhado em um silêncio quase absoluto. Por volta das duas da manhã, ouvi o som suave da porta se abrindo. Carlos entrou no quarto, com passos cuidadosos, como se não quisesse me acordar.Mas eu já estava meio desperta, sentindo uma mistura de
Minha garganta apertou, e lágrimas silenciosas começaram a cair também. Eu o abracei com força, tentando passar a segurança que ele sempre me ofereceu.– Estamos juntos, Alejandro. Ele pode ter partido, mas ainda somos os Mendez. E enquanto estivermos aqui, o legado dele continuará.Ele se afastou levemente, passando as mãos pelo rosto para limpar as lágrimas, mas seus olhos ainda estavam vermelhos.– Ele sempre acreditou em você. Disse que você era a força que nossa família precisava.Suas palavras me atingiram em cheio, enchendo-me de um misto de orgulho e responsabilidade. Segurei suas mãos, apertando-as com firmeza.– E eu acreditava nele, Alejandro. E acredito em nós. Vamos enfrentar isso juntos, como sempre fizemos.Alejandro assentiu, recompondo-se.– Vamos, então. Está na hora de começarmos a nos despedir.Juntos, deixamos o escritório. Sabíamos que a ausência de Franco Mendez deixaria um vazio imenso, mas enquanto estivéssemos unidos, nada poderia nos derrubar.O salão estava
O restante do velório transcorreu com uma tensão que era quase palpável. O intruso, dominado por Alejandro e Carlos, foi rapidamente levado pelos seguranças da família. Ele ficou trancado em uma sala de segurança no subsolo do palácio, sob vigilância constante.Apesar do incidente, mantive a compostura durante toda a cerimônia. Não podia mostrar fraqueza, não com tantos olhos observando cada movimento meu. Alejandro e Carlos, sempre próximos, ajudavam a preservar a ordem e evitavam que os rumores do ataque se espalhassem.Após horas de condolências e discursos, chegou o momento do enterro. No cemitério particular da família, a cerimônia foi breve, mas profundamente emocional. Enquanto as palavras do padre ecoavam, observei o caixão sendo baixado à terra. Meu coração estava pesado, mas minhas lágrimas já haviam se esgotado. O choro agora era interno, silencioso, como uma ferida que latejava, mas que eu não podia permitir que sangrasse diante dos outros.Alejandro ficou ao meu lado o te