Analia narrandoAcordei no meio da noite com uma sensação estranha na barriga. Não era dor, mas um desconforto que parecia pulsar de dentro para fora, como se algo estivesse... se preparando.— Krampus? — Minha voz saiu trêmula, baixa, mas o suficiente para acordá-lo.Ele abriu os olhos rapidamente, sempre alerta, e acendeu a luz do abajur ao nosso lado. O brilho suave iluminou seu rosto preocupado.— Krampus, tem algo errado. — Sussurrei, com o coração disparado.Ele se aproximou de mim, a mão quente pousando em minha barriga com delicadeza. Seus olhos, prateados e intensos, me analisaram com atenção, mas logo relaxaram.— Não tem nada errado, minha pequena alce. — A voz dele soou calma e reconfortante. — Nosso bebê está chegando.Senti um frio percorrer minha espinha. — Devemos ir ao hospital? — Minha voz estava embargada, o medo me consumindo por dentro.Krampus balançou a cabeça devagar, um sorriso sereno nos lábios. — Não, Analia. Lobos não vão a hospitais quando recebem seus fil
Krampus narrandoEu sabia quem eu era. Um demônio, uma fera de sombras e instintos primitivos. Mas ter meu filhote nos braços... isso quase me transformava em um cordeiro dócil. Ele era pequeno, quente e tão inocente que parecia impossível que carregasse dentro de si qualquer traço da escuridão que corria em minhas veias, mas eu sabia que estava lá, claro que sabia, era a minha cria.Eu o segurei com cuidado, o corpo pequeno contra meu peito. Aquele era o momento em que eu percebia o verdadeiro peso do que significava ser pai. Eu seria bom para ele. Como meu próprio pai havia sido comigo. Ele me ensinou que mesmo as criaturas mais sombrias têm espaço para o amor verdadeiro.E, como se o destino estivesse ouvindo meus pensamentos, foi ele quem encontrei na porta. O cheiro do seu neto havia o chamado até mim — forte, inegável. Quando nos encaramos, havia algo em seus olhos que não via há muito tempo: orgulho.— Se saiu melhor do que eu esperava. — Meu pai disse, com uma voz grave e baix
KrampusEu vi a mãe de Analia se aproximar, os olhos ainda úmidos de lágrimas enquanto segurava delicadamente as mãos da filha. Ela se ajoelhou ao lado da cama, beijando os dedos de Analia com tanta ternura que parecia querer apagar, naquele gesto, todos os anos de distância e dor.— Eu não fiz por mal... — sua voz quebrou, quase inaudível. — Mas...Analia, com a voz fraca, mas firme, a interrompeu:— Agora não, mãe. Outra hora. Agora não quero explicações... — Ela fechou os olhos e virou o rosto, respirando fundo. — Eu só preciso de um pouco de colo...Ela olhou para minha mãe, com um olhar carregado de culpa e esperança:— Mamãe, vai ficar chateada?— Não, não, criança. Eu entendo muito bem. — A minha respondeu com aquele tom reconfortante, com a suavidade que só uma verdadeira mãe sabia ter. — Vou organizar as roupas do meu neto e cuidar de outras coisas. Aproveite sua mãe agora, Analia. Ela foi embora, mas também sofreu. A vida não foi fácil para ela, e ela ainda está se recuperan
O Primeiro Encontro com o KrampusAnaliaA memória daquele Natal, tantos anos atrás, ainda me causa arrepios. Eu tinha dez anos e vivia com meus pais na propriedade da família Krueger, nas montanhas da Áustria. Naquele ano, a neve caía mais densa, cobrindo tudo em um silêncio sufocante. Papai dizia que o frio era mais intenso porque era "um ano de renascimento". Eu não entendia o que aquilo significava, mas o que vi naquela noite ficou gravado para sempre em minha mente.Foi a primeira vez que vi Nicoll, o "Krampus". Ele tinha quatorze anos e parecia... um ser que não deveria existir. Alto e magro, mas com uma presença que gelava mais que o vento lá fora. Ele andava pelo pátio como se o frio não pudesse tocá-lo, vestido apenas com uma bermuda escura. No rosto, uma pintura grotesca de caveira que contrastava com seus olhos sombrios, olhos que pareciam enxergar a alma das pessoas.Minha curiosidade infantil me levou a observá-lo pela janela da cozinha, mas assim que ele virou a cabeça e
AnaliaO som do carro chegando é inconfundível. Primeiro, o ronco do motor que ressoa pelas montanhas cobertas de neve. Depois, as vozes abafadas dos senhores Krueger. Mas eu sei que ele está lá. Ele sempre está lá.Nicoll voltou para casa a tempo do Natal, o que significa que o desfile de horrores também está para começar. O ritual. A celebração grotesca que me aterroriza desde a infância. Decido que não vou sair. Não hoje. Não com ele por perto.Sento-me em frente à lareira, tentando me aquecer com o pouco calor que ela oferece. Mas o frio parece entrar por todos os cantos da casa, como se fosse uma extensão dele. O som da madeira estalando no fogo deveria ser reconfortante, mas, em vez disso, me lembra o estalo de passos na neve – pesados, firmes, inevitáveis.Tento me distrair com um livro, mas as palavras dançam nas páginas sem sentido. Minha mente insiste em retornar àquele dia. A visão dele com aquela máscara grotesca, pintada como uma caveira, sua silhueta alta destacada contr
AnáliaEu caminho até a casa principal, tremendo como uma folha ao vento, com a mala ainda apertada contra o peito. Meus passos ecoam no chão de madeira polida, cada som mais alto do que eu gostaria. Quando paro diante da senhora Edith, meu coração parece sair pela boca.— Mandou me chamar, senhora? — pergunto, tentando manter a voz firme, mas ela treme junto comigo.Ela me encara com seus olhos frios, aquele olhar de superioridade que me fazia querer desaparecer. Então ri, um som baixo e zombeteiro, e responde:— Mandei, criança medrosa. Não precisa tremer. Como está?— Bem... posso ir? — A pergunta escapa antes que eu possa evitar, carregada de uma urgência que ela percebe imediatamente.Ela ri de novo, com mais gosto, como se minha inquietação fosse a coisa mais divertida que já viu. Eu não queria ficar ali. Não queria mesmo.— Queria ver como está. Está ainda mais bonita. Agora eu entendo.Fico paralisada. Ela entende o quê? Eu não entendia nada. Nada, nada...— Terminou seus estu
NicollEu caminhei pelo quarto dela naquela noite. Os passos eram silenciosos, como se o próprio chão soubesse que era inútil tentar me trair. Analia era minha. Sempre foi. Desde o dia em que a escolhi, quando tinha quatorze anos. A garota das montanhas sombrias da Áustria me pertencia, mesmo que ela ainda não soubesse disso.Nunca fui um anjo, nunca me vesti como um. Nasci com uma mensagem ruim gravada no sangue dos meus ancestrais. Gélido. Perigoso. Eu era apenas mais um Krueger, um herdeiro dos legados mais nefastos que andavam sobre essas terras antigas. Não buscava redenção porque sabia que ela não existia para mim. Somente o poder era meu, e agora, finalmente, eu tinha todo ele em minhas mãos.E Analia... ah, Analia. A doce criança medrosa que fugia de mim como um cervo assustado. Ela corria, é verdade, mas estava certa em cada passo que dava. Ela sabia o que eu era, mesmo sem entender completamente.Eu era um demônio selvagem. Um predador das sombras alpinas. E ela estava na mi
AnáliaEu estava deitada, tentando me enterrar nos lençóis e esquecer o mundo, quando Marlene entrou apressada no meu quarto. Ela parecia agitada, as mãos tremiam, e o olhar estava mais assustado do que o normal.— Menina, eu o vi! — disse ela, sem esperar que eu respondesse.Virei o rosto para o outro lado, fechando os olhos com força. — Não quero saber, Marlene.— Mas eu preciso contar para alguém! Preciso, preciso contar, por favor!Sua voz estava carregada de urgência, mas eu sabia aonde aquela conversa ia levar, e não queria ouvir. Não queria. Mesmo assim, ela continuou, como se minha resistência fosse inútil, e talvez fosse.— Eu o vi. Nu. Nu! Achei que ele estava fora, nesse frio... Mas ele estava ali. Grande. Branco. Ele parecia um animal.Tapei meus ouvidos, minha respiração acelerada. Era como se as palavras dela fossem se materializando ao meu redor, formando uma imagem que eu não queria na minha cabeça.— Saia, Marlene.Ela hesitou, mas não parou. — Você não entende, Anali