São Paulo, 31 de julho de 2001
Camila
OUÇO os gemidos da minha tia atravessarem a parede do meu quarto. Não consigo dormir. Levanto-me e vou até a sala, onde encontro mamãe assistindo a um filme qualquer.
Mesmo com o barulho da TV, ainda é possível ouvir os gemidos da minha tia, e agora também os do seu namorado.— Mamãe, não consigo dormir — falo me aproximando dela, sem jeito.
— Por que não, meu amor? — pergunta acariciando o meu rosto.
— Esses barulhos que a titia faz... Por que ela geme tanto? — questiono, hesitante. Mamãe me observa com seus olhos verdes e atentos antes de responder:
— Camila, você ainda é muito jovem, mas quando for mais velha irá entender — fala me oferecendo o seu sorriso gentil. — O que sua tia Malu está fazendo é dando e recebendo prazer do namorado dela — explica mamãe olhando nos meus olhos.
— E isso é bom, mamãe? — pergunto erguendo uma sobrancelha.— É maravilhoso, querida! — responde sorrindo.
— Então por que eles estão gemendo? — interpelo, curiosa.
— Porque eles estão gostando, querida. Quer dizer que estão tendo prazer — informa calmamente.
— Eu vou poder dar e receber prazer quando for mais velha? — pergunto, indecisa.
— Vai sim, querida — responde mamãe acariciando novamente o meu rosto —, basta você querer.
São Paulo, 07 de fevereiro de 2017Henrique— EU estou bem. Agora podemos seguir em frente. — Isso foi o que Cristina me disse há sete anos atrás, após a sua cirurgia.Ela só ainda não sabia que não podia mais engravidar. Não sabia que seu útero precisou ser retirado para ela não morrer. Cristina sentiu fortes dores naquela noite e a levei direto para o hospital. Ela teve uma hemorragia grave e precisou ser operada com urgência.— Mioma — a médica me disse.Caso não fosse operada imediatamente, ela morreria. E se seu útero não fosse retirado, ela teria câncer. O que eu poderia fazer? Os médicos precisavam da minha autorização para seguir com o procedimento. Cristina estava inconsciente. Eu não tinha outra escolha a fazer. Ela tinha sofrido um aborto espontâneo alguns meses antes disso. Como falar a sua esposa que o seu maior desejo não poderia se realizar?Minha família e a de Cristina sempre foram muito próximas, e quando nos tornamos adolesc
HenriqueSIGO com meu carro logo atrás ao de Marcone, acompanhados por outros tantos veículos que dominam o tráfego do Jardim Europa. Achei que o tal bordel se localizasse em algum lugar periférico, mas, na verdade, encontra-se num dos bairros mais sofisticados de São Paulo. E, ironicamente, pertencente a mesma região em que moro e trabalho. Marcone para em frente a uma casa noturna, com sua fachada em tons neutros e o nome do local escrito numa caligrafia em estilo clássico que destaca: Casa de Prazer – Camila Monteiro. Ele desce do carro e entrega a chave para uma manobrista, e noto que há uma à minha espera também. Desprendo o cinto de segurança e saio do carro, estendendo a chave para a mulher que me cumprimenta com um leve aceno de cabeça.— Bem-vindo ao paraíso, meu amigo — elucida Marcone assim que adentramos ao local.Para a minha surpresa, a Casa de Prazer é um espaço luxuoso que ostenta bom gosto e clima agradável. Bem diferente do bordel i
CamilaALGUMAS pessoas têm uma visão deturpada de mim e da minha Casa de Prazer. Acham que aqui é um ponto de prostituição, e a Casa está muito longe disso. As atividades sexuais que acontecem aqui são completamente consensuais. Até porque o sexo só acontece se as mulheres quiserem, com quem elas quiserem e quando elas quiserem. Eu criei a Casa de Prazer com o intuito de oferecer um espaço desprendido de padrões sobre os corpos femininos. Um local em que podemos nos sentir livres para explorar todos os sentidos do prazer, segundo a nossa vontade e não a da sociedade patriarcalista.Além dos bares nos andares inferior e superior, temos um restaurante, salão de festas, e claro, os quartos de prazer, que são pagos pelos clientes que desejam utilizá-los. Os preços variam de acordo com a imaginação e criatividade de cada um. Há os quartos convencionais, quartos inspirados em fantasias eróticas, quartos com decoração romântica e quartos para os que gostam e pra
HenriqueANTES eu terei você. Que mulher é essa? Nunca conheci uma que fosse tão direta e determinada assim. Seus olhos brilham de desejo, e através deles, noto que os meus não estão diferentes. Não me recordo de já ter me sentido tão atraído por alguém...Uma parte de mim quer estar de joelhos diante dela e saborear cada parte do seu corpo. Mas uma outra grita que me envolver com essa mulher é um caminho quase sem volta. Além disso, eu não posso me esquecer de Cristina. Não seria justo com ela. O problema é que meu pau não está obedecendo à minha cabeça no momento.— Camila Monteiro — se apresenta estendendo a mão para mim —, mas isso você já deve saber — infere com um sorriso malicioso nos lábios.— Henrique Veiga — digo apertando sua mão. Uma onda de calor percorre todo o meu corpo com o simples contato de nossas peles. A tensão sexual entre nós é palpável.— Está sentindo também? — pergunta com seus olhos vidrados nos meus. — Nenh
HenriqueCHEGO em casa já passando da meia-noite com meus pensamentos completamente voltados para Camila. Aquela mulher fez coisas comigo que nunca pensei que pudessem ser feitas tão descaradamente e sem o menor pudor. E me fez fazer com ela coisas que eu nunca tinha feito com a minha esposa quando ainda transávamos.— Henrique, você chegou — fala Cristina para mim com sua voz grogue de sono quando adentro ao quarto.— Desculpe, não queria te acordar — respondo tentando não estabelecer um contato visual com ela.— Onde você estava? Você não costuma chegar tão tarde.— Saí com Marcone para um bar depois do trabalho — respondo ao entrar no banheiro. Tiro minhas roupas e ligo o chuveiro, permitindo que a água quente lave do meu corpo o cheiro inebriante de sexo e Camila.— Você não costuma beber — elucida Cristina, detendo-se na porta aberta do banheiro. Posso ver o desejo em seu olhar ao vislumbrar o meu corpo nu. Mas ela jamais di
CamilaA claridade que invade o quarto através da abertura circular envidraçada no teto incomoda os meus olhos. Abro-os preguiçosamente, acompanhados por um sorriso bobo. Involuntariamente, minha mão alcança o travesseiro ao lado, mas eu sei que ele não está aqui.Eu estava quase adormecendo quando vi Henrique ir embora, deixando um beijo carinhoso em meu rosto antes de sair. Seu cheiro amadeirado domina minha pele, e é quase como se eu ainda pudesse senti-lo entre minhas pernas.Meu celular toca mais uma vez ao som do alarme e eu o desativo. Todas as quartas-feiras, eu e minha mãe tomamos café da manhã numa padaria que fica bem próxima à Casa de Prazer. É quase como um ritual nosso.Levanto da cama e conduzo os meus passos para o banheiro, faço minha higiene pessoal e finalizo meus cachos com uma fitagem rápida. No closet, escolho uma combinação de lingerie e saltos pretos, saia lápis marrom e blusa verde esmeralda. Arrumo-me o mais rápido que posso, e antes de
HenriqueO clima fresco e agradável juntamente com a iluminação natural do fim de tarde fornecem ao evento do orfanato um clima acolhedor. Algumas pessoas circulam em torno do jardim, mas a maioria encontra-se sentada às mesas com tendas ornamentadas.Cristina observa as crianças que brincam e correm ao redor com brilho nos olhos. Eu quase posso ler seus pensamentos. Ela vê essas crianças e imagina que o filho que perdemos estaria agora com esta idade e poderia estar brincando com essas outras crianças. Sem pensar, pego sua mão e a aperto. Ela volta seu olhar para mim e me dá um sorriso triste, acompanhado por uma lágrima solitária que escorre pelo seu rosto.— Se quiser, podemos ir embora — ofereço.— Não, eu estou bem — responde rapidamente, erguendo sua outra mão para secar a lágrima do rosto. Ela volta a se concentrar nas crianças e eu libero minha mão da sua.Eu não sinto falta de ter uma criança em casa, nem fico com este olhar amoroso de Cristina
CamilaA esposa de Henrique direciona seu olhar para nós com uma expressão confusa. Percebo que ele está tenso e não sabe o que fazer. Divirto-me internamente com a situação. Ela não pode ser tão idiota. Deve saber reconhecer uma mulher que acabou de ter um orgasmo de contorcer os dedos dos pés. Mas, ainda assim, decido testá-la:— Muito obrigada — agradeço a Henrique. Ele me olha confuso e parece não entender. — Se você não me segurasse, eu teria caído. Acho que minha pressão baixou de repente — continuo dissimuladamente. Henrique parece finalmente entender a minha cena e entra também em ação:— Não precisa agradecer — diz acenando de leve, tirando com relutância sua mão da minha cintura.A esposa dele atenua a expressão. Aparentemente tentando convencer a si mesma de que seja essa a verdade. — Algum problema, Cristina? — pergunta ainda de costas para ela.— Você demorou... — explica hesitante. — Fiquei preocupada.Merda. Ela realment