Cristina
QUANDO eu perdi o meu bebê, ninguém além de mim sentiu a sua perda. Meus pais e senhora Pérola me lançavam olhares acusatórios, e Henrique, ainda que nunca tenha me culpado, em nenhum momento demonstrou tristeza pela perda do bebê. Eu não cheguei a completar dois meses de gestação e os médicos o chamavam de um embrião mal desenvolvido. Era o meu bebê. Era uma nova vida que eu carregava e não uma coisa sem importância.
Eu estava começando a pensar nos possíveis nomes para o meu bebê quando o vi ir embora por entre minhas pernas. Alguns meses depois, a dor terrível que me possuiu e que me fez acordar no dia seguinte com a notícia de que um mioma crescia dentro de mim e que o meu útero precisou ser retirado fez com que eu me enxergasse como um nada; como se a minha existência não tivesse o menor sentido. Eu me perguntava todas as noites como tudo isso aconteceu tão de repente sem que eu sentisse nada com antecedência. Sem ter a menor possibilidadeCristinaFELICIDADE é uma palavra que eu desconhecia. Acho que no máximo eu conseguia estar bem. Mas feliz... É algo que só nos últimos meses eu tenho descoberto o seu significado. Eu encontrei a felicidade conhecendo e explorando o meu corpo, estudando o que gosto, apreciando as coisas e momentos simples da vida e me aproximando de Vitória e João. É difícil estabelecermos uma comunicação duradoura quando somente eu falo oralmente, porém eles estão me ensinando a reconhecer e compreender outras formas de comunicação e linguagem. Sejam pelos seus sorrisos tímidos ou pela forma como seus olhos se tornam atentos quando lhes conto algo.Depois de termos tido mais algumas visitas supervisionadas, a equipe técnica liberou as crianças e Alberto ajuizou a adoção. O juiz me concedeu a guarda provisória e Vitória e João foram autorizados a morar comigo. A equipe técnica continuará nos fazendo visitas domiciliares para avaliar as adaptações deles e minha até que o juiz me dê su
CristinaEM tese, é muito fácil amar alguém que nasceu de você, que foi gerado em seu ventre. Existe um laço criado entre você e o pequeno ser que trouxeste ao mundo. Mas numa adoção não é assim. Esse laço precisa ser construído.A princípio eu tive medo que Vitória e João não me enxergassem como sua mãe. Eles têm toda uma vida antes de mim, têm na memória recordações suas com seus pais biológicos. No entanto a nossa convivência têm se dado da melhor forma possível.É curioso e instigante observar seus jeitos e gostos e vê-los fazer o mesmo comigo. Eles não nasceram de mim, não foram gerados no meu ventre, mas são os meus filhos. O amor que sinto por eles é tão forte que me falta palavras para descrever.Pode ser muito fácil amar alguém que nasceu de você. E é muito fácil para mim amar os filhos que eu escolhi para serem meus.Sorrio ao vislumbrar as tentativas do meu pai em vencer Vitória e João num jogo on-line. Gosto do fato de ele que
HenriqueATRAVESSO a porta de entrada da Casa de Prazer, sendo recepcionado por uma batida de reggaeton e pelo mar de vozes animadas de mulheres e homens. Há pouco mais de um ano eu adentrei a esse lugar com um olhar muito diferente do que eu tenho hoje. Na minha cabeça, a Casa de Prazer não passava de um bordel fétido com mulheres que vendiam os seus corpos por quaisquer quantias ínfimas de dinheiro. Mas hoje eu sei que a minha visão machista, como diz Camila, me fazia enxergar como degradante a tudo aquilo que estava fora do meu mundo.A boa localização no Jardim Europa juntamente com a arquitetura e decoração sofisticadas fazem da Casa um ambiente mais que agradável para o desfrute e apreciação de todas as formas de prazer.Há algumas semanas Camila voltou à sua rotina normal de trabalho. Durante o dia ela vem com Helena para a Casa de Prazer a fim de resolver questões administrativas do espaço e também vai participar de reuniões da imobiliária da su
CamilaEXCETUANDO os feriados, a Casa de Prazer funciona normalmente sete dias por semana. Antes de conhecer Henrique, eu passava praticamente todo o meu dia na Casa. Era a minha casa, literalmente. Não que eu vivesse em função do meu trabalho, mas sim porque lá sempre fora um espaço em que me senti livre para ser e dizer sem me importar com a opinião alheia. Porém com Henrique eu venho descobrindo que posso ser livre para ser e dizer ao lado dele. Ainda que não concordemos em tudo, nós sabemos que nos amamos e que não desejamos mal um para o outro, muito pelo contrário.Com a chegada de Helena o nosso apartamento se tornou o nosso refúgio, nosso recanto de amor. E fazemos questão de estarmos juntos durante o fim de semana. Sem preocuparmo-nos com o trabalho ou com os problemas da sociedade que nos cerca. Somente nosso amor e nossa filha importam.Helena desprende seus pequenos lábios do meu seio; sua mãozinha agarrada firmemente ao tecido do meu vestido.
CristinaHÁ alguns meses atrás eu nunca imaginaria que chegaria a um sábado depois de uma semana cansativa de trabalho. Eu estou trabalhando há quase um mês na Secretaria de Assistência Social. No momento eu trabalho com pequenos projetos sociais e meu salário não é grande coisa. Mas só de saber que receberei pelo fruto do meu trabalho, pelo meu próprio esforço e dedicação, eu já me sinto imensamente feliz por isso.É estranho estar em casa e não ter os risos de Vitória e João preenchendo o ambiente. O silêncio deixou de ser minha zona de conforto. Agora prefiro o barulho. Sons ecoando pelo espaço. Ouvir o eco da minha voz pelos corredores. Papai pediu para que as crianças ficassem com ele durante o fim de semana, e eu consenti.A princípio estar sozinha em casa me fez ter coragem para dar o primeiro passo. Mas, neste momento, não sei se por insegurança ou por medo de encarar algo já quase desconhecido, gostaria que meus filhos estivessem aqui para que
CamilaNORMALMENTE eu coloco a razão à frente das minhas emoções. Porém se não fosse o meu egoísmo e desejo, se eu não tivesse deixado que tais sentimentos falassem mais alto que a razão, eu não teria me envolvido com Henrique e a minha vida não teria mudado tanto. Desfiz alguns conceitos e hoje eu sei que ser esposa e mãe não me apagam como mulher. Não tiram o controle que eu tenho sobre a minha vida e sobre o meu corpo. Encostada à parede, observo a decoração floral que domina o salão privativo da Casa de Prazer para o aniversário de um ano da minha filha. Minha mãe a segura em seu colo, cercada por Pérola, tia Malu e Rita, que quase discutem para decidir a quem Helena se referiu quando balbuciou "bobó".Quase ri quando notei o desconforto de Pérola ao entrar na Casa de Prazer, observando a cada centímetro do espaço como se buscasse algo que pudesse criticar, ainda que silenciosamente.Algumas das minhas funcionárias conversam animadamente
Por favor, me chame de putaSussurros abafadosCarícias veladas e sóNada além dissoTu achas que isso é suficiente?Por favor, me dê mais de você!Não sou de porcelanaPode me pegar firmeMe sintaMe toqueTu não sentes vergonhaem unir teu sexo ao meu,então por que não me provarcom tua língua?Eu posso ser pudica, ousada, instigantePosso ser o que eu quiserEu posso ser o meu próprio prazer,mas adoraria apreciar o gozoatravés da tua bocaMoralistas podem me apontar como putapor não camuflar o meu desejoPor favor, me chame de puta!Não tenho pudor algum em dizerque quero coabitar contigoEu quero que me tomesPor favor, me possua! Se por acaso não é capaz de fazeralgo tão simples, com licença,irei em busca de outrosJoelma Santos
São Paulo, 31 de julho de 2001CamilaOUÇO os gemidos da minha tia atravessarem a parede do meu quarto. Não consigo dormir. Levanto-me e vou até a sala, onde encontro mamãe assistindo a um filme qualquer.Mesmo com o barulho da TV, ainda é possível ouvir os gemidos da minha tia, e agora também os do seu namorado.— Mamãe, não consigo dormir — falo me aproximando dela, sem jeito.— Por que não, meu amor? — pergunta acariciando o meu rosto.— Esses barulhos que a titia faz... Por que ela geme tanto? — questiono, hesitante. Mamãe me observa com seus olhos verdes e atentos antes de responder:— Camila, você ainda é muito jovem, mas quando for mais velha irá entender — fala me oferecendo o seu sorriso gentil. — O que sua tia Malu está fazendo é dando e recebendo prazer do namorado dela — explica mamãe olhando nos meus olhos.— E isso é bom, mamãe? — pergunto erguendo uma sobrancelha.— É maravilhoso, querida! — res