Olá, caro leitor. Antes de começarmos, permita-me que me apresente.
Eu me chamo Berth, e não, eu não sou a protagonista nem a antagonista do livro, só acompanhei uma delas bem de perto.
A história que tenho para contar a você hoje, não é a de uma heroína ou uma princesa; é a de uma vilã, uma bruxa. Mas ela não é uma vilã convencional como você está pensando, porque ela realmente se arrependeu e até tentou consertar seus erros.
Perséfone sempre foi muito complicada, mas se você analisar bem o caminho tortuoso e incerto dela por essas páginas, vai perceber que ela não é de fato uma pessoa ruim. Talvez só tenha, como todos nós, tomado decisões erradas em situações mais erradas ainda. E acredite, ela não é a única vilã que passou por isso. Conhecemos outras com o mesmo problema.
Acho que o que diferencia Perséfone dos outros vilões é que ela é mais parecida comigo. O que isso tem a ver? Bom, eu sou a narradora. Sou a personagem secundária e por muitas vezes não tenho importância nenhuma nessa história. E ela era assim.
No nosso reino, Perséfone era a garota que não ia aos bailes porque ficava em casa estudando ou trabalhando na farmácia do pai, que é boticário. Ela não tinha uma presença forte nos lugares que ia, seu círculo social era muito pequeno e não possuía aptidão para coisas elegantes como dança, canto e pintura. Perséfone não tinha consigo as características de uma mocinha dos contos de fadas.
Ela não era órfã.
Não sabia cantar, os animais a odiavam.
Não era espetacularmente bonita para chamar a atenção de um príncipe.
Era antissocial, passava seus dias com a cara enfiada em livros, devorando cópias e mais cópias de qualquer romance barato que o senhor Blunt colocasse em liquidação, mas mesmo assim nunca se envolvia em nenhum relacionamento. E ela tinha muito, muito asco de gatos.
Mas não se engane, ela também não possuía muitas características para ser a vilã, ao meu ver.
Não odiava ninguém em especial, sua raiva era distribuída igualmente entre todas as pessoas.
Não queria se vingar de ninguém. (Inicialmente)
Apesar de sofrer com um certo complexo de inferioridade, não descontava suas próprias frustrações nas pessoas.
Ela era Perséfone, a filha do boticário. Não era ninguém.
Até hoje não consigo entender como chegamos a esse ponto. Mas assim como Dom Quixote sempre tivera seu fiel escudeiro Sancho Pança o acompanhando em suas aventuras, Perséfone teve a mim. E como sua fiel escudeira fico feliz em falar sobre o que ela viveu para que talvez você entenda e a desculpe.
Bem, finalizando, espero que aprecie a história de Perséfone; que compreenda os motivos dela e não a julgue. Lembre-se, o mundo não é dividido entre pessoas boas e más, apenas entre pessoas com problemas e que passaram por muita coisa.
E não se incomode se eu aparecer algumas vezes, ou todas as vezes. Não é a minha história, mas eu estava lá. E no final, fui a única pessoa que apoiou Perséfone até o fim.
Sua fiel escudeira, Berth.
Como você já sabe, todas aquelas histórias fantásticas sobre os reinos, princesas e fadas são reais. Então não ache estranho qualquer manifestação de magia que apareça por aqui. Mas não é porque essas maravilhas existem que alguma vez vai acontecer com você. Não existem príncipes suficientes nesse mundo para todas as plebeias injustiçadas.Nosso reino se chama Artémise, uma homenagem a deusa da lua, caça, partos e animais selvagens. Nunca ouviu falar nele? Nenhuma história extraordinária jamais aconteceu por aqui, na verdade somos apenas um reino muito pequeno cercado por outros também pequenos e uma floresta que dizem ser mal-assombrada. Claro que temos um castelo e uma monarquia, apesar de achar a democracia ligeiramente mais eficiente. Nosso
Perséfone falou rapidamente sobre a organização das prateleiras e me esforcei para decorar tudo até ter tempo de anotar. Em uns quatro minutos ela falou sobre rótulos, localizações, funções e até um pouco sobre sua vida pessoal. Eu apenas acenei como se tivesse compreendido tudo.— E você não pode entrar na área de trabalho ou tocar nos vidros com as caveiras desenhadas sem ninguém por perto, entendeu?— Sim.— Ótimo, agora preciso que vá até a livraria do senhor Blunt e pegue algumas coisas. - Perséfone tirou de debaixo do balcão uma caderneta e um lápis, começou a fazer algumas anotações.
Os dias foram se passando e continuei exercendo o trabalho na loja com tranquilidade. O senhor Ernie saia de vez em quando, mas sempre que estava presente me ensinava algumas coisas básicas. Geralmente eu ficava responsável por anotar os pedidos dos clientes e fazer algumas entregas, tomando muito cuidado para não cometer nenhum erro. Perséfone estava sempre por lá, ajudando o pai com alguns produtos ou lendo alguns dos seus livros. Não conversávamos muito, e o clima era meio chato.Um dia, o senhor Ernie resolveu piorar um pouco nossa relação.- Berth, preciso que deixe alguns produtos para a cabeleireira. Posso contar com você?- Claro.- Ah, e quero que leve a Per
O senhor Ernie me permitiu descansar no dia seguinte, mas logo após o almoço recebi um recado de que me esperava na loja. Apesar da dor de cabeça e do tornozelo inchado, fui com ânimo esperando que fossem apenas as necessidades do trabalho. Chegando lá, ele me convidou para acompanhá-lo até sua casa.Mesmo mancando, consegui acompanhar os passos dele sem cair. A casa ficava na mesma rua, não muito longe da loja. O jardim, apesar de mal cuidado, era bonito e espaçoso. Seguindo o padrão das outras do vilarejo, a casa possuía dois andares e sua cor era de um belo tom de azul-royal. Pelo lado de dentro, o papel de parede novo era amarelo quadriculado, com algumas pequenas flores cor-de-rosa. O que chamava mais atenção, era a quantidade de quadros de uma mesma mulher dispostos na parede.
Alguns dias se passaram e Perséfone se mostrou minimamente amável comigo, conviver diariamente com ela tornou-se suportável. O que o senhor Ernie tinha falado sobre fazer cortes se cumpriu, alguns produtos menos essenciais começaram a faltar, gerando reclamações dos clientes. Porém, comecei a receber uma refeição diariamente, que infelizmente era sempre torta de cereja.O ponto alto da nossa semana foi quando uma grande feira foi anunciada na praça central, em comemoração ao aniversário da rainha. Todos falavam sobre como estava bonito, decorado, sobre a animação e o baile real. Apesar do meu desejo de ir até lá, não tinha tempo e nem dinheiro. Era impossível não fazer comentários de vez em quando.
As dúvidas retumbavam na minha cabeça, a atitude ridícula e imprudente que tomei prejudicaram imensamente o senhor Ernie. Pensei em voltar para loja, pedir desculpas ou ir embora antes de ter que explicar o inexplicável que acontecera com o gato, mas não conseguia nem sair do lugar. Pensava e repensava como havia deixado aquilo acontecer, mesmo com os avisos de Perséfone para não me aproximar, mesmo sabendo que estávamos unicamente tentando encontrar o velho e não gastando o dinheiro com besteiras.Alguma força maior parecia ter me atraído até o gato. Eu pelo menos deveria ter perguntado a ele onde estava o velho, e não uma coisa tão inespecífica.Depois de um tempo, vi Perséfone saindo do meio da feira a passos pesados, um ca
No dia seguinte, ao chegar bem cedo na loja, encontrei o senhor Ernie contrariado, cuidando de todas as encomendas e pedidos de última hora. Tentei começar a ajudar com o que podia, mas ele me impediu. Perséfone queria que eu a esperasse para sair. Tinha pensado um pouco para qual lugar ela queria ir comigo. A possibilidade certa passou por minha cabeça, mas não havia lógica em seu desejo de visitar minha mãe. Aquilo só se tornou realmente palpável quando o senhor Ernie confirmou minhas suspeitas.— Você não precisa trabalhar hoje, a Perséfone disse que vão sair juntas. E antes que pergunte, sim, eu estou muito preocupado. Mas ela falou que iria visitar sua casa e conhecer seus pais. Não pode ser tão ruim.— É s&eac
Fiquei dois dias inteiros em casa refletindo. Não quis contar a meu irmão, Devan, sobre ter pedido demissão, pois ele poderia ficar desesperado e pensar que teria que me sustentar. Também não podia, de maneira nenhuma, voltar para a casa dos meus pais depois de tudo. Estava pensando em sair e procurar emprego. Seria fácil conseguir algo na feira, mas quando ela fosse embora ficaria desempregada de novo, portanto preferi me concentrar em algo mais sério e duradouro.Com o passar do tempo as emoções foram se aquietando, e comecei a lidar de uma maneira melhor com o que havia acontecido. Afinal, Perséfone me mostrara o que minha família pensava sobre mim, e seu ato não foi de todo tão ruim. Seria melhor que tivesse pensado um pouco e me emprestado o dinheiro no lugar de armar a cena. O tempo sozinha foi proveitoso para me acalmar e colocar as ideias em ordem.No terceiro dia o senho