Como você já sabe, todas aquelas histórias fantásticas sobre os reinos, princesas e fadas são reais. Então não ache estranho qualquer manifestação de magia que apareça por aqui. Mas não é porque essas maravilhas existem que alguma vez vai acontecer com você. Não existem príncipes suficientes nesse mundo para todas as plebeias injustiçadas.
Nosso reino se chama Artémise, uma homenagem a deusa da lua, caça, partos e animais selvagens. Nunca ouviu falar nele? Nenhuma história extraordinária jamais aconteceu por aqui, na verdade somos apenas um reino muito pequeno cercado por outros também pequenos e uma floresta que dizem ser mal-assombrada. Claro que temos um castelo e uma monarquia, apesar de achar a democracia ligeiramente mais eficiente. Nosso príncipe casou-se com uma plebeia do vilarejo, como esperado. Mas isso já faz uns 10 anos e não temos outro jovem solteiro na linha de sucessão real, o que significa que não estou iludida.
Antes de falar de mim, vou falar um pouco do nosso vilarejo. Ao norte temos a floresta mal assombrada, deve ter um nome geográfico mas nos acostumamos a chamá-la assim. As árvores são retorcidas e a areia mais parecem cinzas de tão imunda. Em algumas épocas do mês ouvimos ruídos e sons estranhos lá, e os mais velhos adoram inventar lendas.
As casinhas são agradáveis, pequenas e coloridas. Todas possuem um pequeno jardim repleto de flores e plantas frutíferas. As ruas de terra sempre são bastante movimentadas com cabriolés e pequenas carruagens, e o verde está por toda parte e em todo lugar. Talvez o excesso de cores diferentes das casas causem um pouco de poluição visual.
Nossa economia é baseada principalmente na exportação de cerejas. Cerejeiras, cerejeiras por toda parte. Comíamos bolo de cereja ao acordar, suco de cereja no almoço com alguma outra coisa que caçamos, torta de cereja, muita torta de cereja e qualquer coisa no qual cerejas pudessem se transformar. Eu adoro cereja, quem não gosta deve passar muita fome.
Ao sul temos o castelo, que não é muito grandioso, mas suas duas torres são bastantes chamativas em um belo tom de azul-royal. A família real não aparece muito por aqui, a não ser para fazer algum discurso motivador ou quando a princesa vem visitar seus amigos plebeus e trazer mais cestas de cereja como se não tivéssemos suficientes. Mas ela é um amor, já ganhei uma cereja dela.
Ao leste fica o reino de Sowen e a Oeste Aberdeen. Não sei muito sobre esses lugares, mas meu pai já foi a Aberdeen muitas vezes para o comércio de frutas e também para caçar.
Quanto a magia, ela é permitida. Mas existe um regulamento, ou seja, a plebe maioritariamente não possuía permissão. Nossa melhor chance é chamar a atenção de uma fada, mas são tão raras que eu mesma nunca vi uma.
Agora me apresentando, meu nome é Berth. Não me confunda com a protagonista (ou antagonista), mas antes de conhecermos elas, vou falar um pouquinho de mim.
Sou a 8° filha de uma família de 14 pessoas. Desde que meu primeiro irmão foi expulso de casa, meus pais propuseram um acordo com os outros. Todos os próximos que completassem 18 anos iriam sair por livre e espontânea vontade para maneirar nosso perpétuo infortúnio, gastos e desordem.
Infelizmente o nascimento do último bebê mudou isso, agora todos que conseguem um emprego precisam sair imediatamente e enviar uma parcela do salário todos os meses por no mínimo um ano para pagar o que consumiu e pela criação de mamãe.Minha mãe possui muitos contatos, e por eu ainda estar um pouco longe da idade de casar ela conversou com um velho amigo e inventou diversos talentos falsos sobre mim, tudo para me arranjar um emprego na loja do boticário.
Ela arranjou, e também conseguiu que meu irmão mais velho me aceitasse em sua casa. Mas mamãe não é malvada, não quer se livrar de mim. Ela apenas está cansada de tantos filhos.
— Você é muito inteligente, Berth. Não possui os dotes de beleza das suas irmãs mas é muito inteligente.
Nossa! Eu sempre serei apaixonada por esse elogio. Sou brilhante para algumas coisas, mas quando comecei a trabalhar com aquelas químicas apavorantes me provei uma completa desastrada e me livrei de demissões várias vezes.
Mamãe era alta e possuía longos cabelos marrons ondulados, um nariz fino combinados com olhos verdes e sobrancelhas muito bem feitas. Seus vestidos eram esfarrapados, mas não apagavam sua formosura. Diferente de mim, que sou baixa para minha idade, acima do peso e possuo algumas espinhas aqui e ali. Aliás, tenho 15 anos, e frequentemente acham que tenho 12 por causa da altura. Tenho poucos vestidos, que por serem antigos sempre ficam muito apertados. Meus cabelos são do mesmo tom do de mamãe, mas gosto de deixa-los presos em duas tranças, e meus olhos são castanhos claros como os de meu pai.
Foi mais ou menos assim que fui para o primeiro dia de trabalho, o vestido era de um vermelho desbotado com mangas brancas bufantes, e no peito carregava um lindo broche de girassol. Quase tropecei nos tamancos várias vezes enquanto andava. Acontece que o vestido estava muito apertado e isso incomodava.
O caminho da casa do meu irmão até a loja do boticário era um pouco longo, mas sempre gostei de andar a aproveitar a paisagem. O céu estava límpido e o sol brilhava forte no céu, a temperatura agradava. Os jardins das casas estavam cheios de pessoas conversando, brincando ou colhendo suas adoráveis cerejas e o doce cheiro das flores quase me faziam flutuar.
Após alguns agradáveis minutos de caminhada cheguei a loja, era uma estrutura um pouco feia comparada com as casas e os jardins ao redor. A cor era de um verde-musgo e o letreiro era novinho e dourado: Pharmácia. Sim, com ph.
As vitrines exibiam várias poções de cores diversas, garrafas de vidro escuro com rótulos e caixinhas de madeira. Tentei ler alguns nomes de remédios e acenei para os passantes, tentando controlar a ansiedade, mas vendo que não iria conseguir muito, empurrei a porta e entrei. As sinetas tocaram e um senhor atrás do balcão sorriu de um jeito simpático.
Por dentro, as paredes descascadas eram de um tom de amarelo queimado, decoradas com alguns quadros de belas paisagens. Existiam três estantes; uma com vários tipos de plantas, uma com garrafas escuras e rótulos e outra com pequenos vidrinhos com alguns pós. O balcão era de madeira de cerejeira, estava velho e possuía alguns desenhos infantis na parte de baixo. Por trás dele vários nichos se dispunham na parede com outros tipos de folhas, vidros e bugigangas. No canto, uma pequena abertura levava a um local onde todos os remédios eram produzidos.
— Eu sou a Berth.
— Sim, você pode me chamar de Ernie. Seja bem vinda a nossa loja. Sua mãe falou que possui experiência com misturas.
— Com certeza. — Forjei meu melhor sorriso para que ele acreditasse, com medo de que alguma mistura minha acabasse matando alguém.
O senhor Ernie enrolou com os dedos os longos bigodes brancos. Era um homem magro e careca, parecia ser muito legal. Saiu detrás do balcão e foi até mim, minhas gengivas já doíam de tanto sorrir.
— Eu preciso resolver muitos negócios para ficar aqui o dia todo, tenho consultado alguns pacientes — falou com orgulho —, Por enquanto não mexa com nada, minha filha está lá dentro. — Apontou para a porta atrás do balcão. - Ela vai te mostrar tudo.
— O senhor vai me ensinar, não vai?
— Claro, quando tiver tempo. — O senhor Ernie deu tapinhas na minha cabeça e parei de sorrir. - Confio em você.
Depois que o senhor Ernie saiu me dispus obediente atrás do balcão, torcendo para que ninguém entrasse procurando nada. Meus olhos passavam rapidamente por todos os lugares, esperando que a tal filha dele aparecesse. Comecei a tossir e a fazer o máximo de barulhos possíveis a fim de que ela percebesse que eu estava ali e fosse dizer algo, mas depois de longos minutos forçando a garganta conclui que poderia estar dormindo e resolvi entrar.
O lugar era exatamente o que eu imaginava, o local de trabalho. Possuia prateleiras de objetos estranhos que provavelmente auxiliavam com a produção de remédios, e no centro possuía uma mesa de madeira com muitas ervas, bacias e todo tipo de coisa em cima, muito desorganizado.
Em uma cadeira de balanço estava uma garota muito entretida com a leitura de um livro, tentei enxergar o título mas não consegui. Pigarreei algumas vezes e como não me deu atenção tomei coragem de falar.
— Olá, eu sou a Berth.
— Não viu que eu estou lendo? É muito mal educado atrapalhar a leitura dos outros, na verdade é inaceitável.
Essa é Perséfone, minha melhor amiga. Ela pode parecer um pouco antipática as vezes, mas logo perceberá que seu coração é bondoso por trás da camada de gelo. ela usava um longo vestido amarelo sem mangas e um cinto de couro. A pele era pálida e as bochechas com algumas sardas, seus olhos eram de um castanho muito escuro com profundas olheiras, o cabelo era castanho e volumoso, um pouco abaixo dos ombros, o nariz era levemente curvo e usava uma gargantilha com pingente de folha.
— Eu vim trabalhar aqui. O senhor Ernie falou que você pode me mostrar algumas coisas.
— Eu me chamo Perséfone — disse levantando-se e dobrando á página do livro onde tinha parado. — Venha comigo.
— Perséfone! Que Legal! Tipo a esposa de Hades.
Perséfone levou as mãos a cintura e me lançou um olhar ameaçador, se eu pudesse teria me dissolvido ali mesmo diante de tanta vergonha. Apertei as duas mãos e me desculpei com a voz baixinha e suplicante.
— Perséfone é a deusa da agricultura, da primavera, das ervas, frutos e fertilidade. Mas você reconhece ela somente pelo nome do marido, porque ser casada é o que melhor a define. Parabéns, Berth, vejo que temos muito para aprender aqui.
Foi assim que a conheci, e a primeira impressão que tive foi de que tornaria minha estádia na Farmácia muito desagradável. Mas valeu muito a pena acreditar em Perséfone, não desistir dela, mesmo quando tentava machucar as pessoas.
Pode parecer estranho, mas havia alguma coisa nela, como se fosse apenas uma garota sozinha que precisava de ajuda. Eu não gostava de julgar pelas primeiras impressões, e também não gostava de rotular pessoas. Mas terei que rotular Perséfone como firme, decidida e astuta. E claro, ela poderia ser muito boa para aqueles de quem realmente gostava.
Perséfone falou rapidamente sobre a organização das prateleiras e me esforcei para decorar tudo até ter tempo de anotar. Em uns quatro minutos ela falou sobre rótulos, localizações, funções e até um pouco sobre sua vida pessoal. Eu apenas acenei como se tivesse compreendido tudo.— E você não pode entrar na área de trabalho ou tocar nos vidros com as caveiras desenhadas sem ninguém por perto, entendeu?— Sim.— Ótimo, agora preciso que vá até a livraria do senhor Blunt e pegue algumas coisas. - Perséfone tirou de debaixo do balcão uma caderneta e um lápis, começou a fazer algumas anotações.
Os dias foram se passando e continuei exercendo o trabalho na loja com tranquilidade. O senhor Ernie saia de vez em quando, mas sempre que estava presente me ensinava algumas coisas básicas. Geralmente eu ficava responsável por anotar os pedidos dos clientes e fazer algumas entregas, tomando muito cuidado para não cometer nenhum erro. Perséfone estava sempre por lá, ajudando o pai com alguns produtos ou lendo alguns dos seus livros. Não conversávamos muito, e o clima era meio chato.Um dia, o senhor Ernie resolveu piorar um pouco nossa relação.- Berth, preciso que deixe alguns produtos para a cabeleireira. Posso contar com você?- Claro.- Ah, e quero que leve a Per
O senhor Ernie me permitiu descansar no dia seguinte, mas logo após o almoço recebi um recado de que me esperava na loja. Apesar da dor de cabeça e do tornozelo inchado, fui com ânimo esperando que fossem apenas as necessidades do trabalho. Chegando lá, ele me convidou para acompanhá-lo até sua casa.Mesmo mancando, consegui acompanhar os passos dele sem cair. A casa ficava na mesma rua, não muito longe da loja. O jardim, apesar de mal cuidado, era bonito e espaçoso. Seguindo o padrão das outras do vilarejo, a casa possuía dois andares e sua cor era de um belo tom de azul-royal. Pelo lado de dentro, o papel de parede novo era amarelo quadriculado, com algumas pequenas flores cor-de-rosa. O que chamava mais atenção, era a quantidade de quadros de uma mesma mulher dispostos na parede.
Alguns dias se passaram e Perséfone se mostrou minimamente amável comigo, conviver diariamente com ela tornou-se suportável. O que o senhor Ernie tinha falado sobre fazer cortes se cumpriu, alguns produtos menos essenciais começaram a faltar, gerando reclamações dos clientes. Porém, comecei a receber uma refeição diariamente, que infelizmente era sempre torta de cereja.O ponto alto da nossa semana foi quando uma grande feira foi anunciada na praça central, em comemoração ao aniversário da rainha. Todos falavam sobre como estava bonito, decorado, sobre a animação e o baile real. Apesar do meu desejo de ir até lá, não tinha tempo e nem dinheiro. Era impossível não fazer comentários de vez em quando.
As dúvidas retumbavam na minha cabeça, a atitude ridícula e imprudente que tomei prejudicaram imensamente o senhor Ernie. Pensei em voltar para loja, pedir desculpas ou ir embora antes de ter que explicar o inexplicável que acontecera com o gato, mas não conseguia nem sair do lugar. Pensava e repensava como havia deixado aquilo acontecer, mesmo com os avisos de Perséfone para não me aproximar, mesmo sabendo que estávamos unicamente tentando encontrar o velho e não gastando o dinheiro com besteiras.Alguma força maior parecia ter me atraído até o gato. Eu pelo menos deveria ter perguntado a ele onde estava o velho, e não uma coisa tão inespecífica.Depois de um tempo, vi Perséfone saindo do meio da feira a passos pesados, um ca
No dia seguinte, ao chegar bem cedo na loja, encontrei o senhor Ernie contrariado, cuidando de todas as encomendas e pedidos de última hora. Tentei começar a ajudar com o que podia, mas ele me impediu. Perséfone queria que eu a esperasse para sair. Tinha pensado um pouco para qual lugar ela queria ir comigo. A possibilidade certa passou por minha cabeça, mas não havia lógica em seu desejo de visitar minha mãe. Aquilo só se tornou realmente palpável quando o senhor Ernie confirmou minhas suspeitas.— Você não precisa trabalhar hoje, a Perséfone disse que vão sair juntas. E antes que pergunte, sim, eu estou muito preocupado. Mas ela falou que iria visitar sua casa e conhecer seus pais. Não pode ser tão ruim.— É s&eac
Fiquei dois dias inteiros em casa refletindo. Não quis contar a meu irmão, Devan, sobre ter pedido demissão, pois ele poderia ficar desesperado e pensar que teria que me sustentar. Também não podia, de maneira nenhuma, voltar para a casa dos meus pais depois de tudo. Estava pensando em sair e procurar emprego. Seria fácil conseguir algo na feira, mas quando ela fosse embora ficaria desempregada de novo, portanto preferi me concentrar em algo mais sério e duradouro.Com o passar do tempo as emoções foram se aquietando, e comecei a lidar de uma maneira melhor com o que havia acontecido. Afinal, Perséfone me mostrara o que minha família pensava sobre mim, e seu ato não foi de todo tão ruim. Seria melhor que tivesse pensado um pouco e me emprestado o dinheiro no lugar de armar a cena. O tempo sozinha foi proveitoso para me acalmar e colocar as ideias em ordem.No terceiro dia o senho
Os olhos verde-escuros de Aylet analisavam a loja com atenção, os cabelos castanhos caiam-lhe em uma trança assanhada até a cintura, e seu sorriso encantador evidenciava os finos traços de seu rosto. A aura que emanava dela assustava tanto que Perséfone parecia não me representar mais nenhum tipo de ameaça. Deixei o balde com sabão no lugar onde estava e me dispus atrás do balcão como a mais simples das empregadas, observando as duas com curiosidade.Aylet era mais alta que Perséfone, um pouco parecida, todavia mais bela. Eu não diria, jamais, que Aylet seria sua mãe, principalmente por sua aparência excessivamente jovem. Ela retirou a capa preta que usava, de um tecido fino adornado com pequenos detalhes dourados, jogou-a de qualquer jeito sobre uma estante de remédios, revelan