CAPÍTULO 4

RIMENA

Meu marido falava muito sério quando disse que a cidade é longe. Mas exagerou para me assustar. Ficamos na carroça por quase um dia — não três —, parando para descansar e comer.

Não reclamei em nenhum momento. Ele já não queria me levar. Se eu abrisse a boca era capaz de Nicolai dar meia volta.

Sinto falta de um banho. Mesmo estando no inverno me acostumei a ter um banho todos os dias no mesmo horário. Essa é uma vantagem por ter um rio perto da nossa casa.

Apesar do desconforto por não conseguir seguir minha rotina, eu me sentia eufórica, queria olhar tudo que via, principalmente porque pelo caminho, vez ou outra, surgia uma casa ou pessoas. Cheguei a ver crianças brincando, um garotinho... vários. Eu nunca tinha visto um garoto. O único homem que conheço é meu marido. Até quis um filho, mas sem a ajuda de Nicolai seria impossível.

As mulheres que me criaram diziam que para ter um filho, bastava o casal desejar muito que ele surgia. A magia do nascimento, era assim que chamavam. Eu desejei muito, mas não foi o suficiente. E quando eu pedia a Nicolai para desejar comigo ele ria e dizia que nunca teríamos um filho, que era impossível por sermos quem éramos. Só que ele nunca disse o que isso significava.

Enquanto vejo as crianças pelo caminho, me vem a mente nossa última conversa sobre filhos.

— Por que você não quer desejar? — gritei com ele de repente. Ele acabou de voltar. Havia ficado dias longe de casa. Tive medo da sua reação ao meu grito, mas me mantive firme.

— Desejar o que? Ficou louca? — me encara com impaciência.

— Uma criança, Nicolai. Eu fico sozinha nessa casa quando você viaja. E mesmo quando você está aqui é como se eu estivesse sozinha. Eu sinto falta de companhia.

— Quer um filho apenas para ter companhia? Que mesquinho! — debocha.

— Eu quero uma criança para amar, ensinar. Quero ser mãe.

O jeito como Nicolai ri de mim machuca muito.

— Duvido que teria algo para ensinar a uma criança. Sem contar que falta a ferramenta necessária para fazer um filho.

— Ferramenta? — questiono confusa. — A minha mãe Luma disse que basta desejar.

Ele nega com a cabeça e começa a se afastar, dizendo:

— Você está cada dia mais insuportável. Esquece essa história de filhos. Você nunca vai saber o que é ser mãe.

E como sempre a nossa conversa terminou assim. Ele foi para o banho e eu fiquei me perguntando se havia uma vida diferente fora do meu pequeno mundo. Mas na verdade eu sabia que tinha, pois era muito feliz com as mulheres que me criaram.

— Chegamos. — Nicolai diz me tirando dos pensamentos. — Não faça ou diga nada sem meu consentimento. Eu nem devia ter cedido a essa loucura. Só o fiz porque estava cansado da sua ladainha.

Ignoro suas palavras duras.

Já tinha percebido um número assustador de casas e pessoas de todos os tipos. Mulheres e homens voando com asas quase translúcidas, crianças de orelhas pontudas correndo para todos os lados. São elfos e fadas. Aprendi sobre eles quando criança. Além de elfos vejo centauros, um ciclope e até uma vampira que mostra os seus dentes para um ser que eu não saberia identificar. Na verdade vi muitos assim, por ter forma humana nem todos são fáceis de identificar.

Aprendi muito sobre eles na Cidade das Mulheres.

— O que é aquilo? — apontei várias coisas grandes e rápidas que carregavam pessoas. Já tinha visto alguns pelo caminho.

— Chama-se veículo. Tem vários modelos e tamanhos diferentes. Aquele é um carro. — Aponta a coisa prateada que parou perto da nossa carroça. É incrível.

— Parece ser bem mais rápido e confortável que nossa carroça — digo impressionada.

— E é. Mas não temos como pagar por um desses. Já vai chegar aqui reclamando? — resmunga.

— Não reclamei, Nicolai. Só fiz um comentário.

— Guarde seus comentários para você.

Foi o que fiz, me calei pelo resto do caminho. Nicolai às vezes me magoava muito com seu jeito estupido.

*

Fomos até um lugar cheio de pessoas barulhentas.

Meu marido me orientou a ficar na carroça. Eu obedeci.

Observei um senhor entregando uma sacola para ele cheia de coisas brilhantes e redondas. Depois disso, ele me arrastou pela cidade enquanto trocava aquelas coisas brilhantes por comida, e as coisas que costumava levar para casa.

Era dinheiro, a moeda de troca de Estrela. Ouvi por alto sobre isso quando era mais nova. Se me lembro bem tem moedas de ouro, prata, bronze e algumas notas em papel.

Sempre as mesmas coisas. Percebi que tem muita variedade e ele sempre escolhe o mesmo.

— Podemos levar aquilo? — apontei algumas frutas que nunca havia visto. As pessoas no lugar comiam tão satisfeitas que me deixou com fome.

— Não temos dinheiro.

— Dinheiro é isso que você está trocando pelas coisas, não é?

— Sim. Agora fique calada. Não quero que saibam que sou casado com uma mulher ignorante.

Me calei outra vez. Odeio quando ele fala assim comigo. Só queria confirmar. Custa simplesmente responder?

Continuei sendo arrastada e já estava anoitecendo quando ele levou a carroça até um lugar cheio e barulhento, pior do que onde pegou o dinheiro.

Dessa vez ele guardou a carroça em um canto e soltou o cavalo para comer e descansar em um espaço onde havia outros dois cavalos.

Eu também queria muito comer e descansar. Mas se dissesse era capaz de Nicolai usar como desculpa para nunca mais me trazer, e eu quero voltar aqui sempre. É tão cheio de vida. Tantas coisas que nunca vi.

Eu sabia, não foi um erro vir até a cidade.

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