Claire Acordei assustada às quatro da manhã, com os passos de Jean-Luc abafados no assoalho de madeira. Meus olhos se abriram lentamente, secos e areosos, ajustando-se à penumbra do quarto. Ele ainda usava as mesmas roupas pretas de antes, um conjunto que parecia tático e funcional, com um suéter de gola rolê. René e o grandalhão careca também estavam com roupas semelhantes, um detalhe que me fez questionar internamente a natureza do que eles estavam fazendo antes de irem ao meu socorro. Já era tarde. Onde estavam? E por que vestidos assim? Pensei em perguntar a Jean-Luc sobre as roupas e sobre o que havia acontecido naquela noite, mas ele entrou no banheiro antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. O som da água corrente começou pouco depois, e eu fiquei deitada na cama, tentando juntar as peças de um quebra-cabeça que parecia complicado demais. Enquanto esperava, minha mente vagava, pensando nas inúmeras possibilidades e na estranha sensação de estar sendo envolvida em algo mui
Claire A passos apressados, Jean-Luc caminhou em direção à porta. — Vai aonde? — perguntei, deixando a cama. Ele parou e virou-se para mim. — Você precisa confiar em mim. Confiar quando digo que vou resolver isso e que está segura comigo! — Seu tom soou um tanto rude e impaciente. Franzi o cenho para ele, brava e confusa, chegando mais perto. — Jean-Luc... O que aconteceu comigo precisa ser investigado. — E quem disse que não estou investigando? — Seu tom soou mais alto. Minha coluna empertigou e meus pés deram dois passos para trás. Rapidamente ele suavizou o olhar e a postura. — Isso é uma conversa, não uma briga — falei firmemente. — Não levante o tom de voz para mim. Ele suspirou, frustrado consigo mesmo, e se aproximou. — Me desculpe. Não precisa ir até a polícia. Eu resolvo. — Mas como é que pretende resolver? — Minha mente dava um nó. E um pequeno desespero estava surgindo. — Claire... — Segurou meus braços com cuidado, chegando mais perto. — Eu tenho meios de man
Claire Quando subi o último degrau, encarei a porta do meu apartamento. Ela não estava mais quebrada. Uma nova fora colocada em seu lugar. Benoît entregou um molho de chaves novas. Ao entrar em casa, tudo estava perfeitamente em ordem, como deixei ao partir às pressas. Na lavanderia, o buraco na parede atrás da máquina de lavar havia sido fechado e pintado. Nem mesmo parecia que aquilo havia existido. Voltei para a sala e parei no meio do cômodo. Eu tinha medo até mesmo de respirar ali dentro, de coçar o rosto. A sensação era que eu estava sendo observada, mesmo que eu soubesse que não. Sentei-me no estofado e encarei a TV de 42” à minha frente. Analisei meu reflexo nela, observando minha leve palidez. Eu não conseguiria ficar ali. Engoli em seco, sentindo o meu corpo pinicar. Levantei-me de pressa, apanhando a mala que me acompanhou o dia no trabalho, e saí de casa. Ao deixar o prédio, Benoît saiu de seu carro, o mesmo que me levara ao trabalho e depois me trouxera para casa, vind
ClaireParis, 2018. A noite caía suavemente sobre a Cidade das Luzes, derramando sombras longas pelas ruas estreitas e antigas. Eu sentia o frio úmido penetrando minha pele, mas meu coração ardia com uma inquietude que nenhuma estação poderia acalmar. Caminhava apressada pelo Boulevard Saint-Germain, com meus pensamentos dispersos como as folhas de outono aos meus pés. A galeria onde eu costumava buscar inspiração estava a poucos metros de distância, e eu ansiava pelo refúgio silencioso que as pinturas ofereciam. Eu precisava escapar das memórias que me assombravam, das incertezas que pendiam sobre meu futuro como uma espada invisível. As ruas de Paris, embora familiares, pareciam mais solitárias naquela noite. Entrei na galeria, e o cheiro familiar de tinta e madeira velha me acolheu imediatamente. Passei pelas obras conhecidas, cada pincelada contando uma história, mas naquela noite, uma sensação de antecipação rastejava pela minha mente. Meus olhos começaram a percorrer ao redor.
ClaireOs dias que se seguiram foram marcados por uma inquietante sensação de expectativa. Cada pensamento meu era tomado por Jean-Luc Moreau, seu sorriso enigmático e os olhos que pareciam sondar minha alma enquanto falávamos de arte. Eu tentava afastá-lo de minha mente; era ridículo pensar tanto em alguém que conheci por menos de meia hora, mas ele insistia em ocupar meus pensamentos como uma obra inesquecível. Naquela tarde de céu nublado, eu estava em um pequeno café no Marais, tentando concentrar-me em um livro que mal conseguia ler. Minhas mãos tremiam de modo quase imperceptível ao passar as páginas. Meu coração estava acelerado como se o amontoado de palavras no papel estivesse prestes a me levar a embarcar em uma aventura desconhecida. Então, ele apareceu. O sino acima da porta anunciou a chegada de alguém junto a um leve arrepio nos meus braços. Imediatamente olhei para a entrada a tempo de ver Jean-Luc atravessar pela porta com uma elegância natural. Seus passos determina
ClaireSuas palavras foram o suficiente para selar nosso destino naquele fim de tarde até o cair da noite. O café se esvaziou ao nosso redor, mas nós permanecemos ali, presos em um jogo de olhares e palavras que pareciam desafiar as leis do tempo e do espaço enquanto falávamos sobre arte e um pouquinho de nada sobre mim e meus estudos. Por um segundo, senti que estava falando muito e rápido demais. Estava começando a parecer exagerada. Então, eu me calei, suspirei fundo e tomei um gole do meu café que já estava gelado. Prova de que eu havia falado demais! — Claire, posso lhe fazer uma pergunta? — perguntou Jean-Luc após um momento de silêncio carregado. — Claro — respondi, sentindo meu coração bater mais rápido. Ele estudou meu rosto por um instante, como se estivesse buscando algo nas linhas sutis de minha expressão. — Por que Paris? Por que deixar sua família e vir para cá estudar arte? A pergunta de Jean-Luc era direta e simples, mas carregava um peso que eu não esperava. Eu r
ClaireO vento fresco da noite balançava as folhas das árvores ao redor enquanto eu observava Jean-Luc desaparecer na escuridão pela calçada. Suas palavras ressoavam em minha mente, misturando-se com as sensações turbulentas que ele despertara em mim. — Tenho certeza disso... — repeti sua última frase. E ele de fato tinha. Era visível. Repeti outra vez suas palavras silenciosamente, deixando-as ecoar pela mente. Caminhei devagar pelas ruas familiares do Marais, perdida em meus pensamentos. Paris parecia diferente naquela noite, mais viva e cheia de promessas desconhecidas. Ou de um desconhecido. Cada esquina, cada prédio histórico parecia sussurrar segredos que eu mal começava a compreender. Cheguei em casa com o coração ainda acelerado, incapaz de ignorar a inexplicável conexão que havia surgido entre mim e Jean-Luc. Era idiota e assustador ao mesmo tempo. Fechei a porta do apartamento com um suspiro, sentindo-me empolgada com o que estava por vir, com o que sentia. Sentando-me na
ClaireAcordei com a luz do sol entrando pelas cortinas. Durante o café da manhã, não consegui evitar que meus pensamentos voltassem para Jean-Luc. Já fazia três dias que o havia visto, e ele não tinha me encontrado como prometera. Tinha medo de que estivesse me iludindo ou ficando obcecada por alguém que vi duas vezes na vida. Será que eu havia imaginado a conexão entre nós? Será que ele também a sentia? Sentia a atração? Na mesa da cozinha, tentava me concentrar nas tarefas do dia. Mas a imagem de Jean-Luc continuava a invadir meus pensamentos. Sacudi a cabeça, tentando me livrar da sua figura ou da lembrança do toque de seus lábios no dorso de minha mão. — Preciso focar — murmurei para mim mesma, tentando afastar a distração. Mas era inútil. Cada vez que tentava me concentrar, lembrava de seus olhos, de seu sorriso. Tinha algumas aulas para elaborar. Naquela manhã começaria com uma nova turma. Pessoas da terceira idade. Gostava deles. Pelo menos não passavam uma hora falando mal