ClaireO jantar contínuo. A comida era deliciosa, mas a cada garfada eu sentia o estômago mais apertado, como se estivesse engolindo chumbo. Eu não participei de nenhuma conversa, e Jean-Luc também não fez questão de iniciar uma em francês para me incluir. Todos falavam em alemão, italiano e outra língua que eu não sabia se era espanhol ou português, ignorando minha presença com uma naturalidade quase ensaiada. Era como se eu fosse um fantasma na mesa.A única pessoa que parecia demonstrar algum interesse em mim era René. Ele me olhou atentamente, como se quisesse verificar se eu estava bem, mas não disse nada. Jean-Luc, por outro lado, parecia imerso em seu próprio mundo, como se minha exclusão não fosse algo que o incomodasse.Olhei para o relógio na parede atrás de Tatiana. Os ponteiros pareciam congelados. O tempo se arrastava, e minha ansiedade só aumentava. Eu me senti como uma intrusa em um ninho de cobras, incapaz de entender suas línguas ou sobre o que gesticulavam vez ou out
Jean-LucO mundo pareceu desmoronar no instante em que Franz levou Claire pelo braço. Não era só ciúme – embora a ideia de Claire sozinha com ele fosse como um espinho no meu peito –, mas a preocupação legítima. Franz tem o hábito irritante de falar demais, de abrir portas que deveriam permanecer trancadas. E Claire… Claire ainda não está pronta para ouvir de forma crua sobre esse lado da minha vida, embora eu já estivesse a colocando para dentro.Eu a amo. Esse sentimento, essa certeza, não deveria ser tão avassaladora, mas é. E é justamente por isso que estou tentando introduzi-la devagar, passo a passo, nesse mundo de sombras. Porque, se eu for imprudente, ela pode me rejeitar. E, se isso acontecer, não sei o que restará de mim.Fiquei observando a porta por onde os dois saíram, o maxilar travado e os punhos cerrados. Queria segui-los, mas sei que não devia. Franz é um animal social. Ele age como se tudo fosse um jogo ensaiado, mas é imprevisível. Eu só poderia esperar que ele não
ClaireEncarei a pintura outra vez, sentindo um frio na espinha. Aquela obra, junto com outras que eu já havia reconhecido, não era apenas replicadas. E muitas delas haviam sido roubadas de museus ou coleções particulares há muito tempo. Agora, eu as via ali, na casa de Franz, como se fossem meros itens decorativos.Olhei para ele, chocada.— Isso... isso é um crime — murmurei. Ele era um receptor.Franz virou-se para mim, sorrindo como se estivesse se divertindo com minha ingenuidade.— Chame como quiser, mas prefiro pensar que estou preservando a história. E, claro, você vai guardar esse segredinho, não é?Ele ergueu o dedo indicador, colocando-o sobre os próprios lábios em um gesto teatral de silêncio. Engoli em seco outra vez, incapaz de responder.Franz se aproximou mais, reduzindo a distância entre nós. Seu olhar agora tinha algo que eu não sabia decifrar.— Você é uma de nós agora, ainda que eu ache que não deveria ser. No entanto, aprovo, porque gostei de você. Gostei da cor d
ClaireJean-Luc tentou se aproximar mais uma vez, mas eu levantei a mão, impedindo-o.— Você foi injusto, Jean-Luc — sussurrei, sentindo a dor atravessar minha voz. As portas do elevador se abriram e eu saí às pressas, entrando no quarto.— Claire... eu...— Você me envolveu nisso sem me dizer nada — berrei, interrompendo-o. — Você me jogou no meio disso tudo e esperava que eu simplesmente aceitasse sem perguntar? Qual era a porra do seu plano? Minha vida foi colocada em risco!Jean-Luc tentou falar, mas eu já havia me virado. Caminhei até minha mala e comecei a abrir o zíper, pegando minhas roupas e jogando-as de volta dentro dela.— Claire, não faz isso. Me escuta. Eu tive motivos...— Me leva para casa. — Minha voz soou firme, mas eu sabia que ele podia ouvir o peso da decepção nela. — Agora!***A viagem de volta para França foi feita em um silêncio ensurdecedor. Jean-Luc não ousou emitir um ruído. Mas seus olhos sobre mim diziam muito. Estava aflito, magoado, triste e decepcionad
ClaireParis, 2018. A noite caía suavemente sobre a Cidade das Luzes, derramando sombras longas pelas ruas estreitas e antigas. Eu sentia o frio úmido penetrando minha pele, mas meu coração ardia com uma inquietude que nenhuma estação poderia acalmar. Caminhava apressada pelo Boulevard Saint-Germain, com meus pensamentos dispersos como as folhas de outono aos meus pés. A galeria onde eu costumava buscar inspiração estava a poucos metros de distância, e eu ansiava pelo refúgio silencioso que as pinturas ofereciam. Eu precisava escapar das memórias que me assombravam, das incertezas que pendiam sobre meu futuro como uma espada invisível. As ruas de Paris, embora familiares, pareciam mais solitárias naquela noite. Entrei na galeria, e o cheiro familiar de tinta e madeira velha me acolheu imediatamente. Passei pelas obras conhecidas, cada pincelada contando uma história, mas naquela noite, uma sensação de antecipação rastejava pela minha mente. Meus olhos começaram a percorrer ao redor.
ClaireOs dias que se seguiram foram marcados por uma inquietante sensação de expectativa. Cada pensamento meu era tomado por Jean-Luc Moreau, seu sorriso enigmático e os olhos que pareciam sondar minha alma enquanto falávamos de arte. Eu tentava afastá-lo de minha mente; era ridículo pensar tanto em alguém que conheci por menos de meia hora, mas ele insistia em ocupar meus pensamentos como uma obra inesquecível. Naquela tarde de céu nublado, eu estava em um pequeno café no Marais, tentando concentrar-me em um livro que mal conseguia ler. Minhas mãos tremiam de modo quase imperceptível ao passar as páginas. Meu coração estava acelerado como se o amontoado de palavras no papel estivesse prestes a me levar a embarcar em uma aventura desconhecida. Então, ele apareceu. O sino acima da porta anunciou a chegada de alguém junto a um leve arrepio nos meus braços. Imediatamente olhei para a entrada a tempo de ver Jean-Luc atravessar pela porta com uma elegância natural. Seus passos determina
ClaireSuas palavras foram o suficiente para selar nosso destino naquele fim de tarde até o cair da noite. O café se esvaziou ao nosso redor, mas nós permanecemos ali, presos em um jogo de olhares e palavras que pareciam desafiar as leis do tempo e do espaço enquanto falávamos sobre arte e um pouquinho de nada sobre mim e meus estudos. Por um segundo, senti que estava falando muito e rápido demais. Estava começando a parecer exagerada. Então, eu me calei, suspirei fundo e tomei um gole do meu café que já estava gelado. Prova de que eu havia falado demais! — Claire, posso lhe fazer uma pergunta? — perguntou Jean-Luc após um momento de silêncio carregado. — Claro — respondi, sentindo meu coração bater mais rápido. Ele estudou meu rosto por um instante, como se estivesse buscando algo nas linhas sutis de minha expressão. — Por que Paris? Por que deixar sua família e vir para cá estudar arte? A pergunta de Jean-Luc era direta e simples, mas carregava um peso que eu não esperava. Eu r
ClaireO vento fresco da noite balançava as folhas das árvores ao redor enquanto eu observava Jean-Luc desaparecer na escuridão pela calçada. Suas palavras ressoavam em minha mente, misturando-se com as sensações turbulentas que ele despertara em mim. — Tenho certeza disso... — repeti sua última frase. E ele de fato tinha. Era visível. Repeti outra vez suas palavras silenciosamente, deixando-as ecoar pela mente. Caminhei devagar pelas ruas familiares do Marais, perdida em meus pensamentos. Paris parecia diferente naquela noite, mais viva e cheia de promessas desconhecidas. Ou de um desconhecido. Cada esquina, cada prédio histórico parecia sussurrar segredos que eu mal começava a compreender. Cheguei em casa com o coração ainda acelerado, incapaz de ignorar a inexplicável conexão que havia surgido entre mim e Jean-Luc. Era idiota e assustador ao mesmo tempo. Fechei a porta do apartamento com um suspiro, sentindo-me empolgada com o que estava por vir, com o que sentia. Sentando-me na