Capítulo 2

Selene

Enfim, estava de volta.

Uma música tocava no som do carro e a estrada só não estava mais escura devido a lua cheia alta no céu. Eu gostava de noites assim, iluminadas, sempre achei fascinante, às vezes passo horas a olhando, é como se me prendesse, me hipnotizava.

Hoje, com vinte e sete anos nas costas, voltava pra casa com certo orgulho pelas minhas conquistas, mesmo assim, ainda sentia que algo me faltava. Sempre acreditei que o futuro guardava algo grandioso para mim, mas com o tempo, fui apegando-me cada vez mais a realidade maçante que a sociedade impõe: 

Estudar igual uma louca para fazer uma faculdade, depois, aceitar a rotina árdua do dia a dia por um salário, e claro, não menos importante, casar e ter filhos.

O que mais poderia querer? O que mais... 

Era uma pergunta recorrente que eu ainda não tinha respostas.

A faculdade foi algo que lutei muito para ter, apesar da minha família sempre apoiar-me, queria conquistar as coisas por mérito próprio. Um orgulho besta talvez, mas que na minha concepção era importante.

Para começar, sempre morei no campo, ir para a escola foi um desafio diário, precisava acordar cedo e enfrentar algumas horas para chegar à cidade mais próxima. Minha família não era rica, porém tinha boas condições e sempre fui grata por isso. 

Não fui privada de alimento e nem de conforto, cresci em contato com a natureza e por muitas vezes, embrenhava-me dentro da mata ficando lá por horas até alguém dar por minha falta e ir buscar-me. Era engraçado, dentro da floresta parecia que estava em casa, ou talvez seja pelo fato de ter me criado cercado pela natureza. Eu não sei.

Quando terminei o colegial saí de casa para fazer faculdade, queria ajudar as pessoas através da natureza e já tinha um bom conhecimento em medicina natural, mas não era suficiente. Com um diploma em mãos conseguiria atingir mais pessoas, então me mudei para a capital sozinha para estudar e hoje, estava voltando para casa como médica fitoterápica. Podia ter ficado lá, afinal, tinha mais oportunidades do que no interior, mas precisava voltar, algo me chamava.

Era uma estranha sensação, como se fosse acontecer alguma coisa, algo que mudaria minha vida. Até mesmo adiantei meu retorno por estar ansiosa, eu não consegui controlar a angústia, eu precisava vir agora. Sempre tive esses pressentimentos, desde criança, na verdade. 

Com o tempo, aceitei que isso fazia parte de mim, eu tinha sonhos estranhos, como se lembrasse de outras vidas, ou algum lugar que ainda fosse conhecer, talvez. Meus sonhos eram misteriosos, assim como meu passado.

Fui deixada ainda bebê na porta daquela família, apenas enrolada em uma manta e com um colar relicário com uma pedra de jade, o verde é bem similar a cor dos meus olhos. O nome Selene estava gravado atrás como se esse fosse o desejo da minha família biológica. É meu amuleto da sorte e sempre o levava comigo, aquela também era a única herança das minhas raízes. 

Não os julgava mais, às vezes tinha vontade de entender o porquê fui abandonada. Eu quero acreditar que não havia outro jeito, que eles sofreram ao fazer isso, assim era melhor para acalentar meu coração. Assim eu me convenci ao longo do tempo. 

Meus pais de criação procuraram por um tempo, mas não tiveram sucesso. Meus pais biológicos são como fantasmas e talvez nunca os encontre, eu espero que eles lembrem de mim às vezes. Não tenho ódio no coração, eu só queria saber sobre eles.

Infelizmente, meus pais de criação morreram quando eu tinha sete anos em um acidente na estrada e dias antes, eu sonhei com o incidente. Me lembro como se tivesse sonhado ontem, ficou gravado na memória. Eu os vi dentro do carro capotado, vi quando minha mãe fechou os olhos e deu seu último suspiro. Naquele dia, acordei aterrorizada, chorando, porém, por mais que eu dissesse e implorasse para eles não irem naquela viagem, foi inútil. Então esperei impotente pelo pior. 

 Meu irmão mais velho, Erik, só tinha doze anos, ele me olhou estranho e me evitou por muito tempo, mas por fim, nossa avó nos uniu novamente. Ela nos deu todo o amor que poderia, mesmo em luto de perder a filha e o genro. Eles são o meu maior tesouro.

Olhei aquele aparelho quando o som parou, eu tinha que comprar um mais moderno para trocar aquela velharia, era tão antigo quanto o meu carro, pois só pegava CD e algumas faixas de rádio. 

Apertei os botões tentando fazê-lo pegar novamente, mas precisei olhar com mais atenção, no entanto, assim que voltei a olhar para frente, vi um homem de pé no meio da pista.

Levei o pé ao freio de forma automática e girei o volante para conseguir desviar. O carro rodou e derrapou na estrada, depois, parou no pequeno acostamento. 

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