Capítulo 5

Selene

— Não. Eu estou nervosa desde que aconteceu o acidente. Ele acordou e pareceu bem, mas não falou nada ainda. — Desviei o olhar ao responder. Eu sempre fui uma péssima mentirosa e em muitas vezes, preferia deixar tudo as claras, mas não tinha essa vontade agora.

— Hum, ele deve estar atordoado ainda.

— Eu também acho, é normal sentir-se assim depois de algum trauma. — Tentei falar naturalmente e abri um armário em busca de uma bandeja. — Eu vou levar alguma coisa pra ele comer, também preciso de algumas roupas.

— Eu já separei algumas roupas, mas não sei se vai dar. Erik é menor que ele e até agora não acredito que conseguiu socorrer ele sozinha. Já viu a diferença de alturas entre ele e você?

— Ele é um pouco alto mesmo.

— Ele é bem grande em vários sentidos. — Loren sorriu ao levantar, ela colocou o prato cheio de legumes descascados na pia e parou ao meu lado de braços cruzados. — Não acha essa história muito estranha, Selene? O que esse homem fazia ali naquele lugar? Ainda mais daquele jeito. Erik está muito desconfiado e até concordo com ele.

Olhei para Loren e mordi o lábio. Eles tinham toda razão.

Loren era casada com meu irmão há dois anos e das poucas vezes que estive em casa durante as férias, criamos uma boa amizade. Ela é três anos mais velha que eu, mas os traços delicados tanto do rosto quanto do corpo a deixam com uma aparência mais jovem. Seus cabelos longos e loiros de grandes cachos estavam sempre arrumados como uma camponesa de filmes clichês, seus olhos azuis eram observadores até demais.

— Você teve algum pressentimento quanto a ele? — Sua pergunta me desarmou na hora.

— Nada passa despercebido de você?

— Não. Sorte a minha e azar de vocês, principalmente do Erik. — Seu tom arrogante foi brincalhão.

— Certo, você me pegou.

— Então, o que é?

— Não sei ainda. Mas o que eu senti quando o encontrei está mais forte agora. Eu sinto que já o conheço, acho que devo cuidar dele. É complicado explicar.

— Talvez você já o tenha visto. Será que não o viu no passado por aqui na região?

— Não. Eu não o esqueceria.

— É, confesso que é difícil esquecer um homem daquele.

— Foi o que pensei — confessei com certo constrangimento.

— Erik não vai gostar de saber.

— O que eu não vou gostar de saber?

Assustei-me quando Erik entrou na cozinha. Ele estava arrumado, vestido com a camisa cor de rosa da nossa empresa, certamente, estava de saída para fazer a entrega ou resolver alguma pendência na cidade. Normalmente, ele só passa gel de cabelo para essas ocasiões. Erik diz que uma boa aparência é tudo. Bem, ele é realmente bonito. Tem um porte físico magro, cabelos e olhos castanhos, pele clara como a dos nossos pais, porém, o mais marcante e irritante nele, é que ele quer controlar tudo ao seu redor.

— O homem acordou. — Loren tomou a frente. — E Selene acha que devemos esperar mais alguns dias para que se recupere melhor.

— De jeito nenhum! — Erik olhou-me carrancudo. — Eu o aceitei porque você disse que iria providenciar para que ele fosse levado ao hospital ou seja lá que lugar fosse. Eu não quero um homem desconhecido dentro da minha casa por mais tempo. Se ele já acordou, dê um jeito de tirá-lo daqui.

— Eu também moro aqui, Erik e sou responsável por ele.

— Responsável? Por favor, Selene! — Fez pouco. Sim, uma vez irritante, sempre irritante. — Uma pessoa responsável teria ligado para a emergência ou para a polícia. Essa história está muito estranha, ele pode até ser um bandido.

— Não exagera — retruquei.

— Eu só estou fazendo o que é melhor para a segurança dessa família.

— Você está sendo insensível. Ele sofreu um ataque. — respondi à altura.

— Ataque de que? De um cachorro? O que diabos ele estava fazendo naquele lugar?

— O que está acontecendo aqui? — Vó Laura entrou na cozinha pela outra porta. Ela tirou o chapéu de grandes abas e as luvas. — Que discussão toda é essa?

— Nada que precise se preocupar, vó.

— Não parece ser assim. Falem.

Suspirei, vó Laura nem precisava gritar para nos fazer calar e baixar o tom de voz.

— Ele acordou, vó, mas Erik quer colocá-lo pra fora. — disse mostrando minha indignação. Confesso que fiz um pouco de drama.

— Não foi isso que eu quis dizer. — respondeu mais contido sob o olhar rígido da nossa avó. — Eu só acho que devemos mandá-lo para o hospital agora.

— Mas eu acho que devemos cuidar dele por mais uns dias, para que se recupere mais — retruquei.

— Você sempre foi teimosa, Selene.

— E você sempre foi muito mandão.

— Chega disso! — Vovó interveio. — Ela olhou seriamente para mim e suspirou. — Deixe que fique.

— Vovó! — Erik protestou.

— Se sua irmã acha que deve, deixe-a fazer.

— Mas ele é um estranho.

— Sua irmã também era quando a deixaram na nossa porta. — Vovó disse isso muito tranquila, mas ela desarmou Erik de modo que não tivesse argumentos. — Além disso, Selene não faz as coisas à toa, se ela acha que deve assumir essa responsabilidade, é porque tem suas razões.

— Só mais alguns dias — Erik disse como se a última palavra fosse dele e quis revirar os olhos.

— Ok, Erik, ok — concordei para encerrar.

— Se ele está acordado, vou falar com ele. — Erik se virou para ir.

— Não. — O impedi impulsivamente.

— O que foi agora?

— Deixe que ele pelo menos coma alguma coisa antes, eu vim justamente para pegar.

— Tudo bem, vou esperar.

Erik sentou à mesa e me encarou, era realmente muito irritante, parecia até uma criança.

— Bem, eu vou lá buscar as roupas. — Loren disse após um suspiro.

Minha avó olhou para mim mais uma vez e não precisou de palavras, ela me conhecia bem. Eu era um livro aberto, sempre deixava minhas emoções à mostra para quem quisesse ver.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo