Selene
O que foi aquilo? Levei a mão na cabeça, atordoada, demorei alguns segundos para recuperar os sentidos e felizmente, eu estava de cinto. — Por Deus… é um homem! — Senti o desespero. — Eu... eu o matei? O farol iluminava o homem mais na frente que ainda estava de pé, felizmente, eu não o atropelei, mas suas pernas cederam no momento seguinte e ele caiu. Apertei o volante, ele estava ferido e… O que um homem nú faz no meio da estrada em lugar desses? Há chácaras e fazendas nas proximidades, mas são distantes da rodovia. Apesar disso, eu sentia que deveria ajudá-lo, estava aflita e minha intuição era forte o suficiente para que eu saísse do carro, mesmo que racionalmente, entendesse que talvez fosse perigoso. Nervosa, desci do carro. Firmei meus pés no chão buscando o equilíbrio, minhas pernas estavam moles. Forcei-me a andar mesmo com os joelhos trêmulos, ele não estava muito longe do carro e ao redor não tinha nada além da floresta. E quando cheguei perto, fiquei horrorizada com seu estado, havia muito sangue, marcas de mordidas, na sua perna tinha um grande rasgo, inúmeros hematomas, parecia ter sido atacado por algum animal. Mas como? Nessa região não há animais de grande porte que poderiam ter feito aquilo. Seus olhos escuros estavam em mim o tempo todo, ele estava sofrendo, pedindo ajuda. — Eu vou ajudá-lo. — Abaixei-me e toquei seu corpo, mas ele recuou. — Eu não vou te fazer mal — esclareci. Ele pareceu se acalmar, ou talvez, só estivesse muito cansado. Examinei seu corpo no que era possível fazer, não parecia ter nada quebrado e ele ainda estava consciente. — Minha casa está mais próxima do que a cidade onde tem um hospital, eu vou cuidar dos seus ferimentos e depois te levarei para a cidade. Tudo bem? — Decidi impulsivamente. Voltei para o carro apressada e girei a chave, suspirei de alívio por ter ligado sem problemas. Devagar, parei ao seu lado e desci para ajudá-lo a entrar. Ele aceitou minha ajuda e quase caímos novamente quando apoiou seu peso em mim. Comparado a mim, era enorme. Sob minhas mãos senti a firmeza do seu corpo, seus longos cabelos encharcados de sangue caíram sobre meu rosto. Eu o ajudei a sentar no banco e o inclinei para que ficasse o mais deitado possível. Por estar nú, foi realmente constrangedor me inclinar sobre ele e passar o cinto. Respirei fundo quando me sentei no banco do motorista e coloquei o carro em movimento. — Logo chegaremos, não se preocupe, vou cuidar de você — falei para confortá-lo. — Qual seu nome? Ele fechou os olhos e aceitei seu silêncio. *** Daryk A brisa fresca tocava meu rosto trazendo junto o cheiro de mato. Minha visão embaçada foi focando aos poucos. Um lençol claro cobria-me até a cintura. Ao redor, paredes claras e uma grande janela. Pelo ar fresco soube que era manhã. Tinha alguns curativos, meu tórax enfaixado assim como minha cabeça. Arin me jogou nesse mundo para me salvar e eu precisava dar um jeito de achar o caminho de volta. Os portais só eram abertos pelos bruxos, tinha que encontrar alguém que pudesse fazer isso. Retirei alguns curativos assim que sentei na cama, estava quase curado, na minha perna, as marcas das garras longas já estavam bem melhores, se pudesse usar minha magia seria mais rápido, mas com meu lobo aprisionado, não tinha muito o que ser feito, precisava ter paciência e esperar. Arin fez isso na intenção de ocultar minha magia, para que eu não fosse rastreado. Os portais estavam frágeis e isso fazia com que os bruxos tivessem acesso mais facilmente a qualquer mundo. Era uma guerra que durava séculos, apesar dos grandes esforços. Cada vez mais, as florestas estavam desaparecendo, secando, deixando tudo infértil. Levantei deixando o lençol cair, com apenas alguns passos cheguei até a janela. Sentia dores, principalmente nas costelas, mesmo assim, não era suficiente para me deixar incapaz a ponto de ficar em uma cama. Meus sentidos estavam fracos e o mundo humano era perigoso para minha espécie. Eles eram hostis com o desconhecido, mas felizmente, em sua maioria, eram alheios aos mundos paralelos. O céu em tons rosa e amarelo eram bem similares a minha casa. Tinha uma grande floresta ao redor, mas não há magia aqui nesse mundo, o que existe são pontos cegos onde os portais ficam e a magia conseguia ultrapassar, era só. Um mundo pobre. Meus fracos sentidos alertaram-me, alguém se aproximava. Os passos eram curtos e suaves, era uma fêmea. Eu fui tratado com cuidado, tinha ervas espalhadas pelo meu corpo que pelo cheiro, identifiquei algumas, talvez fosse uma bruxa, mas nesse mundo elas não tinham magia, apenas conhecimentos vagos e superstições. A fêmea entrou no quarto e parou ao me ver. Era pequena e parecia frágil, olhos na cor de jade. Eu a quebraria se quisesse.SeleneO homem estava em pé de braços cruzados em frente a janela, ele não se deu nem o trabalho de cobrir seu corpo, suas costas largas e músculos bem definidos estavam parcialmente cobertas por seus longos cabelos lisos. As pernas torneadas e aquela bunda... Mas ele olhou-me com seriedade e senti vontade de recuar.Respirei fundo e me recompus.— Você não deveria estar fora da cama — disse um pouco constrangida.Certamente, lindo. Uma beleza única e selvagem. Os cabelos negros combinavam com a pele bronzeada. Seus traços eram fortes e seus olhos negros... olhos profundos, misteriosos… Senti um arrepio quando me perdi naquele olhar, mesmo que breve.Que estranho.— Como está se sentindo? — perguntei finalmente entrando mais no quarto, mas ainda permaneci distante dele.Ele continuou me olhando, como se não entendesse. Seus lábios continuavam cerrados, mas os olhos percorriam meu corpo, sentia-me avaliada e desnuda. Ele parecia um guerreiro de histórias fictícias.— Você entende o qu
Selene— Não. Eu estou nervosa desde que aconteceu o acidente. Ele acordou e pareceu bem, mas não falou nada ainda. — Desviei o olhar ao responder. Eu sempre fui uma péssima mentirosa e em muitas vezes, preferia deixar tudo as claras, mas não tinha essa vontade agora.— Hum, ele deve estar atordoado ainda. — Eu também acho, é normal sentir-se assim depois de algum trauma. — Tentei falar naturalmente e abri um armário em busca de uma bandeja. — Eu vou levar alguma coisa pra ele comer, também preciso de algumas roupas.— Eu já separei algumas roupas, mas não sei se vai dar. Erik é menor que ele e até agora não acredito que conseguiu socorrer ele sozinha. Já viu a diferença de alturas entre ele e você? — Ele é um pouco alto mesmo.— Ele é bem grande em vários sentidos. — Loren sorriu ao levantar, ela colocou o prato cheio de legumes descascados na pia e parou ao meu lado de braços cruzados. — Não acha essa história muito estranha, Selene? O que esse homem fazia ali naquele lugar? Aind
DarykQuando aquela fêmea chegou mais perto, senti uma palpitação estranha em meu peito. Era uma bela fêmea, apesar de estar com meus sentidos fracos consegui sentir seu cheiro, era bom. Um aroma único que nunca senti antes. Era estranhamente sedutor.Achei gracioso o rubor na sua face por eu estar nu, eu não me importava, mas os humanos tinham outros costumes. Não resisti em chegar mais perto para sentir mais. Os cabelos escuros com leve ondas me faziam querer tocá-lo, mas o que mais me atraiu foram seus olhos cor de jade. Foi o verde mais bonito que já vi, limpos, vivos. Seus lábios cheios em um tom rosa pálido eram terrivelmente sedutores.Por um momento, esqueci de tudo e desejei prendê-la entre meus braços, abraçar suas curvas suaves tão bem expostas naquelas roupas levemente justas. Ela é pequena, delicada. Será que aguentaria a minha dominância?Duvidava.Mas isso não estava certo. Quando ela me tocou, eu reagi inesperadamente. Eu nunca reagi tão rápido assim por um simples to
Selene Alguns dias depois… Terminei de pentear os cabelos e fiz uma trança lateral, era um dia comum de trabalho. Depois que retornei, algumas encomendas surgiram, mas ainda estava recuperando algumas ervas que ficaram abandonadas na minha estufa. Vó Laura tentou cuidar, mas era trabalho demais para uma senhora de quase setenta anos, mesmo que ela insistisse em dizer que aguentava. Bem, ela se orgulhava em trabalhar ativamente todos os dias, nunca se queixava de nada, dizia que trabalharia até seu último dia de vida. Eu tinha orgulho dela. O cultivo de rosas raras e exóticas era o negócio da família, nós tínhamos grandes estufas espalhadas pela propriedade. E, era gratificante ver o resultado do nosso trabalho, mexer com plantas e flores me deixava realmente feliz, esse sentimento certamente era compartilhado com todos os trabalhadores daqui. Daryk parecia totalmente recuperado. Eu finalmente descobri seu nome depois de alguns dias de silêncio, mas era só, ele diz não lembrar d
DarykQuando aquela fêmea saiu por aquela porta, esqueci o que estava fazendo ali. Ela estava linda. As bochechas rosadas e o sorriso me prenderam de tal forma que perdi as poucas palavras que iria lhe dizer. Ela parou na minha frente e admirei seus lábios pintados com um rosa mais forte que a cor natural, o brilho sutil que me fez querer lamber e tirar.— Bom dia. Podemos ir? Sua voz gentil me trouxe calma e acenei antes de responder:— Bom dia.Ela sorriu mais e me prendi em seus olhos que estavam mais bonitos na claridade da manhã. A segui para o carro e forcei-me a desviar o olhar das suas curvas. Eu queria elogiá-la, mas talvez fosse grosseiro e não queria ofendê-la. Essa fêmea parecia sensível e eu não poderia compará-la às do meu mundo onde falávamos mais abertamente e sem pudores. Eu passei a hesitar na presença de Selene.Ela entrou no carro e acompanhei, não gostava desse tipo de transporte, mas tinha confiança nela. — A cidade é pequena, mas é bem abastecida — ela disse
Daryk— Vamos tomar uma bebida? — Selene perguntou ao segurar o chapéu para impedir que o vento levasse. Os fios soltos daquela trança voaram e senti um forte impulso de ter eles entre meus dedos. — Tem uma lanchonete aqui perto e as coisas lá são ótimas.Acenei confirmando e a segui. Apertei as alças das sacolas um pouco inquieto. Aquela situação estava me distraindo, eu não deveria estar ali pensando e agindo como se não tivesse responsabilidades. Há pouco tempo perdi minha família e guerreiros queridos, meu mundo estava morrendo e eu estava aqui satisfazendo uma fêmea que nem era minha. Eu não devia me acomodar e nem gostar da companhia dela, não havia tempo para distrações. Selene abriu a porta do lugar e nos levou para uma mesa mais afastada. Não tem lugares assim no meu mundo, nós vivemos de forma mais primitiva e próximos à natureza. Coloquei as sacolas no chão e me sentei no assento acolchoado na sua frente. — Eu gosto muito da torta de chocolate daqui e as bebidas são muito
DarykNós retornamos para sua casa e me despedi dela na porta. Quando entrei nesse lugar cedido a mim, deixei as compras em cima da mesa e sentei-me. Estava impressionado com suas percepções a meu respeito, não eram invenções de sua cabeça, ela não tinha razões para dizer aquilo se não tivesse um fundo de verdade.Fechei os olhos e me concentrei em meu interior como em tantas vezes, se eu ao menos conseguisse quebrar aquele feitiço. Mas eu não tinha o dom do meu irmão, então, não adiantava repetir suas palavras corretamente, eu não seria capaz de realizar um feitiço. Além do mais, mesmo que Selene fosse uma bruxa, não queria dizer que soubesse sobre isso, mas talvez me ajudasse a encontrar um portal. Ainda assim, as chances de acreditar em mim eram mínimas. Talvez ela só tivesse uma sensibilidade maior que os humanos comuns. — Por que me jogou nesse lugar, Arin? — murmurei com tristeza.Ainda estava na metade da tarde e os trabalhadores estavam encerrando o expediente, mas não queri
SeleneEncarei a porta fechada da estufa e respirei profundamente. Não acredito que ele saiu desse jeito. O que eu estava pensando? Acabei me deixando levar, eu devia ter me contido.Daryk me atrai, eu não nego, porém, não quer dizer que ele sinta o mesmo e queira alguma coisa. Contudo, é um pouco frustrante. Talvez eu só esteja confundindo as coisas, mas ele me olha tão intensamente e desde o início foi assim. Nunca me esqueço do primeiro dia que acordou, ele foi rude, intenso e depois, ele levantou uma barreira entre nós.O fato é que eu estou sempre muito atenta a ele, sempre perto o observando. Essa forte sensação que não entendo. Eu já estive em relacionamentos, mesmo que nunca tenha sentido amor pelos poucos namorados que tive, ainda assim, eu sei diferenciar certos sentimentos, mas quando se refere a Daryk, parece que é muito mais profundo que uma simples atração.Eu deveria apenas esquecer, mas não consigo ignorar.Voltei a espalhar a terra e suspirei ainda frustrada, depois