Copyright © 2021 Rachel Raya
Registro: Fundação Biblioteca Nacional
Capa: Tomaz Lopes
Revisão e diagramação: Ana Zarpelon
Rachel Raya. ― 2ªed ― Publicação independente
2021.
1. Literatura brasileira 2. Romance de época
A autora desta obra detém todos os direitos autorais registrados perante a lei. Em caso de cópia, plágio e/ou reprodução completa e/ou parcial indevida sem a autorização, os direitos do mesmo serão reavidos perante à justiça.
"Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.”
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
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Para meus pais que me amam incondicionalmente, suportam meus estresses e patrocinam meu novo vício em chá de camomila.Para a Ana Zarpelon, que me inspirou de diversas formas e aturou minhas milhões de mensagens no WhatAspp.
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Ravena, Itália. 1825
Para um casal aristocrata britânico acostumado a mudar-se para outros países conforme a Coroa determinasse, morar em um país como a Itália era um adorável presente que chegara em ótima hora para a família. Nem mesmo a animada Paris conseguia devolver uma alegria genuína ao casal. O que era uma grande surpresa, já que a cidade era famosa por suas infinitas formas de alegrar uma pobre alma.
Muitas mulheres, inclusive várias do círculo social da Senhora Osborne, não suportariam a vida de esposa de um diplomata, diferente de Marissa, que amava viajar com o marido e sentia-se esplêndida por ele partilhar com ela o que ocorria em seus trabalhos de campo, como ele costumava chamar. Costumava achar admirável a dedicação do marido ao trabalho, e a adrenalina de envolver-se em aventuras pelo continente ao lado de seu grande amor. Mas esses foram outros tempos, ela ainda amava tudo o que o marido conquistou, porém sentia que seu coração precisava de descanso. Agora ela era mãe e desejava segurança e calmaria para poder criar sua família e cuidar de seu marido. Sentia falta de pertencer a apenas um lugar e criar raízes. Jamais diria isso à James, é claro, pois sabia que o marido desistiria do trabalho e embarcaria com ela e Berlin para Londres na manhã seguinte, o que não seria justo com ele.
James dedicara a vida a sua carreira e tudo o que eles possuíam eram graças aos seus esforços, já que Marissa não possuía um dote e o pai de James recusava-se a favorecer o segundo filho. Sabia a vida que ele levava antes de aceitar o pedido de casamento. James tentara fazê-la entender de todas as formas o que aconteceria a ela se a desposasse, e Marissa aceitou de bom grado aquela vida, mas agora sentia falta da Inglaterra, talvez os últimos acontecimentos a fizessem sentir-se dessa forma, ou talvez fosse seu desejo de proteger com unhas e dentes essa nova vida que carregava dentro de si.
Marissa e James Osborne amavam a irreverência e a amabilidade do povo italiano, e a forma como ela e seu marido foram acolhidos pelos habitantes da cidade trouxera certo alívio aos seus corações, ainda enlutados mesmo após dois anos. Depois de passar três longos anos em Paris, finalmente poder mudar-se para um lugar novo trazia aos Osborne a esperança de um novo começo. Fazia apenas alguns meses desde sua chegada à cidade e o casal aguardava a chegada do terceiro bebê. O que trazia aos dois alegria, e também medo de que a história pudesse repetir-se.
A noite estava fresca, a brisa suave e as estrelas iluminavam o céu italiano da cidade de Ravena como gotas de prata numa imensidão escura. Os Osborne voltavam para casa em sua carruagem após um animado jantar na residência da família Coppola, um comerciante amigo de James, quando Marissa começou a sentir fortes dores e em seguida um líquido desceu por suas pernas molhando suas roupas.
— Oh não, James! A criança só deveria chegar no próximo mês! — Desesperada ela sentiu suas pernas perderem as forças e suas mãos começaram a tremer, estava prestes a reviver seu pior pesadelo.
James a abraçou e ordenou ao cocheiro que fosse o mais depressa que pudesse.
— Tenha calma, minha querida. Logo chegaremos em casa e chamarei um médico para nos ajudar. Tudo ficará bem. Eu prometo.
Marissa escondeu o rosto no peito do marido em busca de algum conforto para a dor que já despontava entre suas pernas.
— Eu estou com medo, James... e se... — Sem terminar a frase ela sentiu a garganta queimar e o peito arder.
— Essa criança nascerá e viverá uma vida saudável e feliz. Não se preocupe. Eu estarei ao seu lado o tempo todo — ele disse, em tom reconfortante.
Ao chegarem à entrada da residência, o marido a pegou em seus braços e a levou para o segundo andar. Vendo a esposa entrar em pânico em seus braços, James tentou acalmá-la e a si mesmo:
— Meu amor, não tenha medo. Desta vez será diferente, eu prometo — beijando a testa dela enquanto a carregava, ele continuou tentando acalmá-la. — Um médico eficiente virá e tudo ocorrerá como planejamos, nosso filho ou filha chegará ao mundo com saúde. — Ele a colocou gentilmente sobre o colchão e ajeitou os travesseiros para que ela possa deitar.
Pouco depois o médico já se encontrava nos aposentos do casal ajudando Marissa a trazer uma criança ao mundo. James segurava a mão da esposa enquanto ela fazia força e empurrava a criança para fora de seu corpo. Não era comum que o marido assistisse ao parto, porém, todos sabiam que o Senhor Osborne jamais deixaria a esposa só em um momento como aquele.
O suor molhava sua testa e o médico tentava incentivá-la a não perder as esperanças de uma criança saudável. Marissa chorava preocupada pela criança que, segundo as instruções do médico francês que a examinara meses antes, só deveria nascer quatro semanas mais tarde.
O trauma de perder a segunda filha, Paris, que nascera prematura, deixara a família desolada. Para desespero do casal, na noite anterior completara dois anos desde de que Paris deixara este mundo. James e a esposa preocupavam-se que a tragédia tornasse a acontecer, levando ao túmulo mais uma semente do amor dos dois.
O filho mais velho dos Osborne esperava do outro lado da porta ansioso por notícias de sua mãe e seu irmão ou irmã. Quem sabe dois bebês de uma só vez? Paris poderia voltar para eles e trazer mais um irmão junto. Ele pensou, de forma inocente. Berlin torcia por uma menina, assim a mãe poderia ficar feliz e parar de chorar por Paris. Sua irmãzinha que — muito decidida para alguém que havia acabado de nascer — resolveu virar um anjo e sair de casa para morar no céu.
A criada responsável por cuidar do menino finalmente o achou e, convencendo o rapazinho que seria melhor aguardar em seu quarto escolhendo qual livro leria para o bebê, conseguiu arrancar a criança da porta do quarto dos pais.
—Aguente firme, querida. Você está quase lá
— James a encorajou, tentando transmitir segurança para a esposa. — Ficará tudo bem, confie em mim. Eu já a desapontei antes?Marissa conseguiu esboçar um sorriso e responder ao marido as mesmas palavras de sempre:
— Apenas uma vez... quando dançou com Lady Lastings antes de mim. — As dores das contrações recomeçaram e ela voltou a empurrar a criança para fora de seu ventre.
Após mais algumas contrações e gritos de dor, Marissa Russell Osborne deu à luz a sua terceira filha. A menina de cabelos escuros como carvão berrava a plenos pulmões exigindo ser alimentada e idolatrada pelos pais. “Uma pessoa tão pequena e já demonstra sinais de uma grande personalidade”, Marissa pensou ao olhar a filha. James sorria abraçado à esposa, aquela era sua princesa. Já conseguia imaginar-se batendo em centenas de cafajestes que correriam atrás dela, pois sabia que sua filha seria dona de uma beleza e personalidade sem igual.
— Graças aos céus! Ela é uma menina saudável e forte, mio Signore. Creio que o dottore que examinou sua esposa tenha falhado em determinar o período da gestação. Sua figlia não é uma criança prematura, eu diria que ela nasceu no tempo certo de uma gestação normal. — O médico disse, feliz por ter concluído o parto sem nenhum tipo de complicação. — Já decidiram como vão chamá-la?
James olhou para a esposa que acenou a cabeça em concordância, antes mesmo dele sequer proferir qualquer palavra. Ele sorriu para ela em uma espécie de linguagem que apenas os dois compreendiam. Ambos estavam de acordo em manter a tradição que criaram de nomear seus filhos com os nomes das cidades onde nasciam. Como James precisava mudar-se para outros países à trabalho, sua esposa teve a ideia de batizar os futuros filhos em homenagem aos lugares que serviram como seu primeiro berço. James, incapaz de negar qualquer pedido a ela, adorou a ideia abraçando-a como sua. Voltando-se para o homem baixo e calvo parado próximo a porta, ele respondeu:
— Ela se chamará Ravenna Emerald Russell Aldwin Osborne.
Dezesseis anos depoisInglaterra, 1841Ser filha de um duque trazia inúmeros benefícios e, talvez, algumas liberdades que outras damas inglesas jamais poderiam aproveitar, sem que fossem rechaçadas pelas matronas que regiam quem deveria ser aceito, ou tornar-se pária da sociedade. Junto dos benefícios vinham grandes responsabilidades, já que a imagem da família era um espelho para toda a nobreza. Algumas damas conseguiam tornar-se em duquesas, o que daria uma certa autonomia para as felizardas, mas não uma real liberdade, pois mesmo estando abaixo apenas da realeza, nem todos os duques possuíam grande influência na sociedade. Alguns estavam afundados em dívidas devido à má administração de suas heranças, ou pela falta de adaptação às mudanças adv
Completar dezesseis anos não era tão terrível quanto Ravenna esperava, sua vida continuava a mesma, talvez pudesse dizer que sua fluência em italiano melhorou consideravelmente, a ponto de pegar-se misturando idiomas em momentos de grande excitação ou nervosismo. Desde que viera morar na Inglaterra, dedicara-se a aprender a língua do país onde nascera e vivera na infância. Via essa busca como uma forma de se manter conectada ao lugar que a recebeu em sua primeira noite fora do ventre de sua mãe. Seu pai adorava sua mistura de palavras e seus trejeitos na fala, já sua mãe a achava excêntrica e sempre a lembrava que precisava adequar-se mais ao padrão inglês.Para muitas jovens, chegar aos 16 anos poderia significar que estavam próximas de serem leiloadas como éguas premiadas à futuros maridos, todavia, para ela, era como completar quinze anos,
O dia ainda não havia amanhecido quando Ravenna acordou e notou o espaço vazio deixado por Cameron ao seu lado. A noite anterior fora um grande sonho, Ravenna a descreveria como fenomenal. Sentira dor no início, mas após alguns instantes sentia-se no paraíso e Cameron proporcionara a ela uma primeira noite repleta de paixão e prazer. Sentando no colchão, ela se perguntou onde estaria seu futuro noivo. Como se tivesse sido invocado pelos pensamentos de Ravenna, Cameron abriu a porta e entrou no quarto completamente vestido com um traje de viagem. Achando estranho que o homem estivesse pronto para partir do castelo quando, na verdade, deveria estar deitado nu ao seu lado, ela usou o lençol para cobrir-se e colocou um uma mecha de cabelo atrás da orelha. Sentindo um frio percorrer seu estômago e sua espinha, ela disse:— Por que está usando um traje de viagem? Aconteceu alguma c
Londres era uma das cidades mais famosas de todo o mundo, o ponto principal de todo o Reino Unido e, por consequência disto, o covil da aristocracia britânica. Durante a alta temporada a cidade fervilhava de pessoas da nobreza. Eram ofertados centenas de bailes, jantares e saraus a fim de reunir a famosa nata da sociedade para conversar sobre o clima e assuntos dentro das regras de etiqueta — pelo menos era isso que gostariam que acreditassem. Na realidade, tais eventos eram uma excelente oportunidade para saber grandes fofocas, pequenos boatos e mexericos simples que circulavam por entre a nobreza. Era assim que descobriam e decidiam suas vítimas, quais damas e cavalheiros deveriam ser evitados e até mesmo desprezados e relegados ao ostracismo. As damas desfilavam as obras da última moda de boutiques renomadas, enquanto os cavalheiros gastavam milhares de libras apostando em corrida de cavalos, clubes de jogatina e bordéis. Oh sim, havi
Na semana seguinte ao baile, Ravenna caminhava pelo Hyde Park na companhia de Meredith e as duas conversavam sobre a saudade que sentiam de Eva e tio Dom. A amiga não costumava ir a Londres com frequência assim como o pai, e Ravenna lamentava os meses que passava longe da companhia deles. Por algum motivo anormal, este ano sentia-se ainda mais solitária. Parecia até que sua mãe havia jogado uma praga sobre ela.—Esta temporada está tão tediosa que eu preferia ouvir Berlin recitar poesia do que comparecer aos eventos — Ela disse frustrada. — Era para ser uma temporada mais animada agora que Georgie juntou-se a mim, mas ao contrário disso, não a vejo há semanas.— O Lorde misterioso não apareceu outra vez? — Meredith perguntou.— Não. Não sei o que ele pretendia, mas não per
Na Temporada SeguinteDepois de muitos meses pensando e elaborando uma proposta decente de compromisso, Ravenna estava pronta para debater com Anthony sobre um possível noivado. Decidira mudar as regras do jogo a seu favor, para que pudesse garantir a si mesma caso seu futuro marido não fosse quem dizia. Esquematizando os tópicos do novo acordo, ela esperava tirar Anthony do eixo e assim fazê-lo desistir do enlace, mostrando que o homem era como todos os outros. Caso ele ainda a quisesse, saberia que falava sério sobre suas preferências.Optara por montar um contrato a parte do comum, feito pelo pai da noiva e o noivo, e especificar todas as suas vontades. Como por exemplo, Anthony não poderia dormir com mulheres fora da nobreza, não se incomodaria que ele tivesse amantes dentro da nobreza, contanto que fosse seguro e discreto. Seu
Era uma linda manhã de primavera quando Beline entrou no quarto de Ravenna gritando animada para que a jovem acordasse. Jogando-se na cama e puxando as cobertas de Ravenna, ela chamou insistentemente por seu nome, a mulher acordou de mau humor prometendo esganá-la caso não saísse de cima de suas pernas.Agora desperta, Ravenna perguntou a Beline o que dera na cabeça dela para entrar no quarto como se fosse um furacão acordando até mesmo os espíritos de seus antepassados. A jovem ruiva riu por debaixo da confusão encaracolada de seus cabelos, e em um entusiasmo contagiante lhe contou sobre o canal que vira da janela do quarto escolhido para ela.— Oh, sim. Sabia que apreciaria a vista. Aquele é meu quarto, deixei para você já que possui uma das melhores vistas em todo o castelo. Meu bisavô mandou fazer o canal dentro dos limites da propriedade
A noite era fria, a mais fria desde que o outono começara a colorir as folhas das árvores em tons de vermelho. A chuva caía com a força de um dilúvio e os trovões lançavam clarões capazes de anunciar o próprio fim dos tempos. Não havia estrelas ou lua para iluminar a escuridão que pairava em Alnwick, se não fosse pelas poucas velas espalhadas pelo quarto e os raios cortando o céu, seria impossível enxergar qualquer objeto que fosse. As duas mulheres dormiam juntas na mesma cama quando tudo começou. Beline acordara sentindo dores e percebeu que sua camisola estava molhada, no entanto, não conseguiu identificar de onde vinha o líquido. As dores pareciam aumentar de tempo em tempo, a cada minuto de dor a sensação de que estava prestes a ter seu corpo rasgado de dentro para fora a fazia querer urrar. Tentando respirar fundo e acalmar-se para não ass