Na semana seguinte ao baile, Ravenna caminhava pelo Hyde Park na companhia de Meredith e as duas conversavam sobre a saudade que sentiam de Eva e tio Dom. A amiga não costumava ir a Londres com frequência assim como o pai, e Ravenna lamentava os meses que passava longe da companhia deles. Por algum motivo anormal, este ano sentia-se ainda mais solitária. Parecia até que sua mãe havia jogado uma praga sobre ela.
—Esta temporada está tão tediosa que eu preferia ouvir Berlin recitar poesia do que comparecer aos eventos — Ela disse frustrada. — Era para ser uma temporada mais animada agora que Georgie juntou-se a mim, mas ao contrário disso, não a vejo há semanas.
— O Lorde misterioso não apareceu outra vez? — Meredith perguntou.
— Não. Não sei o que ele pretendia, mas não perderei meu tempo pensando em um cavalheiro que não tem coragem de apresentar-se a mim. Não há diversão em atormentar um homem desse tipo.
Enquanto continuava seu discurso sobre cavalheiros insignificantes, ela avistou um homem alto de cabelo castanho-escuro e olhos verdes vindo em sua direção, acompanhado por um cavalheiro loiro elegantemente vestido. Seu irmão e o tal Lorde Manner, notou. “O que Berlin fazia no Hyde acompanhado do Conde de Rutland?” Ela pensou, franzindo o cenho. Berlin a tirou de seus pensamentos para apresentá-la ao cavalheiro.
—Boa tarde, Rave. Imaginei que a encontraria passeando por aqui com Meredith para resmungar sobre a existência humana — Apontando para o homem ao seu lado ele continuou — Gostaria de apresentá-la a Anthony Edmund Peacots Manner, Conde de Rutland. — O homem tirou o chapéu e fez uma elegante reverência a Ravenna.
— Milady. É uma honra finalmente conhecê-la.
— Milorde — Ela devolveu o cumprimento com elegância sem esconder a desconfiança em seu semblante. — Não compreendo o motivo que levou o senhor a querer me conhecer. Há algum boato sobre minha pessoa que eu ainda não tenha tomado conhecimento? — Ela respondeu em tom sarcástico.
— De modo algum. Tive o enorme prazer de vislumbrá-la durante o baile há alguns dias e fiquei encantado pela sua graciosidade e desenvoltura.
Percebendo que o assunto começava a surgir entre sua irmã e Anthony, Berlin resolveu caminhar próximo a Meredith, deixando que lorde Manner guiasse Ravenna pelo parque. Ele inicialmente não quisera promover o encontro, mas o homem havia sido tão persuasivo que acabara convencendo-o e, quando dera por si, já estava a caminho do parque em sua companhia.
— Milorde, se me permite a ousadia, poderia me dizer se este é o cavalheiro que admirou a Srta. Ravenna durante todo o baile? — A criada deixou escapar um tom de preocupação. — Pensei que ela tivesse exagerado sobre a aparência dele.
— Hum... então já está ciente dos fatos? Era de se esperar, Rave não esconde nada de você — Ele riu achando divertida a preocupação da criada. — Não se preocupe com ela, tenho certeza que minha irmã o devorará com suas artimanhas até o final da semana. Manner possui um ego do tamanho de um balão e Ravenna é como uma lança gigante e afiada, pronta para matar bestas aladas. Será um divertimento e tanto. Você deveria aproveitar.
Mais à frente Ravenna andava ao lado de Manner e esperava que o homem começasse a falar sobre sua beleza, seus dotes e toda aquela ladainha da qual já estava farta, no entanto, para sua surpresa, o assunto escolhido foi um tanto diferente.
— Não sabia que milady dava aulas de cortejo durante os bailes da temporada — Anthony continuou a olhar para frente. — Não pude deixar de notar que ensinava Lastings a interpretar os sinais de uma dama.
Surpresa pela perspicácia do cavalheiro, ela o encarou por um instante e voltou a fitar o caminho à sua frente.
— Não imaginava que milorde estava atento aos meus movimentos. Lastings é um amigo de infância, a quem admiro muito. Estava apenas lhe prestando alguma ajuda para cortejar uma dama— intrigada pela postura de Anthony, a dama continuou a falar — Como sabia que eu prestava ajuda ao cavalheiro ao invés de cortejá-lo?
Anthony soltou uma risada baixa e limpou a garganta antes de responder:
— Lady Osborne, se me permite a franqueza — Ela balançou a cabeça suavemente em concordância. — Christopher Lastings não é o partido ideal para você. E acredito que saiba disso. Milady possui a astúcia de uma raposa e seus olhos contém a selvageria de uma leoa. Enquanto mantemos este diálogo, sinto que poderia me trucidar em segundos se eu não mantiver meus olhos bem abertos. Além disso, pude notar que o rapaz não parava de olhar para você e para a outra dama em questão. — Ravenna não pôde deixar de rir ao ser comparada a dois animais selvagens em um único discurso.
— Não sei por qual tipo de mulher me toma, Lorde Manner, porém, não consigo enxergar tamanho perigo em minha pessoa. Acalme-se. Eu não mordo — Ela lhe ofereceu um olhar sarcástico como flerte.
— Não seja precipitada, milady. Jamais disse que era contra mordidas — Ele sorriu e então devolveu o olhar coquete.
Ravenna olhou para trás para procurar seu irmão, Berlin gesticulou com os lábios a pequena frase “vinte libras” e ela revirou os olhos voltando sua atenção a seu acompanhante.
— Devo confessar que milorde é um bom adversário na arte do flerte, mas gostaria de saber o que, de fato, o fez vir até mim dias após nossa breve troca de olhares. Não me entenda mal, só quero saber em qual lista devo acrescentar seu nome.
— Curta e direta, era o que eu imaginava de sua personalidade. Não sabia que um flerte exigia dois adversários, achei que seriam dois interessados no mesmo assunto. Bem, eu não diria que tivemos uma breve troca de olhares. — Tirando o pigarro da garganta em sinal de hesitação ele continuou — Se me permite a franqueza novamente, o que compartilhamos naquela noite estava mais para... — Ravenna o interrompeu sem paciência para juras de amor à primeira vista.
— Perdoe-me milorde, mas se vai me dizer que apaixonou-se à primeira vista, peço que poupe meu tempo e meus ouvidos, já ouvi este discurso mais vezes do que os sermões de domingo. — Anthony riu da resposta ousada de Ravenna e olhando para ela com um semblante divertido, concluiu sua frase:
— Eu ia dizer que estava mais para dois adversários prontos para sacar suas pistolas e contar vinte passos.
Percebendo que o homem não se encaixava em duas das categorias que atribuíra aos seus pretendentes, Ravenna resolveu arriscar:
— Ah, sim, é claro. Perdoe-me. Estou tão acostumada a declarações exageradas, que logo desconfio de qualquer frase que possa terminar com uma declaração de amor eterno e um pedido de casamento — Ela soltou uma risada abafada. — Se não está aqui para isso, então por que fez questão de ser apresentado? — Ela insistiu em saber para então arquitetar um plano e se livrar do homem.
— Não disse que não pretendia pedi-la em casamento. Eu disse que não pretendia me declarar.
— Milorde, agradeço por sua consideração, porém, serei bem direta. Não tenho intensões matrimoniais com o senhor nem com qualquer outro cavalheiro. Não que você seja de se jogar fora, mas apesar de seu estonteante senso de humor e inteligência, prefiro não passar pelo constrangimento de ter que recusar sua oferta.
— Esse deveria ser o momento no qual eu me ofenderia por sua audácia, julgaria sua inteligência como mulher, e então tentaria convencê-la a reconsiderar sua resposta a um pedido que ainda nem saiu de meus lábios? — O homem disse zombando. Depois de rir por alguns segundos, continuou com sua falsa indagação. — Ou talvez eu devesse difamá-la por entre meus círculos sociais condenando-a à vergonha? — Fingindo estar em dúvida, segurou o próprio queixo como se tentasse escolher qual seria a melhor opção.
— Acredito que tentar reconquistá-la seria uma forma mais pacífica para ambos, quem sabe? Não seja apressada em julgar minhas ações, milady. Pode acabar errando na escolha das palavras. Não sou um homem apaixonado tentando conquistá-la. Sou um homem direto tentando descobrir se você seria uma boa parceira de negócios.
Ravenna não conseguiu esconder a total surpresa ao ouvir a resposta de Anthony, e parou no meio do caminho para prestar atenção ao que sairia da boca daquele homem. “Negócios? Aquilo estava totalmente fora de tudo o que já ouvira, e ela ouvira diversos discursos mirabolantes”.
— Uma parceira de negócios? O que quer dizer com isso?
— Veja bem, está claro como água cristalina que milady não está propensa ao matrimônio, seja quem for o pretendente. Eu não estou propenso a viver um tórrido romance e todo o cansativo caminho do cortejo até a nave da igreja. Sou um homem de vinte e sete anos responsável por um título arruinado por meu pai e preciso me casar com uma dama com um generoso dote — Antes que Ravenna pudesse interrompê-lo outra vez ele tomou a iniciativa. — Permita-me terminar minha explicação, logo entenderá.
Ravenna franziu o cenho e olhou para seu irmão, que lia um livro a alguns metros de distância, as vezes Berlin era inútil a ela.
— Existem outras damas ricas com quem poderia me casar, mas não as escolhi pelo fato de todas serem como cachorrinhos adestrados pelas regras sociais. Eu a tenho observado mais vezes do que imagina. Você é diferente das outras, não só em beleza como em raciocínio. Vi como manipulou e se livrou de todos aqueles cavalheiros. Quero uma esposa que não se prenda a mim, nem dependa de minha intervenção para qualquer assunto. Preciso de uma dama independente e livre, que viva sua vida separada da minha e que não se intrometa em meus assuntos, já que não me intrometerei nos dela.
— Está me propondo um casamento de fachada? — Ravenna o questionou, achando hilário a audácia do homem. “Só poderia ser louco”.
— Pode chamar assim se desejar. É claro que precisaríamos gerar um herdeiro, e quem sabe outro para garantir a passagem do título, depois disso, não a obrigarei a dividir a cama comigo. A não ser que seja de seu interesse — dando a Ravenna um olhar provocador. — Não me recusaria a visitá-la todas as noites. Mas quero deixar claro que será perda de tempo tentar exigir qualquer tipo de monogamia de mim. Eu não a impedirei de ter seus amantes e não quero que se intrometa com as minhas.
Ultrajada pela falta de decoro do cavalheiro a sua frente, Ravenna bufou em total desdém. Abrindo mão do próprio decoro ela mostrou ao homem que não era tão inocente quanto demonstrava.
— Manner, está ouvindo suas próprias palavras? Está me propondo um compromisso onde não há compromisso além de gerar herdeiros? Que tipo de mulher aceitaria isso? Uma mulher desesperada talvez, porém como pode ver, este não é meu caso — rindo ainda desacreditada do que acabara de ouvir ela continuou — De onde tirou tamanha estupidez? Como saberia que o filho é seu? Caso sua esposa engravidasse de um dos amantes você adotaria o bastardo como sendo legítimo?
— Não. Sem bastardos — ele disse seco. — Tanto meus quanto seus. Nenhuma criança fora do casamento, em troca de total liberdade para viver sua vida como bem entender. Não pense que não notei seus traços, Ravenna Osborne. Você possui muita desenvoltura e segurança para uma inocente dama de dezenove anos. Digo isto sem querer ofendê-la, na verdade, isso tudo só a torna ainda mais elegível para mim.
Mesmo achando algumas partes absurdas, Ravenna entendia o que o conde queria dizer. Ele era obrigado a casar para salvar seu nome e suas propriedades. Mas não queria um casamento por amor “vai saber o que ele possa ter enfrentado em seu passado para fugir de tal enlace” pensou. Ela mesma não queria nem o casamento, nem o amor para si. Anthony oferecia a proteção de seu nome — não que Ravenna precisasse, ora essa, era uma maldita Osborne. Oferecia liberdade para fazer o que quisesse contanto que não gerasse um bastardo. Não era uma oferta de todo ruim, não para uma mulher como ela, que desejava a companhia de um homem apenas para fins práticos. Seriam parceiros de cama até que gerassem filhos e depois poderia viver como bem entendesse. Se bem que — Ravenna avaliou o homem da cabeça aos pés — não seria nenhum sacrifício ir para a cama com ele, o homem poderia ser feio, mas isso não significava que seria ruim de cama. Talvez até optasse por manter a parceria, apenas por prazer. Ainda assim, era arriscado, pensou consigo mesma. Ravenna não queria correr riscos tão altos e acabar nas mãos de um homem inescrupuloso. Fechando sua sombrinha, ela levantou o nariz em sinal de imponência e deu sua resposta final.
— Eu nunca ouvi um discurso mais controverso do que este, jamais fui pedida em casamento de maneira tão anormal. Muito obrigada por acrescentar mais essa pérola à minha coleção. Sem o menor receio eu declino de sua oferta. Não me tome por tola, mas... não confio em homens. Muito menos em homens com sorrisos diabólicos e discursos que podem ser facilmente manipuláveis no futuro. Tenha uma ótima tarde, milorde — Virando-se para seu irmão, ela falou em um tom um pouco mais alto do que o adequado — Meu caro irmão, gostaria de ir para casa neste instante.
— Se mudar de ideia, estarei esperando — Ele inclinou levemente a cabeça em sinal de despedida e seguiu para o lado contrário ao trio.
Berlin questionou a irmã sobre a demora no passeio com lorde Manner e ela o respondeu:
— Foi necessário extrapolar o tempo adequado para que eu pudesse entendê-lo.
—Como assim?
—Nem queira saber, meu caro. A cada dia eu me surpreendo mais com a engenhosidade da mente humana — O olhar de Ravenna ainda vislumbrava a silhueta do conde.
—Bem, Platão fala sobre isso em seu estudo sobre...
— Oh... Dio! Por tudo que é mais sagrado, não comece a falar em filósofos gregos. Eu imploro, Berlin... ou desmaiarei em pleno Hyde Park de tamanho tédio.
— Você é decepcionante, querida irmã.
— Você é mortalmente tedioso, querido irmão.
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Ao chegar à Syon House, Ravenna contempla a residência da família Osborne em Londres. Um verdadeiro palácio de três andares com mais cômodos do que a família seria capaz de usar em toda uma vida, a residência possuía também uma das maiores estufas das mansões londrinas. O lugar era praticamente uma segunda mansão feita de vidro contendo centenas de espécies de plantas e flores. Ravenna cansara de ver damas boquiabertas ao andarem pelos corredores e salões de Syon contemplando o esplendor de toda a estrutura adornada em ouro, mármore e tapeçarias que valiam mais do que elas poderiam sonhar.
Ravenna sobe para seu quarto e conta a Meredith toda a conversa que teve com Lorde Manner. Em seu caminho de volta ao lar, começara a analisar a proposta com mais seriedade do que antes. Sabia que uma hora acabaria aceitando o pedido de algum lorde para que pudesse deixar seus pais mais tranquilos, mesmo não tendo a menor intenção de apaixonar-se por seu futuro marido. Então, por que não casar com um homem que desejava o mesmo que ela? Liberdade. Muitas perguntas surgiam em sua mente. O que seu pai pensaria de uma oferta como esta? Com certeza mataria o homem. Não voltaria atrás em sua decisão, porém, pensar na possibilidade de ser livre durante o dia e dividir a cama com quem desejasse à noite era algo que a fazia pensar.
Durante as semanas seguintes Ravenna encontrou-se diversas vezes com Lorde Manner durante eventos aos quais comparecia, o que gerou na dama uma certa simpatia pelo cavalheiro. Ambos conversavam sobre a falsa liberdade pregada pela nobreza, sobre a forma como não se encaixavam no que se era esperado de pessoas em suas posições e muitos outros assuntos, que deixariam as matronas do Almack´s estarrecidas. Sua inclinação pelo Conde de Rutland não passou desapercebido aos olhares da sociedade, gerando certos burburinhos sobre finalmente um cavalheiro ter conseguido a façanha de conquistar a inalcançável Ravenna Osborne.
O final da temporada se aproximava e Lorde Manner cumprira a palavra que dera a Ravenna de esperar por uma decisão vinda dela. A jovem manteve-se firme em negar o pedido naquele instante, mas acrescentou que tomaria alguns meses para pensar em uma contraproposta e notificaria o cavalheiro na próxima temporada, isso se ele ainda estivesse disponível. Essa foi umas das estratégias adotadas pela dama para testar a determinação de seu pretendente nada convencional. Anthony aceitou o pedido não muito satisfeito, pois havia muitas dívidas a serem quitadas, entretanto, pelo tamanho do dote que receberia e a parceira que viria junto dele, decidira por esperar. Ambos concordaram em trocar cartas durante o tempo afastados — mesmo que isso fosse considerado indecoroso — para certificar-se de que conseguiriam se suportar por mais do que alguns meses.
Tudo aquilo era uma situação intrigante não só para Ravenna como também para Meredith, que acompanhava de perto a troca de cartas e a cumplicidade que começava a surgir entre sua senhora e o Lorde medonho, como ela secretamente o chamava.
O que surgiria dessa nova empreitada de Ravenna só o tempo poderia dizer.
Na Temporada SeguinteDepois de muitos meses pensando e elaborando uma proposta decente de compromisso, Ravenna estava pronta para debater com Anthony sobre um possível noivado. Decidira mudar as regras do jogo a seu favor, para que pudesse garantir a si mesma caso seu futuro marido não fosse quem dizia. Esquematizando os tópicos do novo acordo, ela esperava tirar Anthony do eixo e assim fazê-lo desistir do enlace, mostrando que o homem era como todos os outros. Caso ele ainda a quisesse, saberia que falava sério sobre suas preferências.Optara por montar um contrato a parte do comum, feito pelo pai da noiva e o noivo, e especificar todas as suas vontades. Como por exemplo, Anthony não poderia dormir com mulheres fora da nobreza, não se incomodaria que ele tivesse amantes dentro da nobreza, contanto que fosse seguro e discreto. Seu
Era uma linda manhã de primavera quando Beline entrou no quarto de Ravenna gritando animada para que a jovem acordasse. Jogando-se na cama e puxando as cobertas de Ravenna, ela chamou insistentemente por seu nome, a mulher acordou de mau humor prometendo esganá-la caso não saísse de cima de suas pernas.Agora desperta, Ravenna perguntou a Beline o que dera na cabeça dela para entrar no quarto como se fosse um furacão acordando até mesmo os espíritos de seus antepassados. A jovem ruiva riu por debaixo da confusão encaracolada de seus cabelos, e em um entusiasmo contagiante lhe contou sobre o canal que vira da janela do quarto escolhido para ela.— Oh, sim. Sabia que apreciaria a vista. Aquele é meu quarto, deixei para você já que possui uma das melhores vistas em todo o castelo. Meu bisavô mandou fazer o canal dentro dos limites da propriedade
A noite era fria, a mais fria desde que o outono começara a colorir as folhas das árvores em tons de vermelho. A chuva caía com a força de um dilúvio e os trovões lançavam clarões capazes de anunciar o próprio fim dos tempos. Não havia estrelas ou lua para iluminar a escuridão que pairava em Alnwick, se não fosse pelas poucas velas espalhadas pelo quarto e os raios cortando o céu, seria impossível enxergar qualquer objeto que fosse. As duas mulheres dormiam juntas na mesma cama quando tudo começou. Beline acordara sentindo dores e percebeu que sua camisola estava molhada, no entanto, não conseguiu identificar de onde vinha o líquido. As dores pareciam aumentar de tempo em tempo, a cada minuto de dor a sensação de que estava prestes a ter seu corpo rasgado de dentro para fora a fazia querer urrar. Tentando respirar fundo e acalmar-se para não ass
A manhã seguinte ao nascimento da menina começava a clarear o quarto de James e Marissa, onde Ravenna tentava dormir, mas sem sucesso pois acordara inúmeras vezes durante a noite suada e ofegante, relembrando as horas de terror passadas ao lado de Beline. Ela decidiu, então, levantar da cama e lavar o rosto para checar a bebê que dormia com a criada no andar de baixo. A criada insistira para ficar com a menina mesmo Ravenna determinando que ela precisava descansar. Andando em direção ao lavatório, ela parou sentindo as pernas fraquejarem e repousou a testa na grande porta de madeira escura do quarto de banho. “Era difícil”, pensou, “continuar sem Beline era uma tarefa muito difícil”. A dor não parava de queimar em seu peito, seu coração sempre em constante agonia. O único motivo de segurar as lágri
No primeiro lar para crianças que encontraram, as funcionárias não tinham a menor ideia de quem era Anthony ou a criança. Não recebiam um bebê recém-nascido há meses. Ravenna inspecionou todos os bebês do orfanato e não achou a filha entre eles. Já estavam na estrada há 3 dias, paravam em estalagens para dormir, alimentar-se e trocar os cavalos, e no dia seguinte seguiam viagem até o próximo lugar da lista.Passaram sete dias viajando atrás de todos os orfanatos próximos até chegarem ao orfanato St. Joseph. Ravenna estava exausta e malnutrida, não comia uma refeição decente há mais de duas semanas, não conseguia pregar os olhos a noite e chorava sempre que estava sozinha. Jaden e Meredith eram seu braço direito e esquerdo, e a esperança de encontrar a filha era o que a mantinha de pé ali.
A cidade continuava a mesma de sempre, cinza e suja, cavalos e carruagens empesteando as ruas que, mesmo na baixa temporada, já possuíam um odor característico de Londres. Algumas pessoas andavam pelas calçadas como se não houvesse amanhã enquanto outras sorriam e pensavam estar em algum tipo de passeio pitoresco. Em todos os casos, todas aquelas pessoas eram insignificantes, poderiam cair ao chão sem vida naquele instante e Ravenna acharia algo natural e talvez, até agradável. Ansiava apenas por chegar em casa o mais depressa que pudesse para ver a mãe, a carta não explicava que doença ela havia contraído, apenas dizia que não havia muito tempo, o que deixara Ravenna com o coração apertado de preocupação. A viagem de volta transcorrera sem qualquer agitação, Meredith dormia durante a maior parte da viagem, enquanto Ravenna observava a pai
A aristocracia inglesa não passava de uma grande hipocrisia disfarçada de bons costumes. Os nobres expunham uma vida de moral imaculada, de acordo com a visão da atual soberana, quase passíveis de canonização. Mas por trás das cortinas escondiam toda a sua depravação, imundice e pecados. Governados por alguém que considerava as mulheres inferiores aos homens, a nobreza era um verdadeiro show de horrores para Ravenna. Enquanto divagava perdida em seus pensamentos, ouviu alguém bater à porta e Darcy logo se agitou em seu colo.— Entre — ela ordenou, imaginava que Meredith viria trazer seu chá e checar o novo residente antes de ir dormir.— Milady... — Meredith lhe chamou, a hesitação aparente em sua voz — Nós temos algo importante para lhe falar.Ravenna girou o corpo no
Seymour House. Londres, 1844Killian Harvey Crawford Seymour, Visconde de Combermere, primogênito de Michael Harvey Crawford Seymour e Samantha Harvey Crawford Seymour, era o herdeiro do título de Conde de Beaumont, e único irmão de Hellen.Aos vinte e quatro anos o jovem cavalheiro já visitara quase toda a Europa e também a América. Passava mais tempo pelo mundo do que próximo à família. Killian não sentia-se em casa na Inglaterra e muito menos dividindo a residência com seus pais, por isso os evitava ao máximo.Desde criança aprendera a nunca questionar a autoridade de seu pai — o oitavo Conde de Beaumont era um homem frio como um inverno congelante — e a jamais cometer um erro sequer em sua presença. Michael era o típico nobre inglês que visava apenas a riqueza e a glória. Um